Imagem retirada do site The Long Tail. |
Na manhã de 17 de Novembro mudei
os planos que tinha e fui ao CCB por duas razões: o título curioso do simpósio
internacional organizado pelo Lisbon Estoril Film Festival, Arte vs. Cultura e Indústrias Culturais;
e o facto do escritor Hanif Kureishi fazer parte do primeiro painel.
Acabou por ser uma experiência
frustrante. Fiz um grande esforço para perceber de que forma aquilo que a
maioria dos intervenientes dizia se relacionava, realmente, com o tema do
simpósio, o qual me tinha parecido tão intrigante. No fim, senti-me como se
tivesse assistido a uma conversa privada, que teria acontecido de qualquer
forma, independentemente do título do simpósio. Rancière, Benjamin, Adorno, Horkheimer e outros foram mencionados mais que uma vez e era óbvio que alguns
dos intervenientes estavam mesmo a divertir-se entre eles, enquanto eu tentava
controlar a minha frustração e o sentimento que tinha desperdiçado a minha
manhã.
Acabei por sair sem ter percebido
a afirmação “Arte vs. Cultura”, mas acho que percebi uma outra coisa: alguns
dos intervenientes lamentavam o facto da ‘indústria’ dominar a criatividade,
não deixando espaço para trabalhos menos ‘populares’ ou menos ‘mainstream’
serem conhecidos (e talvez… tornar-se tão ‘populares’ ou tão ‘comerciais’ como
outros?). Houve momentos em que a queixa não parecia ser o facto de terem sido
deixados sem espaço, mas o facto da ‘indústria’ não lhes permitir terem
audiências igualmente grandes. Confuso, não?
Achei estranho que esta pudesse
ser uma questão nos dias que correm. E achei também que, se era este o assunto
que era suposto ser discutido sob o título “Arte vs. Cultura e Indústrias
Culturais”, o painel deveria ter incluído um ou dois oradores que pudessem ter
baixado a idade média dos intervenientes dos 65 anos (Hanif Kureishi tentou, na
verdade, re-centrar o debate, mencionado o que tem estado a observar entre os
seus filhos e os amigos destes, confiante de que hoje em dia há muita
criatividade, graças também às novas tecnologias, mas ninguém seguiu a deixa,
por isso ele desistiu e, visivelmente aborrecido, concentrou-se no seu
telemóvel…).
Eu também acho que estes são
tempos muito criativos, especialmente no que diz respeito aos produtos de
nicho. Uma criatividade sem fronteiras, que pode ser concebida, produzida e
distribuída sem estar dependente das regras da ‘indústria’. Ou… que tem,
realmente, um espaço graças à ‘indústria’. Considerando o caso específico dos
livros (todos os intervenientes eram escritores ou argumentistas), o livro de
Chris Anderson The Long Tail: Why the future of business is selling less of more fala-nos dos inúmeros livros que
nunca teriam vendido um exemplar numa livraria normal (não haveria espaço para
armazenar centenas e centenas de livros que iriam vender pequenas quantidades),
mas que vendem, realmente, graças à Amazon e as suas sugestões (“pessoas que
compraram este livro, compraram também este”…) e graças ao facto de poder
fornecer qualquer livro, uma vez que não tem que o armazenar até ser
encomendado. Hoje em dia, os livros também podem ser impressos a pedido, podem
ficar disponíveis na Internet, podem chegar aos lugares mais distantes (e não
nos esqueçamos dos e-books).
Este é também o tempo em que
jovens talentos em música podem fazer o upload do seu trabalho para quem
estiver interessado, tornando-se mais conhecidos através do “like” e da
“partilha”; este é o tempo em que concertos acontecem na sala de estar das
pessoas; em que festivais de cinema são apresentados no You Tube.
Sei que esta é uma matéria muito
mais vasta e que não seria possível abordar aqui todos os aspectos com ela
relacionados. Mas, pergunto-me, será que é negado espaço a alguém nestes dias?
Não é verdade que aos nichos não é cedido espaço, mas que são eles a criar o
seu próprio? Isto tudo não poderá ser uma questão sobre o quem é que procura
comunicar com quem? Os produtos ‘populares’ (uso o termo no sentido das vendas,
não do conteúdo) precisam provavelmente da ‘indústria’ e das grandes
instituições culturais formais para a sua distribuição, mas os produtos de
nicho (que podem um dia tornar-se ‘populares’) parecem capazes de viver de
forma relativamente independente nestes dias, felizes de serem quem são. Será
assim?
Mais leituras
A década em que todos puderam ser famosos para 15 pessoas (dossier do Jornal Público, 8.10.2010)
Culture and Class (John Holden, 2010)
Ainda neste blog