Na semana passada foi revelada a nova obra de arte que irá ocupar o chamado ‘quarto plinto’ da Trafalgar Square em Londres. Chama-se “Nelson´s ship in a bottle” (O navio de Nelson numa grarrafa) e é obra do artista Yinka Shonibare. Li vários artigos no jornal Guardian a propósito desta nova obra, mas aquele que mais me chamou a atenção intitulava-se “Do black artists need special treatment?” (Os artistas negros precisam de tratamento especial?). A autora do artigo, Munira Mirza, questionava até que ponto hoje em dia faz sentido falar de “black art”, porque é que ainda assumimos que ser-se negro significa ser-se marginal, qual é a vantagem para a arte e os artistas (e o público, acrescentaria eu) continuarmos a falar de ‘diversidade’ procurando definir a cultura em categorias rígidas, privando-a de fluidez, de liberdade.
A procura da diversidade e da representatividade tem sido uma grande preocupação em países como o Reino Unido, e muito particularmente, mas não exclusivamente, na cidade de Londres. Uma cidade multi e intercultural, para onde cada um de nós leva o seu mundo e mistura-o com o dos outros. A procura da diversidade e da representatividade tem definido as políticas das últimas décadas em várias áreas. No entanto, Munira Mirza questiona se, depois de tantos anos e dado que o mundo entretanto mudou bastante, não fará mais sentido deixar de classificar a diversidade com base na cor. “As barreiras hoje em dia”, diz Munira Mirza, “têm como base sobretudo a classe – rendimento, redes, educação. E isto afecta muitos brancos também.”
Enquanto lia o artigo, pensava: agora, substitui a palavra ‘negros’ por ‘deficientes’. E pergunto: Os artistas deficientes precisam de tratamento especial? Por grande coincidência, nesse mesmo dia saiu um artigo no jornal Le Monde intitulado “Danse avec des béquilles” (Dança com canadianas). “Qual é o lugar da dança na sua vida, da deficiência na sua dança”, perguntavam ao bailarino Ali Fekih. “Há vinte anos que danço”, respondeu, “e que sou confrontado com a estigmatização da deficiência. É sempre a mesma história e evidentemente um perigo de nos fecharmos na deficiência. É uma realidade, mas isto não nos impede de fazermos o nosso trabalho. Somos artistas antes de sermos deficientes, o que alguns por vezes esquecem”.
Muitos de nós olhamos para os artistas deficientes com um misto de admiração, pela luta que têm que travar para chegarem onde querem chegar, e de compaixão, pelas limitações que nos parece que a deficiência irá sempre impor, não lhes permitindo chegarem ao nível de outros artistas. Quem trabalha na área da Comunicação, raras vezes resiste à tentação de destacar a deficiência para chamar a atenção dos meios de comunicação e do público. Quais as expectativas deste último? Normalmente, não tão grandes como se se tratasse de artistas ‘normais’. A tendência é dar um desconto.
Quem beneficia desta abordagem? Provavelmente ninguém. Porque os artistas com deficiência, como já vimos, querem ser primeiro vistos como artistas. A sua luta é a luta de todos os que querem chegar algures. Com algumas diferenças, sem dúvida, mas nada a que não sejam habituados. Não são raras também as vezes que os programadores perdem a oportunidade de apresentar um excelente espectáculo porque tinham já programado um espectáculo com deficientes numa determinada temporada e, quotas preenchidas, não vão programar mais um. Por último, o público, pronto a manifestar a sua admiração/compaixão, pronto a dar o desconto, pouco interessado, de resto, em assistir a um espectáculo que espera que seja perturbador, de alguma forma, e de menor qualidade.
Mas às vezes, ganha-se. Ganha-se quando se assiste a um espectáculo maravilhoso, que nos abre uma janela para um novo mundo, que questiona subtilmente os nossos preconceitos e faz-nos voar, enche-nos de felicidade.
Os quatro vídeos que se seguem são os trabalhos de artistas estrangeiros e portugueses e poderão mostrar melhor de que é que estou a falar.
O Aqui, por CIM – Companhia Integrada Multidisciplinar (o espectáculo representará Portugal no International VSA Festival, em Washington, em Junho 2010)
Na semana passada fui convidada para dar uma pequena palestra sobre públicos a alunos da Escola Superior de Teatro e Cinema. Comecei questionando: Porque é que falamos dos públicos? Porque é que nos preocupamos com eles? Porque são eles que dão sentido ao nosso trabalho. Pelo menos ao meu. Sem públicos não há museus. Sem públicos não há teatros. Praticamos, assistimos ou participamos em actividades culturais porque queremos todos comunicar, partilhar, descobrir, descontrair: profissionais de museus, profissionais do espectáculo, públicos. Esta comunicação e partilha não aconteceria se faltasse um dos elos.
Para quem trabalha na área da Comunicação, a relação com os públicos é fundamental. Conhecê-los bem, criar aos poucos relações pessoais, de amizade até, são formas de chegar cada vez mais longe nesta relação e conseguir alargá-la, aos poucos, aos não-públicos. Nos últimos 10 anos trabalhei em duas instituições relativamente grandes. ‘Grandes’ também considerado o volume de trabalho que se deseja desenvolver e os poucos recursos humanos. Não poucas vezes, senti alguma frustração por passar grande parte do meu tempo num gabinete e não poder estar mais próximo dos visitantes ou espectadores, nos locais de atendimento, durante a preparação da visita, na sala de exposições, nos vários espectáculos. É sobretudo nesses momentos que conseguimos avaliar, mesmo de forma empírica, o impacto do nosso trabalho, a forma como é aceite e julgado. E é desta forma que se criam também relações mais próximas, por vezes pessoais, duradouras, com os destinatários finais da nossa acção.
Várias vezes pensei que as instituições que lidam com públicos mais reduzidos têm a sorte de poder trabalhar com eles dessa forma mais personalizada. Cria-se assim um sentimento de partilha, de comunidade e também de pertença, que muito influencia a qualidade da experiência, a forma como as pessoas vivem o espaço e o que este lhes oferece. E é particularmente compensador e reconfortante para quem trabalha para que isto aconteça. As coisas assim ganham sentido.
Podemos ter esta experiência, ainda que com uma frequência menor, também nas grandes instituições. Acho que, apesar de já não me lembrar dos rostos, nunca me esquecerei da experiência que foi receber o primeiro grupo de crianças no lançamento da actividade Uma Noite no Museuno Pavilhão do Conhecimento. A forma como todos, funcionários do Pavilhão e crianças, partilhámos aquela aventura pela noite dentro, a forma como nos aproximámos, o difícil que foi separarmo-nos no dia seguinte, o prazer de nos reencontrarmos nas salas expositivas do Pavilhão noutras ocasiões.
Também no São Luiz, e nos quase quatro anos que lá estou, aquilo que destacaria como a vivência mais marcante e compensadora tem a ver com uma experiência partilhada com o público. Foi em 2008, quando se organizou em co-produção com o CCB o Festival Pina Bausch. Numa manhã assistimos num workshop do Centro de Pedagogia e Animação (CCB) sobre o Café Müller, a peça que a própria Pina Bausch ia dançar nessa noite no São Luiz. No workshop participava uma dezena de crianças provenientes de meios familiares desfavorecidos. Acabado o workshop e tendo presenciado o entusiasmo, interesse, prazer e criatividade das crianças, pensámos que elas deveriam ter a oportunidade de ver o espectáculo ao vivo. Assim, numa sala praticamente esgotada, conseguiu-se arranjar umas cadeiras e as crianças assistiram. Será impossível esquecer o brilho nos olhos delas, o fascínio, a alegria e também a admiração, misturada com medo, quando puderam entrar nos bastidores a seguir ao espectáculo e encontrar-se com a própria Pina, que assinou os seus programas.
Neste contexto, gostei particularmente do último post de Nina Sinom no seu blog Museum 2.0, intitulado Complicity, intimacy, community. Gostei da forma como gostamos quando algo está na nossa cabeça e finalmente alguém consegue estruturá-lo com palavras e torná-lo concreto. A Nina Simon lembra-nos neste seu texto que mesmo as instituições maiores têm formas de proporcionar experiências que criam cumplicidade entre o público e a instituição, criando igualmente um sentimento de intimidade e comunidade. Isto não passa necessariamente por um serviço personalizado, tal como nós o idealizamos, mas criando as condições para que o visitante / espectador / participante se sinta em primeiro lugar orientado (sabe onde está, o que pode ou não pode fazer) e para que possa viver e partilhar confortavelmente a experiência com os outros, conhecidos ou desconhecidos.
É tão bonita a troca de um sorriso de cumplicidade.
Nota à parte: Como disse, dá-me um prazer muito particular encontrar estruturadas em palavras coisas que tenho na minha cabeça, preocupações, ideias… E quando as encontro, é-me impensável deixar de citar o nome da pessoa que as estruturou, para eu as poder utilizar também. Neste blog não se encontram ideias originais. São opiniões e sentimentos, resultado das minhas leituras e experiências, que procuro aqui de alguma forma estruturar e partilhar. Mesmo assim, seria simpático se, quando reproduzidas na íntegra as minhas palavras, a fonte não deixasse de ser mencionada por quem as utilizou. Foi-me solicitado por um museu o link do meu post sobre as entradas gratuitas nos museus. Na semana passada, encontrei as minhas palavras num jornal, nas declarações do director desse museu. Pode ser que o director tenha referido a fonte mas o jornal não tenha incluído a referência no artigo. Ou não.
Quatro dias à descoberta de Berlim e, inevitavelmente, dos seus museus. Não há dúvida que nesta cidade se encontram algumas das melhores colecções, sobretudo aquelas das civilizações antigas do Mediterrâneo e do Médio Oriente. Ao mesmo tempo, não há dúvida que uma excelente colecção não é garantia de uma boa experiência durante a visita. Alguns dos factores que, com alguma frequência, podem estragar a experiência nos museus desta cidade:
- Berlim é neste momento a terceira cidade europeia mais visitada por turistas, a seguir a Londres e Paris. No entanto, os guardas nos seus museus falam apenas alemão. Assim, não só têm muita dificuldade em dar informações quando lhes são solicitadas, como também estão constantemente a dar instruções aos visitantes que estes últimos são incapazes de entender.
- Alguns museus atraem um grande número de pessoas. No recentemente reaberto Neues Museum os visitantes têm que comprar o seu bilhete antecipadamente e para um determinado horário. Adquiri o meu numa quinta-feira, sendo que a primeira vaga seria no sábado. As filas em certos momentos são enormes e as pessoas com direito à entrada livre (membros do ICOM, portadores de cartões equivalentes ao Lisboa Card, etc.) não têm maneira de as evitar. São obrigadas a juntar-se a elas para ficarem com um bilhete de entrada livre. Em muitas cidades existem filas ou entradas separadas para essas pessoas. Em Berlim, não.
- Em todos os museus em que entrei havia audioguias, quase sempre a custo zero. Apesar de serem um excelente suporte para quem procura uma visita mais aprofundada, com mais pormenores sobre os objectos expostos, não deveriam substituir os painéis introdutórios e as legendas, com textos breves e bem escritos. Na maioria dos grandes museus de Berlim ou somos especialistas ou não temos a mínima ideia sobre o que estamos a ver (a não ser o nome do objecto, a data e a proveniência). Total ausência de explicações e de um contexto mínimo. Há excelentes excepções: no Neues Museum, na Neue Nationalgalerie e no Deutsches Historisches Museum.
- Não são poucas as vezes em que parece haver maior preocupação com o design e menor com a funcionalidade e acessibilidade. Vi soluções muito bonitas em alguns museus em termos de vitrines ou suportes de informação escrita (Jüdisches Museum, Neues Museum). No entanto, vi pais com crianças pequenas ao colo em grande parte da visita para elas poderem ver os objectos nas vitrines. Pessoas em cadeira de rodas, como ninguém lhes pega ao colo, ficam logo excluídas.
Quatro dias e treze museus depois, o balanço é este:
Os absolutamente favoritos - Neues Museum. Tem uma colecção maravilhosa e, como foi recentemente renovado, aproveitou para a expor e interpretar melhor. Cria unidades temáticas, dá informações básicas sobre elas em suporte escrito, disponibilizando mais detalhes através de outros meios. A intervenção arquitectónica na área expositiva é impressionante. Ponto alto da visita: a entrada na sala de Nefertiti.
- Pergamon Museum. Tem muitas falhas do ponto de vista museográfico, entre elas, o facto de não disponibilizar informação essencial sobre as peças expostas a não ser via audioguia. O que o torna, mesmo assim, num dos favoritos é o altar de Pergamon e a porta de Ishtar. Imagino qual teria sido a experiência se estes dois monumentos tivessem sido melhor interpretados.
Desilusões
- Jüdisches Museum. Há anos que queria visitar este museu. Descobri que afinal é sobretudo o edifício famoso de um arquitecto famoso. De resto, parece que o que pretende é manter-nos num estado permanente de desorientação, tanto do ponto de vista do espaço como da narrativa. Não sabia onde estava nem qual parte da história estavam a contar-me. Várias vezes fiquei na dúvida relativamente ao caminho a seguir. Este foi também o museu que mais soluções de design implementou para a apresentação dos objectos e para a disponibilização da informação, a maioria delas inacessíveis.
- Hamburger Bahnhof, o museu de arte contemporânea de Berlim. Trata-se de uma colecção privada. Saí como entrei. Não aprendi nada, porque não quiseram explicar-me nada. Partem do princípio que sei tudo ou que gosto de me sentir pouco inteligente?
- Checkpoint Charlie – Mauermuseum. Ou seja, o Museu do Muro, convenientemente localizado num dos pontos mais emblemáticos - e turísticos - da cidade. Um ‘museu’? Não diria. Trata-se de uma casa que conta uma história fascinante, é verdade, através de textos escritos há provavelmente 30-40 anos e de reproduções fotográficas. Pouquíssimos objectos. Centenas de visitantes enlatados neste espaço, ao ponto de questionar se será legal manter tanta gente num edifício naquelas condições. Parecia uma procissão. Mas o objectivo aqui é claramente fazer dinheiro, por isso, não há nenhuma preocupação quanto ao controlo do número de visitantes e à qualidade da visita. Um adulto paga €12,50 (o museu nacional mais caro custa €10…). Alguém deveria prevenir os inocentes turistas. Uma visita ao Memorial do Muro (Gedenkstätte Berliner Mauer) é gratuita, muito mais interessante e tem a vantagem da exposição se encontrar ao pé de uma das duas extensões fragmentadas do muro que se encontram ainda de pé. Uma experiência diferente, tocante e muito mais decente.
“O que é qualidade num teatro nacional?” foi o título de um artigo de opinião de Christoph Dammann, ex-director artístico do Teatro São Carlos, publicado no Público no dia 3 de Maio. Achei o artigo muito interessante. Por um lado, porque Dammann apresentava uma série de indicadores que podem servir para avaliar o seu desempenho à frente do teatro nacional de ópera nos últimos três anos. Entre eles, o valor investido pelo estado em cada espectador, algo raramente discutido entre nós e por isso também raramente considerado como um indicador de desempenho nas avaliações que fazemos. Mas também, o aumento no número de espectadores, as actuações de cantores portugueses, o número de co-produções com outros países. Por outro lado, porque nesse artigo Dammann levantava a questão dos objectivos, que devem ser traçados pela tutela juntamente com os directores dos equipamentos culturais. “O proprietário do Teatro – o Estado – tem de discutir as seguintes questões com a direcção: quantas produções deviam ser apresentadas numa temporada, com quantas récitas, com que custos para o Estado por cada bilhete vendido? Quantos espectáculos, concertos, ensaios deviam ser feitos por cada elemento da orquestra e do coro?”. Os números apresentados pelo ex-director artístico do São Carlos parecem válidos. Falta saber o que é que lhe tinha sido pedido pela tutela aquando do convite para dirigir o teatro. Na verdade, só assim saberemos se conseguiu cumprir ou não. Antes de chegarmos à avaliação, devemos saber quais os objectivos iniciais.
Há uns meses atrás, soube do caso de um director de museu que foi de repente confrontado com um aviso da sua tutela de que o número de visitantes estava aquém das expectativas. O que é que se faz quando se é surpreendido com uma aviso desses? Fácil: aceita-se mais marcações de escolas e os números melhoram rapidamente. Mas a qualidade da visita será a mesma? O serviço educativo irá receber com a mesma eficiência e atenção os numerosos alunos?
Não é difícil arranjar números quando necessário. No entanto, se a questão da avaliação é para ser levada a sério, é óbvio que para haver avaliação é preciso haver objectivos. Objectivos esses que deverão ser discutidos pela tutela e pelos directores das várias instituições, assumidos por ambas as partes e, a seguir, comunicados às equipas. Desta forma, fica toda a gente esclarecida sobre os fins a que se pretende chegar e o papel de cada um neste esforço que se quer colectivo. O passo seguinte será definir os indicadores de desempenho para a avaliação final. E assim, poderemos dizer que estamos todos a falar a mesma língua.
Existem dois documentos muito úteis para a reflexão sobre esta temática, ambos publicados pelo Department for Culture, Media and Sports (DCMS, o equivalente do Ministério da Cultura no Reino Unido). O primeiro data de 2006 e intitula-se Understanding the Future: Priorities for England´s Museums (disponível aqui) O segundo é o Balancing the Scorecard: a review of DCMS Performance Indicator Framework (disponível aqui). Um outro elemento interessante é que no Reino Unido existem acordos de financiamento entre o Estado e, por exemplo, os Museus Nacionais, disponíveis no site do DCMS (ver como exemplo o do British Museum) Neste documento, ficam claramente definidos os objectivos traçados pelo museu para o triénio referente ao acordo de financiamento e a forma como se propõe monitorizar o seu desempenho em relação a esses objectivos. E estão disponíveis, para quem quiser consultá-los.
Nos dias 28 e 29 de Abril, e a propósito do Dia Mundial da Dança, a REDE – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea organizou um encontro sobre Sustentabilidade Económica e Políticas de Financiamento nas Artes Performativas.
O modelo inglês foi apresentado por Betsy Gregory, Directora Artística da Dance Umbrella, um dos mais importantes promotores de dança contemporânea no Reino Unido. Ao começar a sua comunicação, Betsy Gregory esclareceu que se sente desconfortável quando tem que falar da arte na linguagem dos negócios, que não gosta de falar de angariação de fundos, não gosta de ser confrontada com a agenda social do governo britânico. “Parece que nos esquecemos da arte”, afirmou. “Parece que só falamos da dança como uma forma de combater a obesidade na infância…”.
Fiquei a pensar nestas palavras, enquanto a oradora prosseguia com a sua comunicação. A questão do financiamento das artes e da cultura em geral – o porquê e o como – é um capítulo demasiado grande para ser brevemente comentado neste blog. E até em países como o Reino Unido, onde tudo parece ser mais linear, mais claro, não faltam as críticas relativamente ao apoio incondicional aos ‘grandes’ e a luta que tem que ser travada pelos ‘pequenos’ para conseguirem o precioso apoio. Portanto, não pretendo abrir aqui esta discussão, mas gostava de comentar as palavras de Betsy Gregory.
Concordo com ela que não podemos esquecer qual é o nosso core business. O que as artes sabem fazer melhor é maravilhar, inspirar, surpreender, entreter, fazer-nos olhar para o mundo, enfrentar os nossos problemas, esquecermo-nos deles... Acho que é por isso mesmo que não nos devemos sentir desconfortáveis quando temos que falar a linguagem dos negócios; ou quando nos são apresentados os objectivos de uma agenda social.
No Reino Unido, onde a atribuição de apoio financeiro pelo Estado é feita com base em objectivos, as estruturas culturais vêem-se obrigadas a negociar com os representantes do governo da forma como estão a negociar apoios financeiros junto de instituições privadas. Se pretendem ter sucesso na captação de fundos, têm que estudar a agenda do ‘patrocinador’ e saber adaptar o seu discurso. Como dizia no postLugares de encontro, nós não somos nem assistentes sociais, nem terapeutas, nem forças de paz, nem políticos, nem advogados, nem padres. Mas somos relevantes. E temos que ser capazes de mostrar a nossa relevância, promover o nosso trabalho e... talk business.
“Temos que provar que somos bons naquilo que fazemos”, disse Betsy Gregory, “e pedem-nos para o provarmos apenas com números. Assim, até estruturas que promovem má arte podem receber financiamento, porque preenchem todos os pré-requisitos”. Penso que é neste ponto mesmo que surge muitas vezes um equívoco. A pergunta de um membro da audiência, “Como é que se pode avaliar a qualidade?”, veio demonstrá-lo. Museus e artistas mostram-se frequentemente incomodados por terem que dar provas do seu trabalho. No entanto, o que se pretende avaliar não é a qualidade do trabalho (boa/má exposição, boa/má interpretação), mas sim o impacto desse mesmo trabalho na comunidade, essa mesma comunidade de contribuintes que o financia. Nesse sentido, o que se deve reivindicar, na minha opinião, é que a avaliação seja feita com base em indicadores quantitativos e qualitativos. Os números são importantes, são bons indicadores, permitem-nos acompanhar as tendências, são fundamentais. No entanto, a interpretação daquilo que nos dizem ganha outro conteúdo, outra profundidade, quando são cruzados com dados sobre a qualidade da experiência. “Como se faz?”, pergunta-se muitas vezes.
Penso que uma das formas mais simples é o registo das reacções, emoções e opiniões dos membros do público. São eles os destinatários finais da nossa acção, portanto eles podem dar-nos feedback sobre a experiência que tiveram, a forma como os tocou, as questões que lhes levantou. Um simples vídeo do Dance Umbrella mostra a forma básica de o fazer, no âmbito de um projecto chamado Bodies in Urban Spaces (projecto esse apresentado ontem na cidade de Alcobaça, no âmbito das celebrações do Dia Mundial da Dança):
Uma outra forma, muito utilizada por museus, seria o registo das memórias das pessoas que assistem aos espectáculos, participam em eventos e actividades ou visitam exposições. Ir ao seu encontro meses ou anos depois e procurar saber o que ficou da experiência é também um indicador do impacto que a mesma teve nelas. Um livro muito interessante sobre a memória é o Dream spaces: memory and the museum, de Gaynor Kavanagh, para além da ampla bibliografia sobre estudos de público que incluem projectos e experiências ligados às memórias.
Por outro lado, em países onde os apoios financeiros do Estado são distribuídos sem pedir nada em troca, este financiamento parece ser um dado adquirido, não necessita de provas de desempenho. O Estado deve financiar porque a cultura faz bem. Porque a cultura é importante. Porque sim. Um “porque sim” que esconde às vezes alguma arrogância, assim como pouca compreensão e empenho.