Caroline Miller é a dinâmica e visionária directora de Dance UK. É uma daquelas pessoas que têm a capacidade de pensar em grande e trabalha muito para que as coisas realmente aconteçam, inspirando outras pessoas a juntar-se e a trabalhar com ela. Uma das maiores conquistas de Dance UK foi a inauguração, em Abril passado, da primeira clínica para bailarinos lesionados, integrada no Sistema Nacional de Saúde britânico. Este ano, durante o fellowship em gestão cultural no Kennedy Center, Caroline apercebeu-se que tem mais um papel: o de diplomata cultural. Neste post, partilha connosco as suas reflexões sobre o verdadeiro papel que a diplomacia cultural pode ter na promoção do entendimento mútuo. Não poderia ter desejado um texto mais bonito para a celebração da conclusão do nosso segundo ano no Kennedy Center. mv
DESH, por Akram Khan Company. Coreógrafo/Performer: Akram Khan. (Foto: © Richard Haughton) |
Tenho estado a pensar muito na diplomacia cultural nesta última semana. Como Directora de Dance UK, a principal organização para apoiar o sector da dança profissional no Reino Unido, estou empenhada na promoção da dança na sociedade, ao mesmo tempo que luto pela sua valorização. Passo muito menos tempo a pensar sobre o papel da dança na promoção e representação da cultura e da sociedade britânicas.
Isto mudou quando me encontrei com um grupo de adidos culturais no âmbito do Summer International Arts Management Fellowship no Kennedy Center em Washington. Sendo todos funcionários públicos americanos com experiência, estavam a preparar-se para assumir novos postos em todo o mundo e queriam muito encontrar-se com os gestores culturais internacionais que aqui se encontram. Apesar de ter trabalhado com vários adidos culturais em Londres e de ter beneficiado do seu apoio em projectos artísticos específicos, esta foi a primeira vez que parei para, realmente, pensar no propósito estratégico desses postos governamentais e naquilo que procuram fazer no âmbito de um plano maior.
De acordo com o Institute of Cultural Diplomacy, Dr. Milton C. Cummings, especialista americano em ciências políticas e escritor, define a diplomacia cultural como “o intercâmbio de ideias, informações, valores, sistemas, tradições, crenças e outros aspectos culturais, com a intenção de promover o entendimento mútuo”. Esta definição poderia ter sido usada para descrever a minha experiência como fellow no Kennedy Center. Isto significa que sou um diplomata cultural?
Aquilo que pensava ser uma excelente oportunidade pessoal para o meu desenvolvimento profissional e para levar novas competências e ideias de gestão para a minha organização, ia igualmente fazer de mim, na verdade, uma embaixadora na promoção de ideias, de valores e da cultura britânica.
Após a conclusão do meu primeiro ano como fellow em 2011, tinha falado aos meus amigos da minha surpresa em descobrir que a globalização e homogeneização da cultura não era tão comum como pensava. Tinha passado um mês intenso convivendo e trabalhando com gestores culturais de 28 países, que tinham falado dos seus mundos de trabalho muito diversos, em países como Zimbabwe, Egipto, Paquistão, Moldávia e Cambodja, entre outros. Ao longo do tempo, íamos trocando ideias, tradições e sistemas de valores dos nossos países. “No meu país” tornou-se no nosso slogan colectivo.
As nossas experiências eram muito diferentes. Desde as regiões onde não existe uma cultura de compra de bilhetes para eventos culturais aos países onde a corrupção política e as revoluções eram o cenário e influenciavam a produção artística.
Ao trabalhar ao lado de gestores culturais dos cinco continentes, tinha sido promovida de gestora de uma organização de dança a “a bife”, a representante de uma história colonial inteira! Apesar de ser uma brincadeira, o estereótipo do Império Britânico Colonial era real e ainda vigente.
No entanto, aquilo que não estava estereotipado era o interesse e entusiasmo à volta da cultura britânica – teatro, musicais, artes visuais, museus, música ou dança. Esta era a área da ‘condição de ser britânico’ que captava o interesse e a imaginação dos meus colegas internacionais. Era através das artes que as pessoas tinham obtido um entendimento mais sofisticado da sociedade, dos valores e das crenças britânicas. Isto era para mim suficiente para provar o valor da diplomacia cultural e o papel das artes como comunicador eficaz dos melhores atributos de cada nação.
Entity, by Wayne McGregor/Random Dance, 2008. (Foto: © Ravi Deepres) |
Tive que pensar novamente na forma como falo sobre o valor da dança no Reino Unido, por exemplo, sobre Akram Khan – de nacionalidade britânica/bangladeshi -, cujo espectáculo Desh explora uma relação ficcionada com o seu pai (ver aqui; sobre a dança contemporânea abstracta de Wayne McGregor/Random Dance, misturada com novas tecnologias (ver aqui); sobre a dança/performance de Rosie Kay Five Soldiers, que fez a sua pesquisa treinando com o exército e passando tempo no hospital de Birmingham, que cuida dos soldados lesionados que regressam do Afeganistão (ver aqui); ou sobre a peça dos DV8 Can We Talk About This, que explorava temas como a liberdade de expressão, a censura e a ofensa na sociedade britânica (ver aqui). Todos juntos, dizem mais sobre o verdadeiro Reino Unido de hoje - rico em tensões entre a tradição e a modernidade, a religião e a espiritualidade – do que qualquer ensaio.
Na altura que estarão a ler este post, terão começado os Jogos Olímpicos de Londres e mais de um bilião de pessoas em todo o mundo terão visto a espectacular cerimónia de abertura. Neste momento que estou a escrever, não tenho a mais pequena ideia sobre os detalhes deste evento. Sabemos que vai incluir alguns dos melhores artistas e talentos britânicos e que o seu tema são “As ilhas das maravilhas”. A equipa criativa, que inclui Danny Boyle (conhecido mundialmente como realizador do filme Slumdog Millionaire), prometeu um espectáculo singularmente britânico. O jornal Daily Telegraph diz que o espectáculo começa numa “terra verde e agradável”, passa pela revolução industrial e uma celebração do direito de protestar, o serviço público das enfermeiras do Sistema Nacional de Saúde britânico e talvez ainda por um outro elemento-chave da vida britânica… as saídas no Sábado à noite. Promete ainda ser aquela coisa rara numa cerimónia de abertura – divertido! A seguir ao ensaio geral, um participante escreveu no Tweeter que a cerimónia é “Esplendidamente britânica e magnificamente louca“!
Seja o que for que esteja incluído na cerimónia de abertura do Jogos Olímpicos de Londres, tenho a certeza que irá comunicar eficazmente mais, num único espectáculo para uma audiência enorme, sobre o Reino Unido moderno do que os políticos têm conseguido em décadas. E uma última coisa: não devemos esquecer que, quaisquer que sejam (ou não) as dificuldades financeiras dos nossos países, as artes têm um papel em desafiar a ideia do que é e do que representa um país… Por isso, brindemos à diplomacia cultural.
Caroline Miller é directora de Dance UK, a voz nacional para o sector profissional da dança no reino Unido. Começou a sua carreira como assistente de bilheteira e continuou como marketing manager e assessora de imprensa em grandes instituições culturais de Londres, incluindo o Institute of Contemporary Arts, Southbank Centre e Sadler’s Wells Theatre. Foi Responsável de Publicidade para a editora internacional de arte Phaidon Press. Ganhou uma bolsa da União Europeia que distingue líderes culturais emergentes femininos, a qual lhe deu a oportunidade de participar no primeiro mestrado em Liderança Cultural da City University (2007). No Dance UK criou o Manifesto para a Dança, que foi apresentado ao governo britânico e inspirou documentos similares em todo o mundo, e estabeleceu e dirige o All Party Parliamentary Dance Group, um grupo de políticos que defende a dança junto do governo.