No dia 7 do passado mês de Fevereiro o título do jornal Público que chamou imediatamente a minha atenção foi este: “Nos museus e teatros há cada vez mais acessos gratuitos”. O artigo era da Alexandra Prado Coelho (ler aqui) e dava conta, com base em estatísticas recentemente divulgadas pelo OAC, de que, em 2008, nos museus a percentagem de entradas gratuitas era de 62% e nos monumentos e palácios de 49%. Passando para as artes performativas, o artigo indicava que nos dois teatros nacionais (D.Maria II e São João) as entradas pagas eram ligeiramente superiores às gratuitas, enquanto a percentagem de espectadores da Companhia Nacional de Bailado que tinha assistido a espectáculos sem pagar tinha atingido os 66%.
Começando pelos museus, a questão da entrada gratuita é várias vezes levantada nos meios profissionais. A própria Ministra Gabriela Canavilhas afirmou em Janeiro que um dos seus maiores desejos é a instituição de entrada livre em todos os museus do IMC (ler aqui) Normalmente, esta questão é colocada no contexto da democratização do acesso, por se tratar de um ‘serviço público’, ou na perspectiva do aumento do número de visitantes e da formação de novos públicos.
Qual o serviço público para o qual não se paga nada? A educação? A saúde? Porque é que não se devia pagar para se ter acesso a um museu nacional? De acordo com a nova tabela de ingressos, o bilhete custa entre €2 (por exemplo, no Museu da Terra de Miranda) e €5 (nos grandes museus nacionais de Lisboa, Coimbra e Porto). De qualquer forma, menos que um bilhete de cinema. Existem ainda descontos e uma série de situações que dão direito a entradas livres. Porque é que o Estado havia de querer abdicar desta receita? O facto de 61% das entradas terem sido gratuitas em 2008 indica que, entre as pessoas que visitam, a maioria já tem o acesso facilitado. Os dados disponibilizados pelo OAC não entram em pormenores sobre o perfil dos visitantes, mas talvez possamos concluir que grande parte das entradas gratuitas, um número muito próximo do número de visitas nacionais, se refere a grupos escolares; enquanto o número de entradas pagas é bastante próximo do número de visitantes estrangeiros.
Se a intenção é o aumento do número de visitantes associado à formação de novos públicos, tenho sérias dúvidas que o caminho passa pela instituição de entrada gratuita. A ideia que as pessoas não visitam porque não podem pagar e visitarão se a entrada for livre é, na minha opinião, uma falsa questão. As pessoas não visitam porque não têm interesse, porque não acham os museus relevantes, porque não entendem a sua linguagem. Em alguns casos, porque nem sequer sabem que existem. Mas gastam (e gastam muito mais que €5) para participar em ou assistir a actividades e eventos que lhes parecem relevantes, interessantes, divertidos; que valem a pena o dinheiro (e tempo) investido.
A instituição de entrada livre traz, sem dúvida, um aumento no número de visitantes. No entanto, trata-se, na maioria dos casos, de pessoas com o mesmo perfil ou até das mesmas pessoas que passam a visitar mais vezes. O aumento do número de visitantes associado à formação de novos públicos passa por novas abordagens de exposição e interpretação das colecções, e, claro, por novas estratégias de comunicação. Quando o ‘produto’ é apetecível, o ‘cliente’ não hesita em pagar para o adquirir. E, tratando-se aqui de museus nacionais, preocupados, como devem ser, com as questões de acesso, podem, como já o fazem, desenhar políticas de bilheteira acessíveis para a maioria dos bolsos.
E porque normalmente nos limitamos a avaliar tudo de forma empírica, no caso das entradas livres, e em países que já as implementaram, houve estudos de avaliação da medida. Em Janeiro 2001 os museus nacionais do Reino Unido instituíram a entrada gratuita às exposições permanentes, continuando a cobrar bilhetes (e bilhetes caros) para as exposições temporárias. A abolição da entrada paga foi acompanhada por um aumento do apoio financeiro garantido pelo governo de Tony Blair (vinte anos antes, o governo de Margaret Thatcher tinha seguido o caminho inverso, introduzindo as entradas pagas nos museus nacionais, no sentido de cortar o apoio financeiro dado pelo Estado). Sete meses depois, em Julho 2001, os museus registavam um aumento médio de 62% no número de visitas. No caso concreto do Victoria & Albert Museum, o aumento chegou a atingir o 157%, um facto relacionado também com a abertura das British Galleries. Aliás, todos os museus que tinham inaugurado na altura novas alas e novos serviços registaram aumentos significativos no número de visitantes. Em 2003 foi publicado o estudo de públicos da MORI (disponível aqui) que pretendia avaliar o impacto da introdução da entrada livre. O estudo confirmou o aumento significativo do número de visitantes, mas mostrou também que a maioria eram visitas realizadas por pessoas com o mesmo perfil sócio-demográfico, ou eram então visitas repetidas, ou seja, as mesmas pessoas visitavam mais vezes. Um outro relatório da Museums Association (disponível aqui) chegou às mesmas conclusões. A entrada livre por si não forma novos públicos.
Posso ainda dar um exemplo nacional. No tempo que trabalhei no Pavilhão do Conhecimento, faziam-se dois inquéritos aos visitantes por ano. Havia entre os inquiridos pessoas que afirmavam não ser visitantes de museus. A razão invocada era a falta de tempo ou a falta de interesse. Ao longo dos cinco anos que trabalhei nesses inquéritos, foram raras as vezes em que as pessoas responderam que não visitavam porque se pagava ou porque os bilhetes eram caros.
Considerando, portanto, que os visitantes locais, nacionais e estrangeiros não reclamam pelo facto de terem que pagar para entrar nos museus nacionais e que a política de ingressos estabelece preços relativamente baixos (sendo contemplados vários descontos, assim como entrada livre para certos grupos de visitantes e profissionais), parece-me que os museus não deveriam abdicar desta receita. Deveriam continuar a cobrar e ao mesmo tempo começar a investir mais numa melhor estratégia de exposição, interpretação e marketing, que, para além de servir os públicos actuais, contribuiria para a formação de novos públicos. A oferta tornar-se-ia mais relevante, mais acessível intelectualmente, mais ‘apetecível’. E desconfio que o público não se importaria de pagar algo para usufruir da mesma.
Começando pelos museus, a questão da entrada gratuita é várias vezes levantada nos meios profissionais. A própria Ministra Gabriela Canavilhas afirmou em Janeiro que um dos seus maiores desejos é a instituição de entrada livre em todos os museus do IMC (ler aqui) Normalmente, esta questão é colocada no contexto da democratização do acesso, por se tratar de um ‘serviço público’, ou na perspectiva do aumento do número de visitantes e da formação de novos públicos.
Qual o serviço público para o qual não se paga nada? A educação? A saúde? Porque é que não se devia pagar para se ter acesso a um museu nacional? De acordo com a nova tabela de ingressos, o bilhete custa entre €2 (por exemplo, no Museu da Terra de Miranda) e €5 (nos grandes museus nacionais de Lisboa, Coimbra e Porto). De qualquer forma, menos que um bilhete de cinema. Existem ainda descontos e uma série de situações que dão direito a entradas livres. Porque é que o Estado havia de querer abdicar desta receita? O facto de 61% das entradas terem sido gratuitas em 2008 indica que, entre as pessoas que visitam, a maioria já tem o acesso facilitado. Os dados disponibilizados pelo OAC não entram em pormenores sobre o perfil dos visitantes, mas talvez possamos concluir que grande parte das entradas gratuitas, um número muito próximo do número de visitas nacionais, se refere a grupos escolares; enquanto o número de entradas pagas é bastante próximo do número de visitantes estrangeiros.
Se a intenção é o aumento do número de visitantes associado à formação de novos públicos, tenho sérias dúvidas que o caminho passa pela instituição de entrada gratuita. A ideia que as pessoas não visitam porque não podem pagar e visitarão se a entrada for livre é, na minha opinião, uma falsa questão. As pessoas não visitam porque não têm interesse, porque não acham os museus relevantes, porque não entendem a sua linguagem. Em alguns casos, porque nem sequer sabem que existem. Mas gastam (e gastam muito mais que €5) para participar em ou assistir a actividades e eventos que lhes parecem relevantes, interessantes, divertidos; que valem a pena o dinheiro (e tempo) investido.
A instituição de entrada livre traz, sem dúvida, um aumento no número de visitantes. No entanto, trata-se, na maioria dos casos, de pessoas com o mesmo perfil ou até das mesmas pessoas que passam a visitar mais vezes. O aumento do número de visitantes associado à formação de novos públicos passa por novas abordagens de exposição e interpretação das colecções, e, claro, por novas estratégias de comunicação. Quando o ‘produto’ é apetecível, o ‘cliente’ não hesita em pagar para o adquirir. E, tratando-se aqui de museus nacionais, preocupados, como devem ser, com as questões de acesso, podem, como já o fazem, desenhar políticas de bilheteira acessíveis para a maioria dos bolsos.
E porque normalmente nos limitamos a avaliar tudo de forma empírica, no caso das entradas livres, e em países que já as implementaram, houve estudos de avaliação da medida. Em Janeiro 2001 os museus nacionais do Reino Unido instituíram a entrada gratuita às exposições permanentes, continuando a cobrar bilhetes (e bilhetes caros) para as exposições temporárias. A abolição da entrada paga foi acompanhada por um aumento do apoio financeiro garantido pelo governo de Tony Blair (vinte anos antes, o governo de Margaret Thatcher tinha seguido o caminho inverso, introduzindo as entradas pagas nos museus nacionais, no sentido de cortar o apoio financeiro dado pelo Estado). Sete meses depois, em Julho 2001, os museus registavam um aumento médio de 62% no número de visitas. No caso concreto do Victoria & Albert Museum, o aumento chegou a atingir o 157%, um facto relacionado também com a abertura das British Galleries. Aliás, todos os museus que tinham inaugurado na altura novas alas e novos serviços registaram aumentos significativos no número de visitantes. Em 2003 foi publicado o estudo de públicos da MORI (disponível aqui) que pretendia avaliar o impacto da introdução da entrada livre. O estudo confirmou o aumento significativo do número de visitantes, mas mostrou também que a maioria eram visitas realizadas por pessoas com o mesmo perfil sócio-demográfico, ou eram então visitas repetidas, ou seja, as mesmas pessoas visitavam mais vezes. Um outro relatório da Museums Association (disponível aqui) chegou às mesmas conclusões. A entrada livre por si não forma novos públicos.
Posso ainda dar um exemplo nacional. No tempo que trabalhei no Pavilhão do Conhecimento, faziam-se dois inquéritos aos visitantes por ano. Havia entre os inquiridos pessoas que afirmavam não ser visitantes de museus. A razão invocada era a falta de tempo ou a falta de interesse. Ao longo dos cinco anos que trabalhei nesses inquéritos, foram raras as vezes em que as pessoas responderam que não visitavam porque se pagava ou porque os bilhetes eram caros.
Considerando, portanto, que os visitantes locais, nacionais e estrangeiros não reclamam pelo facto de terem que pagar para entrar nos museus nacionais e que a política de ingressos estabelece preços relativamente baixos (sendo contemplados vários descontos, assim como entrada livre para certos grupos de visitantes e profissionais), parece-me que os museus não deveriam abdicar desta receita. Deveriam continuar a cobrar e ao mesmo tempo começar a investir mais numa melhor estratégia de exposição, interpretação e marketing, que, para além de servir os públicos actuais, contribuiria para a formação de novos públicos. A oferta tornar-se-ia mais relevante, mais acessível intelectualmente, mais ‘apetecível’. E desconfio que o público não se importaria de pagar algo para usufruir da mesma.