O livro No logo de Naomi Klein foi publicado em 2000. Encontrei referências ao mesmo quando preparava os posts Livremo-nos da ditadura dos logos e Logos tamanho XXL. Li-o pela primeira vez agora, numa edição que celebra o 10º aniversário da primeira publicação. O resultado de quatro anos de investigação de Naomi Klein dá um outro significado, maior, à expressão “ditadura dos logos”.
Na introdução, a autora explica o objectivo da sua pesquisa: “(...) o livro é uma tentativa de analisar e documentar as forças que se opõem ao domínio corporativo e de apresentar o conjunto particular de condições culturais e económicas que tornaram inevitável o aparecimento desta oposição.” Klein acredita que, à medida que cada vez mais pessoas descobrem os segredos da hegemonia das marcas na nossa sociedade e no nosso mundo globalizado, a sua indignação irá alimentar o próximo grande movimento político. A análise é feita nas três primeiras partes do livro (No space; No choice; No jobs), às quais se segue a quarta parte (No logo), onde a autora apresenta os indícios (menores e maiores) que fundamentam a sua teoria sobre a criação de um grande movimento anti-corporativo.
A primeira parte, No space (Sem espaço), examina a rendição da cultura e da educação ao marketing. Os marketeers deram total prioridade ao branding (processo de criação da marca), convencidos que para os consumidores não existem diferenças entre produtos; e que o que eles compram são as marcas – e com elas a promessa de uma ideia, uma experiência, um estilo de vida. Nos anos 90 a marca tornou-se na estrela, não patrocina a cultura, mas é ela mesma a cultura. Cidades, bairros, programas televisivos, concertos, revistas, eventos desportivos tornam-se em extensões das marcas que os patrocinam. O mesmo acontece nas escolas e universidades (concretamente nos EUA e no Canadá), onde, em troca de financiamento necessário para equipar estes estabelecimentos e para continuar com a investigação, as marcas tornam-se elas próprias em produtores de conteúdos educativos e controlam os resultados da investigação científica, impedindo a publicação daqueles que não lhes sejam favoráveis. Entretanto, pressionadas para optimizar os seus recursos financeiros para vender num mundo globalizado, as marcas promovem e vendem a ideia da diversidade. Assim, criando uma única campanha para o mundo inteiro, forçam os consumidores a falar uma língua e a absorver uma cultura (a da marca), o que leva Naomi Klein a afirmar que estamos aqui perante não uma ‘monocultura’, mas sim um ‘mono-multiculturalismo’.
A segunda parte, No choice (Sem escolha), descreve como a promessa de uma gama alargada de escolhas culturais foi traída. O desejo de expandir e controlar o mercado levou a fusões, compras e sinergias entre marcas, que assim tentam, e conseguem, expulsar os pequenos negócios e os negócios independentes. Igualmente preocupantes são para Naomi Klein as acções de censura corporativa, que determinam não só o que vai ser comercializado, mas o que é produzido também (desde a letra de canções às capas de revistas), enquanto em muitos casos, produtores, distribuidores e vendedores são propriedade das mesmas empresas (destaque especial à relação de algumas dessas empresas com a China). A autora fala ainda extensivamente das acções judiciais relacionadas com copyright e trademark, na tentativa de controlar a produção artística e cultural na reutilização e reconfiguração de linguagens e referências culturais partilhadas por todos, essencialmente quando se trata de artistas independentes. Chama, por fim, a atenção para o facto de se estar a perder o espaço onde possam existir opções não associadas às marcas, onde possa ser cultivado o debate e a crítica. A praça pública é substituída pelos centros comerciais, onde é tolerada apenas a linguagem do marketing.
A terceira parte, No Jobs (Sem emprego), examina as tendências no mercado de trabalho que estão a criar relações cada vez mais ténuas entre muitos trabalhadores e o emprego. Naomi Klein viajou até às Filipinas e entrou numa das zonas free-trade (presentes em vários países da Ásia e da América Latina), onde recolheu testemunhos sobre a exploração de milhares de trabalhadores que, contratados por terceiros e não directamente pelas marcas, fabricam os produtos comprados e comercializados por elas. A autora aborda ainda a exploração dos funcionários nos países do primeiro mundo, onde as marcas são ainda obrigadas a empregar pessoas nos pontos de venda. Aqui reina o part-time e os baixíssimos salários. Ou até a falta de salário. As marcas afirmam estar a empregar jovens, estudantes, que estão de passagem e que ganham experiência. A verdade é que se trata cada vez mais de pessoas com altas qualificações e que ficam por muito tempo, devido à falta de melhores oportunidades de emprego. O resultado, diz Naomi Klein, é o ressentimento e a total falta de lealdade para com o empregador, ainda por cima no meio de uma população jovem, que é o público-alvo prioritário das grandes marcas.
Fonte: www.woostercolletive.com
É o ataque aos três pilares sociais do emprego, das liberdades cívicas e do espaço cívico que, de acordo com Naomi Klein, está a dar origem ao activismo anti-corporativo. Na última parte do seu livro,
No logo (Sem logo), a autora apresenta vários casos que vêm fundamentar a sua teoria sobre a criação de um movimento político. Fala-nos aqui do
culture jamming, ou seja a prática de parodiar publicidades e de ‘assaltar’ cartazes para alterar as suas mensagens (destaque para o artista cubano-americano
Jorge Rodriguez de Gerada, o performer canadiano
Jubal Brown e o movimento
Billboard Liberation Front); fala ainda do movimento
Reclaim the Streets, que organiza eventos anti-corporativos em espaços públicos; mas fala sobretudo de inicitivas que denomina de “política externa localizada” - a mais eficiente, na sua opinião -, onde apresenta acções levadas a cabo por conselhos municipais, escolas, universidades, igrejas, sindicatos, outras instituições sem fins lucrativos e grupos de indivíduos, no sentido de pressionar as grandes marcas a assumir uma conduta ética e socialmente responsável e a dar provas da mesma.
Ao longo das mais de 450 páginas lemos sobre a filosofia, a actividade e as tácticas de marcas que fazem parte do nosso quotidiano e de muitas das quais somos regularmente ou pontualmente clientes: Nike, Adidas, Reebok, Starbucks, Coca-Cola, Pepsi, McDonald´s, Shell, BP, Ralph Lauren, Tommy Hilfiger, Esprit, Levi Strauss, GAP, IBM, Microsoft... Sentimo-nos revoltados e ao mesmo tempo esmagados, impotentes. Lembro-me de ter tido o mesmo sentimento de revolta e impotência ao ver dois filmes relacionados com esta temática que foram apresentados em Lisboa em 2010:
Enjoy Poverty, do realizador holandês Renzo Martens, apresentado no âmbito do
alkantara festival; e
Black Gold, de Nick e Marc Francis, apresentado pelo programa
Próximo Futuro. A retórica e as imagens do primeiro dominaram o meu consciente e subconsciente durante semanas. Depois de ver o segundo, fui incapaz de voltar a entrar num Starbucks; e tenho procurado maneiras de evitar os produtos da Nestlé (parece uma missão quase impossível). Mesmo assim, não deixo de me questionar sobre a diferença que pode fazer o facto de uma pessoa deixar de consumir os produtos de uma ou outra marca. O sentimento de impotência permanece connosco. Na altura que vi o
Black Gold, encontrei uma resposta ao descobrir na internet a iniciativa
Fair Trade Towns. E agora encontrei mais uma no livro de Naomi Klein, nas palavras de Owens Saro-Wiwa, irmão do escritor e candidato para o Nobel de Literatura
Ken Saro-Wiwa (un dos líderes do
Movimento para a Sobrevivência do Povo Ogoni - um povo ameaçado pela actividade da Shell na Nigéria - que foi executado pelo governo nigeriano). Diz Owens Saro-Wiwa: “É importante não fazer as pessoas sentirem-se impotentes. Apesar de tudo, têm que pôr gasolina nos seus carros. Se lhes dissermos que todas as companhias são culpadas, sentirão que não há nada a fazer. O que estamos realmente a tentar fazer, agora que temos estas provas contra esta companhia concreta, é deixar as pessoas sentir que podem ao menos ter a força moral de fazer uma companhia mudar”.