Começando pelas notícias sobre a exposição, mereceram os comentários de vários leitores do Público online. Alguns dos defensores do investimento que houve para a apresentação da exposição em Portugal voltam a fazer a ‘inevitável’ comparação ao dinheiro que se investe no futebol (sinceramente, acho que deveríamos abandonar este argumento, que não serve nenhum propósito; de qualquer forma, o futebol, para além se ser rentável, mobiliza, emociona e entretém milhares de pessoas, e não apenas alguns “analfabetos que nunca visitaram um museu”). Outros comentários a favor referem-se ao benefício que foi para o país a exposição ter sido apresentada no MNAA, ao facto de ter atraído mais de 70000 visitantes, às obras que beneficiaram o museu, à oportunidade que foi para os técnicos do museu contactarem com museus internacionais e para o museu de se abrir para a realidade museográfica internacional.
É tudo uma questão de opções, prioridades, objectivos. Haverá por isso várias formas de avaliar o impacto da exposição. Os meus comentários acerca de Encompassing the Globe são os seguintes:
Não gostei. Porque deixei há muito de gostar de exposições que se limitam a apresentar objectos bonitos, mas que não nos ajudam a apreciá-los, que não contam nenhuma história. O Encompassing the Globe foi uma exposição tradicional do ponto de vista museológico e por isso vazia de sentido para muitas das pessoas que a visitaram. Fui uma delas, confesso-o. Atrevo-me a dizer, porque não disponho de dados concretos, que, se a exposição conseguiu atrair tantos visitantes, foi porque foi muito divulgada e apresentada como uma exposição “a não perder”. Porque a temática tinha a ver com Portugal e os Portugueses, um tema que chama a atenção tanto da população nacional, como dos turistas estrangeiros. Porque “Smithsonian” é um nome sonante que foi, e muito bem, usado na divulgação. Estas são as minhas explicações empíricas. Teria, no entanto, muito interesse em saber se o grande número de visitas se deve ainda ao passar-a-palavra, sinal de que os visitantes teriam gostado e recomendado a visita a amigos e familiares. Eu não a recomendei a ninguém nem alguém ma recomendou a mim.
Quanto ao investimento, diria que, apesar de nos faltar alguma experiência e também tradição no que diz respeito ao mecenato cultural, deveríamos no mínimo saber que, se seis meses antes da inauguração da exposição não temos o financiamento garantido (segundo declarações do ex-Ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro ao jornal Público em Fevereiro de 2009), é muito provável que não o venhamos a conseguir. Estes negócios fazem-se com muita antecedência. Também é difícil entender porque é que entidades que financiaram a exposição aquando da sua apresentação em Washington não chegaram a ser contactadas a propósito da sua apresentação no MNAA. E se as obras no museu ou o contacto do pessoal com a museografia internacional são tão valorizados, e devem sê-lo, que se assuma a importância dos mesmos e que se invista neles directamente e não com o pretexto de uma exposição caríssima e, na verdade, pouco marcante.
Entretanto, pergunto-me mais uma vez porque é que nunca se prevê uma avaliação somativa do impacto destas iniciativas – que nos custam tão caro - e um inquérito ao público, em vez de cada um de nós estar a dar o seu palpite sobre o mesmo. Por outro lado, fico sempre desiludida pelo facto de, em momentos como este, os dirigentes responsáveis pelas decisões tomadas reclamarem o direito de se mostrarem indisponíveis para comentar, em vez de considerarem uma obrigação perante os cidadãos pronunciarem-se sobre as questões que lhes são colocadas.
Passando agora para a primeira notícia, gostei da entrevista do novo director do MNAA, António Filipe Pimentel. Porque afirma acreditar na ‘via intermédia’. Aquela que não privilegia nenhuma das funções fundamentais do museu (coleccionar, preservar, estudar, expor e comunicar), colocando-as em oposição, mas que procura o equilíbrio entre elas (ver também artigo de opinião no boletim Informação ICOM.PT, disponível aqui). E passo a citar: “É preciso harmonizar as duas leituras: ter da preservação e do estudo uma visão estratégica e instrumental que não se esgota em si mesma. Deve ser mobilizada ao serviço dessa comunicação, que, contudo, não pode nunca sacrificá-la, nem pôr em causa os limites da sua segurança e salvaguarda.” A harmonização não é fácil e depende muito dos recursos disponíveis, humanos e financeiros. Muitas vezes, a falta deles obriga a fazer opções e criar prioridades. Mas parece-me também ser uma questão de mentalidade. Na sua entrevista, António Filpe Pimentel refere-se ainda ao museu como um palco, “o espaço de mobilização de uma comunidade a partir das obras que são expostas e por trás das quais há sempre narrativas”. E continua: “Um museu não é a Torre do Tombo do património. Num arquivo, o que existe é um tesouro de informação que ali está guardado, conservado e é consultado. O nosso tem que ser exibido e permanentemente mostrado em relatos e narrativas”. Foi com muito agrado que li estas palavras. Vejo por trás delas aquela que considero ser a mentalidade certa. Desejo que o novo director do MNAA e a equipa do museu as possam pôr em prática, que consigam transformá-las em acções concretas. Estamos atentos e expectantes.