Saturday 3 December 2022

É mesmo tão difícil de compreender?

Foto: Justo Stop Oil via The New York Times

“Museus apertam vigilância preocupados com ações de ‘terrorismo’ ambientalista contra arte”. Não sei se foi a palavra “terrorismo” no título que me chocou mais ou as próprias respostas dadas ao jornalista por diferentes directores de museus portugueses. Respostas que revelam total distanciamento da questão da emergência climática e do papel e impacto que os museus têm sobre ela. Fiquei estupefacta quando o director de um museu nacional afirmou que tinha “alguma dificuldade em perceber o que os museus e as obras de arte têm a ver com este tipo de protesto ambientalista” e que “Está relacionado com a questão do petróleo e da poluição, mas as obras de arte não têm culpa nenhuma. São ações mediáticas, mas é difícil de perceber porque têm as obras de arte de pagar por isto.” Um outro director de um museu nacional disse que considera estas ações preocupantes porque os museus “guardam, restauram e exibem coleções únicas no mundo, [que] estes casos são ‘preocupantes’ para estes espaços culturais, porque "colocam em risco um património que é de todos" e que "deve ser protegido para as atuais e futuras gerações" (essas palavras não serviriam perfeitamente para discutir o nosso património natural e a nossa obrigação para com as gerações futuras?).

Sunday 2 October 2022

A saúde mental dos profissionais dos museus em Portugal: quem se importa?

 

29 de agosto de 2022; Columbus, OH, EUA; Funcionários e apoiantes do Columbus Museum of Art reúnem-se à frente do museu, antes de entregarem uma carta à administração, solicitando o reconhecimento voluntário do sindicato CMA Workers United. Créditos: Adam Cairns-The Columbus Dispatch

“Nos últimos meses, a equipa de liderança do YBCA [Yerba Buena Center for the Arts] tem lidado com os impactos e a volatilidade sem precedentes causados pela pandemia do COVID-19.

(…) Hoje, devido a estes impactos, é com pesar que anuncio a eliminação de 27 postos de trabalho no YBCA. Isto representa mais de um terço da nossa equipa, principalmente em postos directamente ligados a eventos e actividades ao vivo, que não se realizarão no futuro próximo. Como uma organização que se preocupa profundamente com os seus funcionários, evitámos fazer estas mudanças enquanto as nossas finanças o permitiram. Também considerámos cuidadosamente a equidade em todas as nossas decisões.

Monday 18 July 2022

Solidariedade em acção


Nos últimos 18 meses, tenho tido o privilégio de fazer parte de uma rede internacional de profissionais de museus chamada “Solidarity in Action”. Há um ano, sou também membro do seu conselho consultivo. Juntamente com as lições ensinadas pela pandemia, esse incrível grupo de pessoas (liderado pela incansável e motivadora Bernadette Lynch) deu-me a oportunidade de aprofundar o meu pensamento e prática de solidariedade. Permitiu-me também compreender melhor a palavra na minha língua materna, a língua que mais “se sente”.

Sunday 19 June 2022

Quem tem medo da descolonização?

Humboldt Forum, Berlin (Foto: Maria Vlachou)

“Quem tem medo da descolonização?” é o título de um curso de formação que será organizado em Setembro pela NEMO – Network of European Museum Organisations, e acolhido pela UK Museums Association, SS Great Britain e Bristol Museums. Para quem não se lembra, Bristol é a cidade onde em Junho de 2020 a estátua do traficante de escravos Edward Colston foi derrubada e depois colocada em exposição (mas deitada) no M Shed Museum, o museu da cidade. Em Janeiro de 2022, um júri considerou quatro das pessoas que ajudaram a derrubar a estátua – os chamados “Colston Four” – inocentes de danos criminais.

Wednesday 18 May 2022

Vamos correr juntos? Os 40 anos do Teatro Art'Imagem

Foto: Nuno Ribeiro

Nos dias 10 a 12 de Maio participei nas Jornadas 40 Anos de Teatro: Como o teatro se desenvolveu nos últimos 40 anos em Portugal, celebrando o aniversário do Teatro Art’Imagem. No primeiro dia, assistimos ao espectáculo “Ai o Medo Que (Nós) Temos de Existir”, 117ª criação da companhia. Nos dias seguintes, tivemos a oportunidade de reflectir sobre quatro temas: 

Painel 1: Teatro e Intervenção
com Sara Barros Leitão, José Leitão, Rita Alves Miranda e José Soeiro

Painel 2: Teatro: Praxis e Academia
com Fernando Matos Oliveira (Universidade de Coimbra), António Capelo (ACE), Manuela Bronze (ESMAE), Francesca Rayner (Universidade do Minho) e Eugénia Vasques 

Painel 3: Descentralização Teatral
com Helena Santos, Jorge Baião (Centro Dramático de Évora), Rui Madeira (Companhia de Teatro de Braga), Magda Henriques (Comédias do Minho) e Américo Rodrigues (DGArtes)

Painel 4: As minorias e o Teatro
com Flávio Hamilton, Zia Soares, Marta Lança, Francesca Negro, Vanesa Sotelo e Maria João Vaz 

Coube-me a mim a responsabilidade de fazer o encerramento, partilhando as minhas reflexões no seguimento do que foi discutido ao longo dos dois dias. Partilho-as aqui:

Saturday 7 May 2022

De quem é a história para contar?

National Museum of African-American History and Culture, Washington D.C. (Photo: Justin T. Gellerson / NYT)

A primeira vez que ouvi falar de Emmet Till foi em 2017, quando o quadro “Open Casket” de Dana Schutz, exposto na Biennal do Whitney Museum, provocou uma enorme controvérsia. Emmet Till foi brutalmente assassinado, linchado, em 1955, após ter sido acusado de ter ofendido uma mulher branca na sua mercearia. Este assassinato impulsionou o Movimento dos Direitos Civis nos EUA. A mãe de Emmet, Mamie Till, pediu que o caixão permanecesse aberto durante o funeral do seu filho para as pessoas verem. As suas palavras recebem os visitantes no National Museum of African American History and Culture: “Deixem as pessoas ver o que eu vi. Penso que todas as pessoas precisam de saber o que aconteceu a Emmet Till.”

Monday 7 March 2022

Mais algumas reflexões sobre o boicote cultural

State Hermitage Museum.

Tenho estado a acompanhar intensamente as notícias sobre a invasão da Ucrânia, a pensar nas formas como poderemos contribuir e ser úteis, tanto como indivíduos, como como profissionais do sector cultural. O meu ponto de partida é que a Cultura é tudo menos apolítica e, neste contexto, um dos temas mais controversos é o do boicote cultural.

As coisas estão se movendo rapidamente. Há apenas três dias, escrevi que não tinha conhecimento de nenhuma acção formal no sentido de cancelar artistas russos apenas porque são russos ou de remover compositores russos dos programas de concertos. No entanto, no Sábado passado, li o artigo de Javier C. Hernández no The New York Times sobre a expectativa expressa por várias entidades culturais para que artistas russos “esclareçam a sua posição”; sobre o cancelamento do concerto do jovem pianista Alexander Malofeev em Vancouver “pela sua própria segurança”; ou sobre a Ópera Nacional da Polónia ter desistido de uma produção de “Boris Godunov” de Mussorgsky… Definitivamente, as coisas estão a ficar descontroladas. O próprio Malofeev escreveu no Facebook que “A verdade é que todos os russos se sentirão culpados durante décadas pela terrível e sangrenta decisão que nenhum de nós poderia influenciar e prever”. Pergunto-me se terá sido “satisfatório” o suficiente…

Friday 4 March 2022

Boicote cultural

 

Elena Kovalskaya. Screenshot do Facebook.

Há alguns dias, milhares de artistas russos assinaram uma carta aberta denunciando a invasão na Ucrânia. “Em nome da nossa comunidade profissional, é importante dizer que uma maior escalada da guerra resultará em consequências irreversíveis para os trabalhadores da cultura e das artes. O envolvimento com a cultura e as artes será quase impossível nessas condições.”

É impossível, para pessoas de ambos os lados e para muitas outras, para todos nós. É impossível no sentido de que o show can’t simply go on e não pode ser business as usual. Simplesmente não pode.

Wednesday 23 February 2022

Os hábitos culturais… das organizações culturais portuguesas

 


“Muitas pessoas sentem-se desconfortáveis ​​com o rótulo 'as artes' e associam-no apenas às artes visuais ou à 'alta cultura', como o bailado ou a ópera. (…) Ao mesmo tempo, a maioria das pessoas neste país tem vidas culturais activas e valoriza oportunidades para ser criativa.” As frases não foram retiradas da publicação do estudo da Fundação Gulbenkian sobre os hábitos culturais dos portugueses. Foram retiradas do documento do Arts Council England Let’s Create, que apresenta a sua estratégia para a década 2020-2030. No contexto português, a primeira frase soa muito familiar; o estudo português não confirma a segunda, mas poderia ser um desejo. Será…?

Thursday 10 February 2022

Ter tempo, dar tempo

 

S. Miguel, Açores (Foto: Maria Vlachou)

Há dias, li uma entrevista do realizador grego Sotiris Tsafoulias, em que dizia: “Ser artista não é uma profissão. Uma mulher que tem cinco filhos, não tem marido, limpa escadas e ainda põe uma tigela com água para um cão vadio ou olha para nós e diz ‘bom dia’, para mim, ela é uma artista. Uma pessoa não se torna artista quando pega num microfone, num pincel ou numa caneta. A forma como uma pessoa lida com a feiura, a forma como a metaboliza e a devolve como bondade ou como luz, a forma como se posiciona nos momentos sombrios da sua vida, para mim, é isto que faz de uma pessoa artista, independentemente da profissão.”