A minha intervenção hoje na conferência da NEMO - Network of European Museum Organisations. Aqui
Coro de ex-mineiros nas Minas do Lousal. Juntar-se para cantar era (e é)
importante para eles. (Foto: Maria Vlachou)
O título é uma citação do livro de Justin
O´Connor “Culture is not an industry – Reclaiming art and culture
for the common good”. Antes de entrar no assunto, vêm-me
à memória dois episódios da minha vida profissional.
Em 2016, a Acesso Cultura tomou conhecimento de um grupo de trabalho constituído no ano anterior pelo governo português para fazer face à crise dos refugiados. Neste grupo estiveram representados os seguintes sectores: Direcção-Geral dos Assuntos Europeus/Ministério dos Negócios Estrangeiros, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Instituto da Segurança Social, Instituto do Emprego e da Formação Profissional, Direcção-Geral da Saúde; Direcção-Geral da Educação e Alto Comissariado para as Migrações. A cultura não foi convidada a fazer parte. A nossa associação escreveu ao Ministério da Cultura e foi-nos dito que o grupo estava quase a completar a sua tarefa e que o Ministério iria prestar mais atenção no futuro. Mais atenção a quê…? Ninguém considerou que a Cultura tivesse alguma coisa a ver com a chegada de refugiados a um país pequeno – nem mesmo o Ministério da Cultura e talvez também alguns profissionais da cultura.
Não é fácil ler o livro de Ece Temelkuran “How to lose a country: The seven steps from democracy to dictatorship”. A escrita incisiva da jornalista turca torna-se por vezes assustadora, os seus testemunhos pesam muito no coração. Tive de fazer uma pausa de vez em quando. Todas as nossas perguntas, dúvidas, preocupações, frustrações sobre o que está a acontecer à nossa volta, estão neste livro. O que alguns de nós estamos a viver pela primeira vez já aconteceu antes e as táticas nunca foram diferentes. Não só a ascensão de Erdogan, a votação do Brexit, a eleição de Trump são colocadas sob o microscópio, mas Temelkuran tem uma visão clara de até onde precisamos de recuar para encontrar as origens de acontecimentos recentes e actuais e perceber que não fizemos/fazemos nada, embora a forma como se desenvolveram seja, nesta altura, muito previsível. Tão previsível como sete passos.
Em Novembro de 2022, o Ministro da Cultura italiano, Gennaro Sangiuliano, falou sobre a necessidade de proteger melhor as obras de arte das acções dos activistas climáticos e afirmou: “Considerando o enorme património a proteger, a intervenção representará um custo considerável para o ministério e para toda a nação. Infelizmente, só posso prever um aumento do custo do bilhete de entrada.”
A declaração pareceu-me profundamente populista (e
ridícula) na altura. Talvez não seja mais populista (ou ridícula), no entanto, do
que a declaração da National Gallery no dia 17
de Outubro:
“Após os recentes incidentes no interior do museu, é agora necessário introduzir medidas reforçadas para garantir a segurança de todos os que a visitam, do pessoal da National Gallery e da colecção de pinturas da nação.
Museu Nacional, Praga. |
Em 2021, estava em Praga a visitar o Museu Nacional. Quando apanhei o elevador para chegar à cúpula e ver a bonita cidade lá de cima, vi que havia um banco. Recordo-me de ter sido invadida por uma forte emoção ao ver este pequeno e discreto gesto de hospitalidade e amabilidade. O museu não incluiu o banco no elevador porque era obrigatório por lei. Reconheceu que nem todas as pessoas seriam capazes de permanecer em pé durante a lenta viagem até ao topo e que queria ter a certeza de que as pessoas se sentiriam confortáveis e seguras; sentir-se-iam bem-vindas. Quando o nosso desejo de abrir as portas a todos (seja lá o que “todos” possa significar) é honesto, partilhar a experiência com todas aquelas pessoas que possam estar interessadas em fazer parte, não estamos condicionados por leis. Estamos prontos para ir mais além.
Em Julho, escrevi
um artigo para o jornal Público sobre o que se tornou numa
situação extrema de proibição de livros nas bibliotecas escolares e públicas
dos Estados Unidos. Escrevi na altura que os livros contestados tratam
normalmente de questões LGBTQI+, raça e racismo, escravatura, genocídio de
povos indígenas, religião. Existem também inúmeras exigências para que os
livros sobre a puberdade sejam transferidos da secção juvenil para a secção de
adultos... Situações semelhantes estão a ocorrer no Brasil e noutros países,
sendo mais ou menos noticiadas pelos meios de comunicação mainstream.
Um relatório recente sobre a situação nos EUA, publicado pela Knight Foundation, mostrou alguns resultados muito relevantes: 78% das pessoas confiam nas suas escolas públicas para selecionar materiais apropriados; revelou também que “a maioria dos americanos se sente informada sobre os esforços para proibir livros nas escolas, mas apenas 3% dos inquiridos disseram que se envolveram pessoalmente na questão - com 2% a envolverem-se no sentido de defender o acesso aos livros e 1% a procurar restringir o acesso.” (ler mais). O que é que isto nos diz? Muitas pessoas estão informadas sobre o assunto, algumas, poucas, envolvem-se na defesa da liberdade de ler num país democrático, enquanto uma minoria vocal, muitas vezes violenta, tem permissão para decidir o que os outros podem ler e onde. Soa familiar?