Monday 26 July 2010

Reinventar o museu

Reinventing the Museum: Historical and contemporary perspectives on the paradigm shift é um livro editado por Gail Anderson, uma compilação de artigos escritos por pessoas que, com a sua visão, influenciaram todo o pensamento à volta da raison-d´-être dos museus no século XX. Está dividido em cinco partes:

I. The role of the museum: The challenge to remain relevant
II. The role of the public: The need to understand the visitor perspective
III. The role of the public service: The evolution of exhibitions and programs
IV. The role of the object: The obligation of stewardship and cultural responsibility
V. The role of leadership: The essential ingredient

John Cotton Dana, fundador do Museu de Newark, em New Jersey (Nova Iorque), faz a introdução, à primeira parte, com um artigo intitulado The Gloom of the Museum (1917). Com muito sentido de humor e muita clareza, com o seu espírito revolucionário e visionário, desafiava os seus contemporâneos, profissionais de museus, assim como nos desafia a nós hoje, a levarem a mensagem dos museus a públicos mais alargados e a prestarem serviço a toda a comunidade e não apenas a uma elite, tornando-os acessíveis e relevantes. Segue-se Theodore Low, com o artigo What is a Museum? (1942), onde defende o papel educativo dos museus e, tal como alguns de nós hoje, lembra que esses têm que desempenhar todas as funções que lhes são inerentes e não subordinar as relacionadas com a comunicação e o público às de coleccionar e preservar. Daqui passamos para o artigo de Alma Wittlin A Twelve Point Program for Museum Renewal (1970), que introduz a noção da comunicação, como algo mais amplo que a educação. Apela para um moratorium na expansão dos edifícios e na aquisição de equipamentos até se perceber melhor que benefícios para as pessoas derivam dBoldaquilo que se passa nos museus ou daquilo que podia ou devia passar-se neles. Na mesma altura, Duncan F. Cameron escrevia The Museum, a Temple or the Fórum?, defendendo que os museus não podem ser apenas locais de veneração e culto, mas também espaços onde o público se encontra para debater a actualidade, espaços de experimentação e de inovação, espaços que possam acolher a controvérsia. Em 1990, Stephen Weil, no seu artigo Rethinking the Museum: An Emerging New Paradigm, pensa sobre as tradicionais cinco funções do museu e define e identifica uma mudança de paradigma, onde o museu passa de coleccionador para educador, ao serviço do público. Os três artigos seguintes (Museums in the Age of Deconstruction; The Real Multiculturalism: A Struggle for Authority and Power; “Hey! That´s Mine”: Thoughts on Pluralism and American Museums), todos escritos em 1992, reflectem sobre as questões de pluralismo, igualdade, etnicidade, multiculturalismo, à medida que vários grupos e comunidades considerados minoritários reclamam o direito de se verem representados e de participar na construção das narrativas apresentadas pelos museus. A primeira parte do livro acaba com o artigo de Harold Skramstad An Agenda for Museums in the Twenty-first Century, escrito em 1999, onde define novos modelos para o museu do século XXI: o museu como um novo modelo educacional, como um modelo de instituição comunitária e como um designer e fornecedor de experiências.

A segunda parte, que reflecte sobre o papel do público e a necessidade de entender a perspectiva do visitante, reúne alguns dos artigos que mais marcaram o pensamento museológico relacionado com esta temática, tais como The Contextual Model of Learning, de John Falk e Lynn Dierking (2000) ou o famoso artigo de Marilyn Hood (1983) Staying Away: Why People Choose not to Visit Museums. Ambos reflectem sobre as motivações e necessidades tanto dos visitantes (frequentes e ocasionais) como dos não visitantes, procurando ajudar os museus a adaptar a sua oferta às essas necessidades e a encontrar formas de corresponder às expectativas. Encontramos ainda aqui o artigo de Claudine K. Brown The Museum´s Role in a Multicultural Society, que procura identificar as várias comunidades servidas pelos museus, desassociando, no entanto, o termo ‘comunidade’ do factor ‘etnicidade’, factor que considera menos relevante na construção da oferta dos museus. Afirmando, e com razão, que os programas especialmente dirigidos a grupos étnicos têm resultados curtos e pontuais, propõe que esses mesmos grupos étnicos sejam vistos na sua relação com as comunidades em que se inserem, ou seja, a família, os vizinhos, os colegas de escola ou de trabalho. A segunda parte integra ainda dois artigos relacionados com os estudos de público e o marketing, áreas directamente relacionadas com a questão dos públicos, são eles: United States: A Science in the Making, de C.G. Screven (1993) e Can Museums be All Things to All People? Missions, Goals and Marketing Role, de Neil Kotler e Philip Kotler (2000).

A terceira parte do livro centra-se na questão do serviço público e apresenta a evolução na produção de exposições e programas educativos com o objectivo de poder estabelecer o diálogo com os vários públicos que o museu pretende servir. Exemplos destas tentativas que mudaram a forma como são feitas as exposições encontramos no primeiro artigo desta parte, Museum Exhibitions and the Dynamics of Dialogue (1999), de Kathleen McLean. Em Changing Practices of Interpretation (1997), Lisa C. Roberts apresenta o desenvolvimento das técnicas de interpretação, que reconhecem agora que existe mais que uma versão duma narrativa e promovem o envolvimento de agentes exteriores ao museu, como as pessoas que constituem a comunidade em que o mesmo está integrado, com as quais pretende comunicar e cuja história pretende contar. Lois Silverman, no seu artigo Making Meaning Together: Lessons from the Field of American History (1993), apresenta um factor que influenciou profundamente a criação de exposições, a forma muito individual e pessoal, baseada em conhecimentos e experiências anteriores, como cada pessoa vive e encontra significado numa exposição. Mary Ellen Munlay, em Is There Method in Our Madness: Improvisation in the Practice of Museum Education (1999), fala da necessidade em acompanhar as evoluções no perfil das pessoas que visitam os museus e em perceber aquilo que uma visita significa para elas, de modo a desenvolver programas educativos que informam, que promovem o diálogo e a participação, que questionam a actualidade, que sabem provocar. Um exemplo é a exposição Mining the Museum, uma instalação do artista Fred Wilson, que veio questionar o próprio conceito do museu, e que é apresentada por Lisa G. Gorin em Mining the Museum: An Installation Confronting History (1993). A terceira parte conclui-se com o artigo Evaluating the Ethics and Consciences of Museums (1994), onde Robert Sullivan reflecte sobre a perpetuação de estereótipos e a discriminação.

Considerando que as colecções, ou os objectos que as compõem, são o núcleo duro à volta do qual se desenvolve toda a acção dos museus, a quarta parte deste livro vem reflectir sobre o papel do objecto. O artigo que abre esta secção, What Is the Object of This Exercise: A Meandering Exploration of the Many Meanings of Objects in Museums (1999), de Elaine Heumann Gurian, é aquilo que o título diz: uma exploração interessantíssima da forma como o conceito de ‘objecto’, e consequentemente o conceito de museu, se alterou nas últimas décadas. Nos artigos que se seguem (Collecting then, Collecting Today; Collection Planning: Pinning Down a Strategy; Who Cares? Conservation in a Contemporary Context; Deaccessioning: the American Perspective), são discutidas questões relacionadas com a gestão de colecções, a conservação e o ‘deaccessioning’, ou seja, a decisão de retirar objectos que pertenciam a uma colecção para serem entregues a outros museus, vendidos ou destruídos. São de particular interesse dois artigos que integram esta parte e que reflectem sobre questões de propriedade cultural, direitos, responsabilidades, o comércio ilícito, a relação com os países ou comunidades de origem, são eles: A Philosophical Perspective on the Ethics and Resolution of Cultural Property Issues (1999), de Karen J. Warren, e Deft Deliberations (1991), de Dan L. Monroe e Walter Echo-Hawk.

A quinta parte do livro é dedicada ao papel da liderança. Conforme afirma a editora Gail Anderson na introdução, “As melhores intenções, as exposições mais inovadoras, a mais cobiçada obra de arte não podem sozinhos fazer a diferença no futuro dos museus – é a visão e a qualidade da liderança que fará a diferença.” Stephen E. Weil abre esta secção com uma reflexão sobre a obrigação de prestar contas à sociedade e demonstrar o impacto dos museus na vida das pessoas, num artigo intitulado Creampuffs and Hardball: Are you Really Worth What You Cost or Just Merely Worthwhile? (1994). O mesmo autor, juntamente com Earl Cheit, apresentam-nos em The Well-Managed Museum (1989) uma lista de atributos do museu bem-gerido. Seguem-se três artigos que discutem questões de leis, regras, ética e acreditação (Museum Accountability: Laws, Rules, Ethics and Accreditation) e de governança (Toward a New Governance e Institution-wide Change in Museums). A secção encerra com Persistent Paradoxes (1997), de Robert Jones, um artigo que pretende provocar a reflexão sobre os valores representados pelos museus ‘tradicionais’ e a necessidade de os museus acompanharem e adaptarem-se às novas realidades, para se manterem relevantes e conseguirem sobreviver.

Reinventing the Museum é um livro estimulante e, em alguns casos, surpreendente. Os artigos nele incluídos representam um século no desenvolvimento do pensamento sobre o papel dos museus e servem para contextualizar muitas das acções, iniciativas, decisões e discussões relacionadas com eles. Uma sugestão de leitura para todos aqueles que pretendem elaborar verdadeiros planos estratégicos.

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