Thursday 16 December 2010

Blogger convidado: Do acesso à cultura, por Cecília Folgado

Nos últimos dias o acesso à cultura e a consagração universal dos direitos culturais estão no centro do discurso de todo o sector cultural. Pessoalmente, não me regozijo com a centralidade do tema. Confesso que me enerva e me leva a pedir tempo de antena em blogue emprestado.

O nervoso surge da minha experiência pessoal e claro que os que me conhecem já sabem que cresci numa cidade (capital de distrito) sem cinema, sem biblioteca e com a actividade cultural centrada no grupo de teatro local, no seu festival internacional e nas festas da cidade. Havia também, e claro, a televisão, onde se ia descobrindo coisas, filmes, músicas.

Saí dessa cidade em 1993 e, 17 anos e um CAE depois (resultado da rede de cine-teatros imaginada pelo ministro Carrilho), a diferença não é grande. É certo que há mais oferta, que há espectáculos, há até um festival de jazz. E há um museu novo. O cinema continua a ser residual bem como outras formas de expressão cultural e artística. Ainda há, claro, a televisão, a que hoje se adiciona a internet (que dá a ilusão de estarmos no centro de tudo e de termos acesso a tudo).

Nos últimos tempos, a centralidade do tema do acesso à cultura e a sua reivindicação faz-se no contexto do corte de 23% sofrido pelas estruturas apoiadas quadrienalmente pelo MC (corte esse, na verdade, sofrido por todas as estruturas apoiadas). Ora, a bem da honestidade, o que se está a reivindicar não é o acesso à cultura, o que está em causa é exclusivamente o acesso aos meios financeiros necessários por parte de uma parcela do sector cultural: os criadores e as suas estruturas. (Uma parcela central, mas ainda assim uma parcela, porque nem só de criação ou de criadores se faz a cultura).

O financiamento estatal é necessário, é certo, ainda que a medida, a forma e a oportunidade do mesmo devesse ser com urgência e seriedade pensada; mas há que ser distanciado do direito ao acesso à cultura. Este último maior, mais largo e mais fundamental que qualquer sistema de financiamento.

O acesso à cultura implica que todos tenhamos as mesmas oportunidades, tenhamos nascido em Portalegre ou na Cova da Moura, andemos ou não de cadeira de rodas, saibamos ou não ler e escrever. É este acesso que a UN consagra: o acesso que permita a igualdade e a não exclusão. Este acesso, efectivamente reconhecido e garantido, só será efectivado se nos dermos ao trabalho (nós, o sector cultural) de pensarmos uma política cultural consistente, inteira, para o futuro, uma política que fortaleça o tecido cultural, nas áreas de expressão, de criação, mas também e muito fundamentalmente no território; só será efectivado quando percebermos que o financiamento é um investimento e que deverá ir além da criação, que deverá ir além da produção;

É certo que em tempo de crise e em tempo de cortes o susto e o medo são grandes: o sector é frágil e é órfão (6 ‘adopções’ em 11 anos), a dependência (fomentada pelo Estado) imensa. Mas, como já se escreveu noutros textos e noutros blogues, talvez este seja tempo de oportunidades. Melhor será que o tempo e a energia gastos a reivindicar os milhares que não existem se use para olhar para cada um de nós, cada agente, cada estrutura, cada área de expressão e para tentar perceber de que modo podemos trabalhar melhor, mais eficientemente; trabalhar mais eficientemente não para ‘lucrar’ ou para nos tornarmos ‘mercadores’ da cultura e sim, para que o sector e a cultura não sucumbam a cada mudança ministerial ou a cada crise económico-financeira, e sim para que garantamos o acesso efectivo e de todos à cultura.

CECÍLIA FOLGADO Formada em Gestão de Marketing pelo IPAM - Matosinhos e em Arts Management (MA) pela City University - Londres. Nas áreas da Gestão Marketing e da Produção Cultural trabalhou com o Núcleo de Experimentação Coreográfica (NEC), Companhia Instável, Fundação Narciso Ferreira de Riba de Ave (2000-2003), Henri Oguike Dance Company e Akram Khan Company, (Londres, 2003-2006). Em 2007 fez parte da equipa de produção do Fórum Cultural o Estado do Mundo (Fundação Calouste Gulbenkian). É, desde Julho de 2007, Adjunta da Direcção de Comunicação do São Luiz Teatro Municipal. Dedica-se ainda ao estudo das Cidades Criativas e do desenvolvimento sustentável por via do planeamento cultural, áreas em que desenvolveu tese académica, e à formação em Comunicação e Marketing (Setepés) e em Gestão Cultural (Escola Superior de Teatro e Cinema - IPL).

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