Monday 18 July 2011

Do planeamento - Terceira semana no Kennedy Center

Michael Kaiser (Foto: Raphael Khisa)
Michael Kaiser, Presidente do Kennedy Center, não tem medo de sonhar alto. Porque sabe planear os seus sonhos. Michael Kaiser sonha com cinco anos de antecedência. Pensa nas coisas que gostaria de ver apresentadas no Kennedy Center e, juntamente com toda a equipa, põe-se a trabalhar para as ver concretizadas.

Um dos maiores esforços que a equipa do Kennedy Center tem que desenvolver é angariar os fundos necessários para a concretização dos sonhos. O Estado não é aqui um factor a considerar. Sendo o Kennedy Center o memorial do Presidente John Kennedy, o Governo Federal assume os custos da sua manutenção e segurança. O dinheiro para a programação e os custos operacionais tem que ser gerado, através da angariação de fundos (pela qual é responsável o departamento de development) e das receitas da bilheteira e de outros serviços providenciados pelo Centro (pelas quais é responsável o departamento de marketing). O orçamento anual do Kennedy Center ascende aos $150.000.000, dos quais $75.000.000 são angariados pelo departamento de development.

As instituições culturais não são um negócio como outros. Não só por não terem fins lucrativos, mas, sobretudo, porque não se tornam mais ‘produtivas’ de ano para ano da forma como o termo é entendido noutros meios. Os custos aumentam constantemente. Uma determinada peça de teatro não é hoje em dia apresentada com menos intérpretes do que há 100 anos atrás. Uma peça sinfónica não pode hoje ser tocada com menos músicos do que há 200 anos. O número de intervenientes mantém-se, os custos de produção aumentam. No que diz respeito às receitas, por outro lado, e sendo a fonte principal a venda de bilhetes, também a situação se mantém fixa. Uma sala com 500 lugares, terá o mesmo número de lugares amanhã, depois de amanhã, no próximo ano. Não podemos alargar uma sala para receber mais espectadores e gerar mais dinheiro, e, de qualquer forma, no nosso género de negócio, o preço dos bilhetes nunca poderia ascender ao valor que permitiria recuperar os custos de produção. Portanto, deste ponto de vista, a cultura não é um negócio rentável. Para continuarmos a fazer o que estamos a fazer, é preciso reduzirmos a distância entre despesas e receitas, que está sempre a crescer. É por isso que as instituições culturais precisam de apoio financeiro. Onde é que se vai buscar?

Uma das coisas que se tornam óbvias é que não é inteligente da parte de uma instituição cultural depender apenas de uma fonte de financiamento. Se, por qualquer razão, essa fonte desaparecer ou enfraquecer, o futuro da instituição é posto em causa. É uma necessidade e uma obrigação procurar múltiplas fontes de financiamento, capazes de garantir a sustentabilidade. Os resultados da dependência quase exclusiva do Estado são sentidos por muitas instituições culturais em vários países. O apoio financeiro por parte das empresas também já teve melhores dias. Não só devido à crise financeira, mas também porque os interesses e as prioridades do mundo corporativo mudam e não se pode garantir uma relação permanente ou eterna. O que pode, no entanto, ganhar um carácter permanente é a relação com os indivíduos, mais ou menos endinheirados, que abraçam a nossa missão, partilham a nossa visão, querem fazer parte da nossa família. Sem negligenciar ou desvalorizar a relação com empresas e fundações, o Kennedy Center aposta em grande na desenvolvimento da sua relação com indivíduos (ver post anterior).

Conforme Michael Kaiser explicou num seminário profundamente inspirador que deu na semana passada, um plano não é uma wishlist. Um plano são acções e medidas concretas para os sonhos se tornarem realidade. O planeamento antecipado apresenta aqui várias vantagens: dá tempo suficiente ao Kennedy Center para estimular o interesse e entusiasmo de pessoas e entidades que poderão contribuir financeiramente; permite negociar melhor com eventuais parceiros, uma vez que existe um vasto leque de ‘sonhos’, alguns dos quais poderão ser mais relevantes para eles que outros; permite organizar e produzir tudo com tempo e calma. O pessoal no Kennedy Center anda sempre muito atarefado, mas não anda desesperado nem desorientado.

Para além dos seminários com o pessoal do Kennedy Center, tivemos a oportunidade de ouvir duas senhoras muito inspiradoras: Sandra Gibson, que foi Presidente da Association of Performing Arts Presenters e que falou dos desafios que o sector cultural enfrenta actualmente (independentemente do país, mas é óbvio que alguns países estão mais atentos às mudanças que outros); e Julie Simpson, Directora Executiva de Urban Gateways, uma das referências na área da educação pela arte nos EUA.

Os projectos dos fellows apresentados na semana passada vinham de quatro continentes e foram bastante diversos:

Archa Theatre (República Checa)
Kwani Trust (Quénia)
Eifman Ballet (Rússia)
Evam (Índia)
ARS DOR Association (Moldávia)

Word becomes flesh, por The Living Word Project (Foto: mv)
Sexta-feira à noite, os fellows conheceram um espaço muito especial na cena cultural de Washington. Dance Place foi fundado há trinta anos e, para além de espectáculos todos os fins-de-semana, oferece aulas de dança e vários programas educativos. Assistimos a Word becomes flesh, integrado no Hip-Hop Theatre Festival de Washington, que celebra este ano a sua 10ª edição. O Kennedy Center é parceiro do Festival.

2nd Annual DC African Festival (Foto: mv)
O programa ‘extracurricular’ de fim-de-semana incluiu a segunda edição do Annual DC African Festival, organizado pelo Município (Gabinete de Assuntos Africanos) com o objectivo este ano de celebrar o contributo cultural e económico de África no Distrito de Columbia; a Corcoran Art Gallery, que apresenta neste momento a exposição Washington Colour and Light - que reúne artistas da Washington Colour School -, assim como a exposição Renunciation do fotógrafo Mads Gamdrup, cujos trabalhos exploram o deserto como um “lugar de promessas inesperadas”; as galerias Freer e Sackler de arte asiática, onde está neste momento patente a exposição Family Matters, que apresenta dezasseis retratos de membros da dinastia Qing; e o regresso ao National Museum of African Art para ver mais uma vez o extraordinário vídeo sobre o artista senagalês Ousmane Sow.

E assim entramos na quarta e última semana do estágio. Quarta-feira, dia 20, o Kennedy Center e o DeVos Institute for Arts Management organizam um debate com todos os fellows e treze directores executivos de instituições culturais de Nova Iorque sobre o tema The International Context: The Changing Role of Governments in Arts Funding and Advances in Audience Outreach and Development. A lotação está esgotada.


Agradecimento: Faisal Kiwewa

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