Há umas semanas, no meu post Sobre o nosso valor público, mencionei que Rebecca Lamoin, fellow no Kennedy Center e Directora Associada no Queensland Performing Arts Centre, estava a organizar um fórum de dois dias sobre o valor público das instituições culturais. Durante a preparação deste projecto, Rebecca fez a vários gestores culturais três perguntas cruciais: “Qual é a coisa mais importante que a sua organização fornece à sua comunidade? Porque é que a sua comunidade gosta da sua organização? De que é que as pessoas na sua cidade sentiriam falta se a sua organização deixasse de existir?”. Conforme prometido, Rebecca dá-nos agora feedback sobre o fórum. Não nos podemos esquecer que este é só o início do projecto, teremos, portanto, curiosidade em saber do seu desenvolvimento nos próximos meses e do resultado final. Por isso, tenho a certeza que voltaremos a ter notícias da Rebecca. mv
Na introdução do livro On Kissing, Tickling and Being Bored, Adam Phillips refere-se à psicanálise como uma história, ou uma forma de contar histórias, que faz as pessoas sentirem-se melhor. Ao fazer esta afirmação, Phillips demonstra as suas capacidades tanto como psicoterapêuta como também como mestre louvado da língua. Lembra-nos que um dos principais objectivos de contar histórias é fazer as pessoas sentirem-se melhor – com elas próprias, com os outros e com o mundo. De repente, apercebo-me que esta é também uma das principais ambições da arte.
Como gestores culturais, também nós procuramos histórias como uma forma de projectar uma luz ou uma sombra diferente sobre pessoas, lugares e ideias. Ao desenvolver recentemente um projecto, apercebi-me que a capacidade de criar uma narrativa sólida e cativante é-nos solicitada não apenas na curadoria de programas para os nossos públicos, mas também na comunicação do fim principal das organizações para as quais trabalhamos.
O projecto do valor público
O projecto do valor público, apesar de lhe faltar um título poético, pretende, mesmo assim, iluminar os pontos importantes numa narrativa sobre um grande centro de artes performativas e a sua interligação com as comunidades que está a servir.
O Queensland Performing Arts Centre (QPAC) é uma das principais instituições culturais da Austrália e ao longo dos seus 27 anos de história tem servido as pessoas de Queensland, o segundo maior estado do país. O QPAC atraiu no último ano mais de um milhão de visitantes e apresentou mais de 1400 espectáculos, desde comédia à dança, música, musicais, teatro, entre outros. Tem estabilidade financeira e está a crescer em termos de reputação e capacidade. É um centro de grande sucesso, de todos os pontos de vista. Ao perguntarmos a nós próprios “E agora, o que é que se segue?”, e sabendo que crescimento não significa simplesmente expansão, olhámos colectivamente para trás para reflectirmos sobre a nossa missão, o nosso propósito principal. O que é que queremos ser exactamente, qual é a história, a narrativa mais abrangente do nosso Centro?
Construímos um projecto que se desenvolverá ao longo de um ano com o principal objectivo de moldar uma história partilhada sobre aqueles aspectos do nosso trabalho que nos distinguem pelo que conseguimos fazer no passado e que definem a próxima década. Temo-nos apoiado muito no trabalho de um líder na área da gestão pública, Mark H. Moore, Professor na Universidade de Harvard. O seu livro seminal Creating Public Value: Strategic Management in Government teve, em meados dos anos 90, um grande impacto sobre o discurso de políticas públicas em todo o mundo. O seu conceito de ‘público’ é simultaneamente simples e complexo e não lhe faço justiça ao tentar resumi-lo aqui, mas tento na mesma: as empresas privadas existem para criar valor para os accionistas, as organizações públicas existem para criar valor público. As nuances aparecem quando surgem questões sobre o que é que constitui valor público e quem é que decide o que é. Moore propõe essencialmente que as organizações públicas criam valor quando cumprem as ambições sociais integradas nas suas missões.
Professor Mark H. Moore
Na semana passada, o QPAC teve a sorte de receber o Prof. Mark Moore que durante dois dias debateu connosco o que é este conceito significa para um centro de artes performativas público. Este não é território desconhecido para o Professor. Dedicou vários anos a um trabalho encomendado pela Arts Midwest e a Wallace Foundation que estudou a forma como 13 organizações culturais públicas nos EUA criaram valor público (ver aqui)
O Professor Moore fez uma comunicação pública, participou numa discussão na rádio a nível nacional e moderou workshops com membros do nosso Conselho Consultivo e com os nossos funcionários que procuraram proporcionar uma introdução às questões e às práticas relacionadas com o valor público e também apoiar o QPAC a seguir em frente. Pormenores das suas sessões podem ser encontrados aqui.
Valor público, uma introdução. Conferência aberta ao público. (Foto: QPAC) |
Resultados
Mais de 400 pessoas apareceram para ouvir o prof. Moore. Representantes do governo, do mundo empresarial, do sector da educação, das organizações sem fins lucrativos e de grandes e pequenas instituições culturais. O QPAC quis partilhar a presença deste grande pensador durante a sua breve estadia connosco. Para o resto da cidade, foi uma oportunidade para dar voz e espaço a um assunto que é claramente actual, relevante e que talvez ofereça uma forma de explorar as complexidades da liderança pública contemporânea.
Durante o tempo que passou com o Conselho Consultivo e os funcionários do QPAC, as questões colocadas pelo Prof. Moore foram ao mesmo tempo provocadoras e reconfortantes. Desafiou-nos a considerar o que somos, o que é que aqueles que nos dão autoridade querem que nós sejamos e o que temos a capacidade de fornecer. Como instituição cultural, considerámos o território entre os nossos feitos – excelentes programas, grandes audiências e sucesso financeiro – e a conquista genuína em criar uma cidadania melhor e mais envolvida através da arte.
O que é que se segue?
O projecto de valor público do QPAC continua nos próximos meses com uma discussão mais aprofundada na própria organização, mas que se expandirá para incluir um diálogo rico com os nossos parceiros, colegas e comunidades. A nossa reflexão e aprendizagem será integrada no nosso próximo ciclo de planeamento e será, com certeza, evidente, em tudo o que fizermos ao seguirmos em frente.
Na próxima fase do projecto enfrentamos o desafio de definir exactamente que género de valor procuramos criar e, claro, o desafio inevitável de como vamos medi-lo. É um desafio que estamos prontos a abraçar.
As grandes instituições, criadas para servir o público, beneficiam quase sempre de momentos de reflexão honesta, resultado de um desejo genuíno de serem melhores no que fazem. Se principalmente facilitamos as formas como as pessoas partilham histórias, então talvez o resultado mais significativo da visita do prof. Moore e do nosso trabalho tenha sido que nós também iremos encontrar novas formas, a nossa própria forma para contar a história de como trabalhamos com as comunidades que servimos para criar valor público através da arte.
Rebecca Lamoin é Directora Associada de Estratégia no Queensland Performing Arts Centre em Brisbane, Austrália. Trabalhou em pequenas e grandes organizações culturais, tendo assumido vários papéis relacionados com múltiplas formas artísticas, incluindo as artes performativas, as artes visuais, a literatura e os festivais. É licenciada em jornalismo e Mestre em Políticas Culturais. É Fellow do DeVos Institute of Arts Management no Kennedy Center for the Performing Arts em Washington.
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