Foto retirada de Culture 24 (© Cedida pela Wallace Collection) |
Em 2003, a Royal Academy teve uma exposição sobre os Astecas. River, uma criança de dois anos, exclamou “Monstro! Monstro!” quando viu a estátua do Homem Águia. O segurança pediu imediatamente à família da criança para sair, considerando que a criança se estava a portar mal. A mãe, Dea Birkett, era jornalista e alguns dias depois escrevia um artigo para o Guardian intitulado Travelling with kids, questionando: “Se restringirmos a sua atracção não filtrada pela arte quando são crianças, como é que podemos exigir que a apreciem quando têm 20 anos? Espero que os meus filhos não se portem mal. Mas gritar de alegria ao ver uma estátua não me parece ser algo reprovável. Ter-me-ia sentido muito mais perturbada se não tiveste reagido de todo. Mas talvez vocês tenham estado nos Astecas também e tenham ficado contentes quando a criança que fazia barulho se foi embora. Talvez eu tenha passado demasiado tempo entre crianças a gritar para perceber o quanto podem ser irritantes? O que acham? O River deveria ficar ou sair…?”. O incidente tinha sido amplamente discutido naquela altura e Dea Birkett fundou Kids in Museums, uma associação que procura tornar os museus mais acolhedores para crianças e famílias. Kids in Museums acaba de celebrar o seu décimo aniversário na… Royal Academy! A responsável pelo serviço educativo do museu. Beth Schneider, aproveitou a oportunidade e escreveu um longo artigo para o Guardian descrevendo todos os passos dados nos últimos dez anos no sentido de tornar o museu mais acolhedor para as famílias e especialmente para visitantes mais novos.
A Tate Modern esteve sob fogo por não pôr fim ao patrocínio da BP depois do desastre
ambiental no Golfo do México em 2010 (leiam aqui e aqui).
Iniciativas como Liberate Tate, Art not Oil e Platform não deixaram este assunto ficar esquecido, não só em relação à Tate, mas a
todas as instituições culturais britânicas patrocinadas pela petrolífera, entre
elas a National Portrait Gallery, a Royal Opera House e o British Museum. No ano
passado, estas instituições renovaram os seus acordos de patrocínio,
considerando que o apoio da BP para a cultura e as artes tem sido consistente e
substancial e não há razão para ser renunciado devido a apenas um incidente
grave. Mesmo assim, o British Museum demonstrou uma grande abertura à crítica e
abriu o seu próprio espaço para esse efeito. Em Novembro passado, teve lugar na
Great Court do Museu uma flashmob teatral, organizada pela Reclaim Shakespeare
Company, um protesto contra o patrocínio da BP à exposição de Shakespeare,
patente no museu. Um assessor de imprensa do museu reafirmou a gratidão da
instituição pelo compromisso continuado da BP e, ao mesmo tempo, reconheceu o
direito da Reclaim Shakespeare Company´s de protestar, afirmando não haver
rancor (ler aqui).
Quando o teatro Woolly Mammoth anunciou
a reposição da peça de Mike Daisey The Agony and the Ecstasy of Steve Jobs,
foi severamente criticado por muitos. O monólogo lidava com e denunciava as práticas corporativas da Apple e da
Foxconn, o fornecedor da Apple na China, mas algum tempo depois da estreia,
Mike Daisey foi acusado de ter fabricado alguns factos. Admitiu a sua culpa,
pediu desculpa publicamente e retirou da peça todos os pontos
contestados. O Woolly Mammoth permaneceu firme na sua decisão de repor a peça e
na sua colaboração de longa data com Mike Daisey. No entanto, em vez de ignorar
a controvérsia, na verdade usou-a para promover o espectáculo como “a peça mais
notória e controversa da década”. Promoveu um diálogo muito saudável tanto com
os opositores como com os apoiantes da decisão na sua página no Facebook e
chegou a alimentar a conversa publicando críticas negativas dos jornais. No
último dia da carreira do espectáculo, o co-fundador da Apple Steve Wozniac,
que não escapou à crítica de Mike Daisey na peça, esteve no teatro para uma
conversa após o espectáculo com o autor e o público.
Mike Daisey em The Agony and Ecstasy of Steve Jobs (Foto: Sara Krulwich/The New York Times) |
Qual o fio condutor destas três histórias? As instituições
culturais envolvidas não esconderam a cabeça na areia, não fingiram não
reparar, não ignoraram as vozes das pessoas. As pessoas foram ouvidas. Não no
sentido de “o cliente tem sempre razão”. Na verdade, em dois dos três casos
aqui apresentados não houve mudança na decisão. Mas entendeu-se que havia um outro lado, pessoas com convicções,
expectativas e necessidades. Não estão aqui para nos adorar incondicionalmente
– ‘nós’, instituições culturais. Estão aqui para nos questionar, para nos
criticar, para exigir e também para nos guiar. Porque se preocupam. E porque
nós nos preocupamos também, não nos escondemos. Entramos
no diálogo, promovemo-lo, alimentamo-lo. Convidamo-los a envolver-se no que fazemos. Tornamo-nos
parte da sua vida. E ganhamos o seu apoio.
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