No verão passado ouvimos no Kennedy Center a história de Fanny Mikey, uma actriz colombiana, nascida na Argentina, que era uma daquelas pessoas que podem mover montanhas para conseguirem aquilo que querem. E uma das coisas que ela queria era promover as artes na Colómbia. Uma das suas maiores conquistas foi a criação e organização do Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá. Fanny Mikey morreu em 2008, mas as pessoas que com ela trabalharam estão determinadas em continuar a fazer acontecer o maior festival de teatro do mundo. O nosso colega Gustavo Gordillo é o director criativo e aceitou partilhar connosco a sua reflexão sobre o festival que tem mudado o cenário cultural e social da Colómbia. mv
Sara Says, Teatro Petra, Colómbia (Foto: Juan Antonio Monsalve) |
Qual é a primeira coisa que vos vem à cabeça quando ouvem falar da Colómbia? Se ainda pensam na violência ou no cartéis de tráfico de drogas, deveriam reconsiderar. A verdade é que nos últimos dez anos o país tem feito uma viragem e é hoje considerado um dos quatro países no mundo com maior desenvolvimento económico, sendo ainda um país com uma economia muito estável. Aqueles tempos difíceis, quando todos pensavam que os Colombianos eram uma ameaça para a sociedade e que nada iria mudar no país, foram deixados para trás. Mesmo assim, há muito ainda por fazer.
A Colómbia, um país com uma localização estratégica no sul do continente americano, tem reduzido os seus principais problemas sociais e tem começado a mostrar grandes avanços em campos artísticos como o cinema, a música, a literatura, o design, a tecnologia e o teatro.
Bogotá, a capital, com 9 milhões de habitantes, é o sítio onde a maioria destas mudanças têm sido implementadas. Tem desenvolvido uma cultura social (dantes praticamente inexistente) e as atitudes dos seus cidadãos estão num processo constante de transformação. Um reflexo deste processo é, talvez, a mais importante instituição cultural dos últimos tempos: o Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá.
E não é de admirar, uma vez que desde a sua concepção, há 28 anos, houve 13 edições. Foram convidadas mais de 2.000 companhias de teatro de 60 países; aproximadamente 3 milhões de pessoas frequentaram todos os anos os teatros e assistiram a eventos de rua na capital, e foram envolvidos aproximadamente 7000 espaços. As actividades educativas foram frequentadas por 20.000 estudantes e quase 30.000 artistas pisaram os palcos dos teatros da cidade. Foi preciso muito esforço e trabalho para se chegar a estes números. A fundadora do festival inventou este evento cultural numa cidade localizada a uma altitude de 2600 metros, uma cidade recordada por ser fria e chata, que não tinha nada para celebrar.
Fanny Mikey, a fundadora e directora do festival, conseguiu mudar a opinião das pessoas, tirando-as das suas casas numa altura difícil para a cidade e para o país, onde a violência, o medo e a impunidade reinavam nas ruas. Desde o primeiro festival, a violência ameaçou a sua existência quando uma bomba explodiu num dos mais importantes teatros. O incidente ocorreu em 1099, na altura mais trágica e difícil da história recente da Colómbia. Sem vítimas mortais, mas com muito medo, era esperado que o festival fechasse as suas portas, mas o público reagiu enfrentando o medo, opondo-se à ilegalidade e assistindo em massa aos eventos. A cultura surgiu como a arma certa para confrontar o flagelo da violência… e o festival continuou.
Desfile inaugural (Foto: Juan Antonio Monsalve) |
O público de Bogotá abraçou o festival como se fosse sua propriedade e, desde aquela altura até hoje, as pessoas esperam com ansiedade pela edição seguinte, realizada de dois em dois anos, e assistem em massa aos vários espectáculos, celebrando com diferentes artistas de todo o mundo o maior festival de artes performativas.
O Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá tonrnou-se no maior festival do mundo. Artistas e encenadores vêm de todos os cantos, como se chegassem a um oásis cultural, onde os espera um público ansioso para conhecer outras culturas. O festival tornou-se num palco prestigiante para actores e encenadores, que voltam e continuam a participar sem interrupções. É por isso que hoje, depois de 13 edições, o sentido de orgulho dos habitantes da cidade neste evento permanece intacto.
O festival apresenta programação para toda a família e pensa também em todos os sectores da população. Começa com um enorme desfile, onde o público da cidade dá as boas-vindas aos países que participam, e que se realiza na avenida principal da cidade e que acaba na praça central. Ali, um concerto dá as boas-vindas a mais de 40.000 participantes, no primeiro evento de entrada livre. Depois disso e durante 17 dias, os 40 teatros mais representativos da capital apresentam produções de todos os continentes. Ao mesmo tempo, o melhor do teatro de rua é apresentado gratuitamente em parques, ruas movimentadas e centros comerciais.
As actividades educativas são de grande importância, uma vez que a maioria dos artistas convidados tornam-se mentores e formadores, realizando workshops e seminários para mais de 1.500 estudantes interessados em aprender sobre as formas artísticas. Este é também um mercado que junta produtores de todo o mundo, criando espaço para todo o tipo de projectos criativos.
Players of Light, Groupe, França (Foto: Juan Antonio Monsalve) |
No fim de cada dia, os participantes partilham as suas experiências num espaço onde todos falam a mesma língua: a música. Diferentes bandas tocam música ao vivo e fazem a festa todas as noites. Procurando descentralizar o festival, aproximadamente 4,5 milhões de pessoas nas diferentes regiões do país fazem parte do evento, acompanhando ao vivo num canal exclusivo da televisão pública os eventos aos quais não podem assistir em pessoa.
Ao fim de 17 dias cheios de experiências memoráveis, o evento culmina num encontro sem precedente, onde 300.000 pessoas assistem a um espectáculo de fogo de artifício, música, alegria, sentindo desde logo algumas saudades, uma vez que terão que esperar mais dois anos para a edição seguinte.
Em termos comparativos, festivais similares noutros países desenvolvidos angariam apenas 10% do custo total do evento através da venda de bilhetes, e o restante 90% através de patrocínios e apoios do estado. No Festival Iberoamericano de Taetro de Bogotá a receita de bilheteira ronda os 70%, enquanto os patrocinadores contribuem com 20% e o estado e as embaixadas estrangeiras apenas com 10%. Isto torna o festival num evento de grande risco, mas, ao mesmo tempo, extremamente gratificante para um público interessado em cultura, artes performativas e empenhado em mostrar ao mundo a melhor face da Colómbia: cultura, arte e celebração.
Vinte e seis anos depois, o Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá está mais vivo do que nunca, abrigando-se na visão que o público colombiano adoptou como mote: “Um acto de fé na Colómbia”. Entre 4 e 20 de Abril de 2014, poderão fazer parte do público que irá assistir à 14ª edição do festival, que terá como tema aquele que foi criado para o primeiro festival: “O Melhor Teatro do Mundo na Colómbia, o Melhor da Colómbia para o Mundo”.
Gustavo Gordillo é o director criativo do Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá. Foi co-fundador da primeira companhia de produção da Colómbia especializada em cultura. A companhia associou-se à Fundação Teatro Nacional e com o Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá, que conta com 13 edições e que se tornou no maior festival de teatro do mundo. Estudou marketing e produção cinematográfica e anteriormente trabalhou como realizador e argumentista de spots publicitários, vídeos, telenovelas, eventos e documentários. Gustavo fundou ainda uma conhecida banda musical na Colómbia, que produziu até à data cinco álbuns.
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