Kent Nagano, Director Musical da Montreal Symphony Orchestra (Foto: Körber Foundation) |
Quando o Vice-Presidente da Körber Foundation, Klaus
Wehmeier, abriu o 4th Symposium on the Art of Music Education na semana passada em Hamburgo, citou uma pessoa que numa edição anterior
deste simpósio tinha dito “Quero partilhar o que amo”. Ao ouvi-lo, pensei que é
isto precisamente que traz muitas pessoas, profissionais, de várias áreas
culturais e artísticas a este género de encontros: o seu amor por algo e o seu
desejo de o partilhar.
Estava ainda a pensar nesta partilha do que amamos, quando
Kent Nagano, director musical da Orquestra Sinfónica de Montreal, subiu ao
púlpito. Falou-nos do estado em que encontrou a orquestra quando assumiu a sua
função: uma dívida de 12 milhões de dólares; um público com uma media de idades
65+; uma ocupação de 35%. Nagano disse
que prometeu à cidade apresentar obras excepcionais com a melhor qualidade que
os músicos possam atingir. “Assim”, disse, “temos agora concertos esgotados, a
idade media do nosso público são os 35 anos e a sala de concertos tem o aspecto
das ruas da cidade de Montreal.”
O maestro não me convenceu; no sentido que eu ouvi muito
mais nas suas palavras do que aquilo que ele estava preparado para reconhecer.
Não acho que a Orquestra Sinfónica de Montreal tem concertos esgotados por
causa do seu excepcional repertório e da sua alta qualidade – ou, pelo menos, sobretudo
por causa disso. Estas são as características de muitas outras orquestras que
lutam para sobreviver. Penso que o público de Montreal talvez tenha ouvido a
‘promessa’ do dirigente de uma orquestra que estava preparado para assumir um
compromisso, para se envolver com eles; uma teoria também apoiada pelo facto de
Kent Nagano ter partilhado connosco o seu prazer em ver a sala de concertos ter
o aspecto das ruas da cidade, o que revela uma visão maior e a séria vontade de
assumir um compromisso. Este facto pode ter tido um papel tão importante na
recuperação da orquestra como o excepcional repertório e a qualidade da
interpretação. Nagano desejou partilhar o seu amor com a cidade e tem
trabalhado para isso.
Foto: Körber Foundation |
A questão de “Como partilhamos o nosso amor” estava
constantemente na minha cabeça nos dois dias que se seguiram. Quando ouvia, por
exemplo, o discurso inspirador da músico e compositora Kathryn Tickell que
dizia que ensina crianças e jovens a tocar a gaita de foles de Northumbria não
porque quer torná-los virtuosos, mas porque quer dar-lhes a conhecer a sua
herança, sendo a música uma afirmação de quem eles são. O discurso da Kathryn
marcou realmente os participantes. Apesar de estar a lidar com a tradição, foi
precisamente capaz de nos mostrar como a tradição não é algo parado no tempo.
“Precisamos de ir mais a fundo, usar o conhecimento e ir para a frente sem
medo”, disse. E com “ir para a frente” quis dizer experimentar, re-interpretar,
enriquecer, entrar em diálogo com outras formas artísticas, não ’pela
inovação’, mas pela necessidade que uma pessoa tem de se expressar e de…
partilhar o que ama.
E continuei a pensar sobre o que é que amamos e como
partilhamos o nosso amor quando vi a genuína expressão de perplexidade na cara
de um dos participantes quando me ouviu dizer que há qualidade também noutros
géneros musicais e não apenas na música clássica; quando ouvi algumas pessoas
dizer que a educação para a música é da responsabilidade da escola e outras a afirmar
que os músicos devem ser obrigados a envolver-se em actividades educativas
porque sabem fazê-lo melhor; quando alguns participantes tentaram lembrar que
estávamos a afastar-nos do que realmente importa – a música e o nosso público
principal -, enquanto outros defendiam maior acesso e disponibilidade para
ouvir as pessoas e adaptar.
Foto: Körber Foundation |
A maioria destas questões foi, de alguma forma, resumida no
último painel de discussão, que envolveu Nick Herrmann (Touch Press), Martinh
Hoffmann (general manager da Berlin Philharmonic) e Karsten Witt (general
manager da karsten witt music management). Foi muito bonito ouvir Karsten Witt
falar do seu amor pela música clássica, da experiência tão especial que é
assistir a um concerto, da concentração, dos detalhes, dos sentimentos. “Ouvir
música através dos media é uma coisa diferente; deveríamos
concentrar-nos no ‘objecto real’”, disse ele.
Será assim? Deveríamos estar preocupados apenas com o
‘objecto real’? E quando o mais próximo que uma pessoa possa chegar do objecto
real é um CD ou um DVD ou o You Tube? Não deveríamos estar também preocupados
em manter essas portas abertas e usá-las para disponibilizar conteúdos? Terão
todas as pessoas que ouvir música clássica com o mesmo grau de concentração
para poderem ter uma experiência que tenha significado (para elas, não para os
outros…)?
Lembrei-me de um artigo que tinha lido uns dias antes no
Guardian sobre o acesso digital a espectáculos. A
jornalista, Lyn Gardner, falava do maestro Thomas Beecham, que viveu no início
do século XX e que acreditava que a rádio manteria as pessoas longe das salas
de concertos, pelo que “censurava as ‘autoridades sem fios’ por estarem a fazer
‘um trabalho diabólico’”. Nos anos 50 o ‘diabo’ era provavelmente a televisão;
nos anos 90 os websites; e no início do século XXI o You Tube, as apps, o
livestreaming de concertos e espectáculos.
Por isso, apesar de partilhar o amor de Karsten Witt pelo
‘objecto real’, estou também preocupada com o que ‘real’ possa significar para
outras pessoas, com o que tem significado para elas, com as formas de
proporcionar o acesso e com os seus meios financeiros. Porque sei que a
tecnologia fornece-nos vários pontos de entrada, diferentes formas de
participação e fruição, e não mantém as pessoas longe do ‘objecto real’. Pelo
contrário, quando têm a oportunidade, as pessoas querem saborear o ‘objecto
real’.
Mas há aqui mais uma questão: mesmo quando as pessoas vêm
usufruir o ‘objecto real’, isto não significa que o vão fazer da forma como uma
outra pessoa quer que o façam. Fá-lo-ão à sua maneira. O amor pode ter muitas,
várias, regras, mas tem, definitivamente, uma regra principal: não pode ser
imposto, pode?
Um agradecimento especial à Körber Foundation, pelo amável
convite e pela hospitalidade.
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