Monday, 14 July 2014

A curiosidade matou o visitante

Art Museum of Estonia. Lia-se na legenda: "Villu Jaanisoo, 1963 / Chair I - II (2001) Motor Tyres, Art Museum of Estonia". (Foto: Maria Vlachou)

Assisti no passado Sábado a um colóquio intitulado “Os públicos do MNAC” (Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado), a propósito dos 20 anos da reabertura do museu após o incêndio do Chiado. Durante as quase três horas de comunicações e debate, ao longo das quais muito pouco se falou de públicos, estava sentada ao pé de uma legenda relacionada com a obra exposta na parede. Lia-se:

“Mockba, 2004
Óleo sobre tela, óleo sobre chapa acrílica
Colecção VPV”

Olhei várias vezes para ela, enquanto ouvia falar da história do museu nos últimos 20 anos contada pelos seus directores (pormenores interessantíssimos, que desconhecia), da sua colecção, do que deveria ser o seu nome, do que deveria ser o seu propósito, de qual deveria ser o edifício a albergá-lo, etc. Olhei para a legenda a pensar que a obra exposta pouco me dizia esteticamente ou conceptualmente, mas que, curiosa em perceber melhor, teria gostado de encontrar algo mais (e mais interessante) que aquelas três linhas. Afinal, a opção de expor aquela obra tinha uma razão por trás e eu gostaria de perceber qual.

Acontece-me muitas vezes nos museus. Sou aquele tipo de visitante a quem não faltam diplomas, mas não é por isso que pretende conhecer e entender todas as linguagens e poder desvendar todos os mistérios. Sou também aquele tipo de visitante seguro de si, que não se sente constrangido (nem estúpido) em admitir que não entende e que gostava de saber mais, de ter informação mais interessante e relevante, numa linguagem compreensível. Tenho tendência em pensar que quem optou por colocar aquela legenda na parede não entende (e talvez não se interesse em entender) quem eu sou e o que procuro. Sou, portanto, aquele tipo de visitante minoritário. Muitos outros sentem-se estúpidos, mas assumem a culpa disso. Não voltam, desistem, desinteressam-se, recolhem-se, não se “atrevem” novamente, nunca levam os seus filhos.

Fui várias vezes confrontada nas últimas semanas com esta questão. Ao visitar a exposição de Vhils no Museu da Electricidade, numa sala encontrei uma legenda que repetia seis vezes “Portas antigas de madeira gravadas a laser”, seguindo-se as dimensões das referidas portas. Qual o propósito que serve uma legenda como esta? Porque é que se faz e para quem?


Uma outra visita recente foi ao Museu Municipal de Aljustrel, que conta a história das minas naquela zona do país. A história é contada assim:


Uma outra ainda exposição que despertou a minha curiosidade foi a de Helen Mirra na Culturgest. Trata-se da exposição de faixas de tecido pintadas monocromaticamente. À partida, não me “dizem” nada, por isso, procurei com muito interesse mais informações. Quando as encontrei na brochura, ficou claro que a minha curiosidade não ia ser satisfeita e que a exposição não era para mim.

Excerto do texto que se encontra na brochura. 

Nas várias formações que dei nos últimos dois meses, falou-se extensivamente sobre a questão da comunicação e da linguagem. Às vezes os formandos, apesar de reconhecerem a ineficácia da linguagem usada ou o pouco interesse da história contada, manifestam incompreensão relativamente à forma como esta comunicação poderia ser feita de outra forma, que cumprisse o objectivo do museu ou da exposição e que fosse ao encontro das necessidades dos visitantes, na sua maioria não-especialistas.

Ocorre-me, assim, o exemplo de dois mosteiros portugueses: o Convento de Tomar e o Mosteiro de Alcobaça. Ambos pretendem contar aos visitantes a história do edifício onde se encontram, no entanto, a abordagem, a opção em relação à história que será contada é claramente distinta. Qual serve melhor as necessidades do museu E dos visitantes?

Textos de painéis no Convento de Tomar.
Textos de painéis no Mosteiro de Alcobaça

Não é impossível comunicarmos de forma diferente, dizer coisas interessantes de forma simples. Por “simples” que não se entenda infantilizando, banalizando, comprometendo a qualidade científica da informação partilhada. O que é mesmo impossível é continuar a ouvir afirmações politicamente correctas que os museus são para todos, que há necessidade de serem relevantes, acolhedores, criarem nas pessoas um sentimento de pertença, e, na prática, continuar a desprezar e desvalorizar as necessidades dessas mesmas pessoas, continuar a ofender a sua inteligência. Acho perfeitamente legítimo uma exposição ser feita para especialistas, um dos vários públicos-alvo que um museu ou uma exposição pode servir. Mas tem que ser assumido e, assim, o restante público fica “avisado”. Continuar a escrever para comunicar com especialistas dizendo que a exposição é para todos indica, cada vez mais para mim, alguma falta de honestidade por parte dos responsáveis. A teoria é boa, é clara, parece que todos a conhecemos. O que falta para a pôr em prática? E ainda, queremos pô-la em prática?


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