Monday, 16 March 2015

O que é que temos a ver com isso? (ii)

Field Museum, Chicago (fotógrafo desconhecido)
Em Dezembro passado, houve um intenso debate entre os profissionais de museus nos EUA a respeito do papel dos museus na sequência da morte de negros pela da polícia em Ferguson, Cleveland e Nova Iorque. Os nossos colegas norte-americanos sentiram fortemente que os museus fazem parte da rede cultural e educacional que trabalha no sentido de uma maior compreensão cultural e racial. Será que eles se referiam especificamente aos museus com colecções afro-americanas? Ou a museus situados nas comunidades onde os eventos ocorreram? Não, não se referiam apenas a estes. "Como mediadores culturais, todos os museus devem procurar identificar formas criar ligações com relevantes questões contemporâneas, independentemente da sua colecção, enfoque ou missão." (ler a declaração na íntegra)

Na altura, concordei com a posição mais cautelosa de Rebecca Herz. Acho arriscado incentivar um museu (ou qualquer outra instituição) a agir independentemente da sua missão, mas, como Rebecca referiu: "Eu pessoalmente acredito que os museus devem alinhar todas as suas acções com a sua missão, que deve estar relacionada com a colecção ou o enfoque. E acho que se pode encontrar uma ligação entre qualquer colecção e a vida contemporânea, mas que estas ligações devem ser cuidadosamente consideradas e desenvolvidas. " (ler post)

Enquanto estava a seguir esta discussão muito interessante que ocorria no outro lado do Atlântico, no dia 15 de Dezembro, um refugiado iraniano invadia um café em Sydney fazendo reféns. Dezasseis horas depois, a polícia interveio, matando o atacante, assim como dois dos reféns. Temendo represálias contra os membros da comunidade muçulmana que usavam o traje islâmico, os habitantes de Sydney ofereceram-se para acompanhar nos transportes públicos os seus vizinhos muçulmanos que se sentiam inseguros. Soube disto no início da manhã de 16 de Dezembro, através da página de Facebook do Immigration Museum. O museu partilhou a notícia do Guardian e juntou-se ao resto dos australianos, numa tomada de posição contra o preconceito e a violência.



Tomar posição não é algo simples, especialmente para uma instituição (por oposição a um indivíduo). Não é uma decisão que pode ou deve ser tomada apressadamente, uma reacção ao momento. Deve ser um acto "natural", o resultado de uma política consciente, estruturada e sustentada de intervenção cívica / política, de acordo com a missão da instituição. É também uma grande responsabilidade.



No mês passado, três jovens muçulmanos foram assassinados na sua casa na Carolina do Norte, EUA. Numa altura em que os jornais noticiavam que os motivos do atacante ainda não eram conhecidos, o Arab American National Museum partilhava na sua página no Facebook a sua tristeza pela perda dos três jovens, insinuando que este tinha sido um crime racial. Pensei que era muito cedo, que o museu estava a tirar ilações, o que não me pareceu ser nem responsável nem útil. Perguntei ao museu se fazia uma declaração como aquela para cada assassinato nos EUA. Outras pessoas (não o museu) responderam que as vítimas eram americanos-árabes, de modo que o museu fazia bem em reagir. Reformulei a pergunta e questionei se o museu fazia uma declaração para cada americano-árabe assassinado, se assumia que o assassinato de qualquer americano-árabe era um crime racial. Acho que os museus não devem atirar-se e fazer declarações antes do tempo.


Mais recentemente, em Portugal, o Museu Nacional de Arte Antiga publicou uma declaração sobre a destruição de tesouros arqueológicos do Museu de Mosul por militantes do ISIS. Foi uma boa surpresa, uma vez que este museu, como a maioria dos museus portugueses, não costuma tomar posições publicamente. Alguém poderia argumentar que isso não foi exactamente uma declaração política e que se tratava de uma assunto algo "seguro" para o museu; pode ser. Veio também num momento em que os especialistas ainda estavam a tentar perceber se os objectos destruídos eram os originais ou cópias; talvez por isso, pareceu uma reacção um pouco precipitada. Estou mais interessada, no entanto, em perceber se essa foi uma acção pontual ou o primeiro acto de uma política concreta e a longo prazo de reconhecer e assumir as responsabilidades civis-políticas-culturais do museu. Seria óptimo se assim fosse, o tempo o dirá.



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