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Na semana passada, o meu filho disse-me que Jesus deixa as senhoras terem filhos quando são casadas e quando elas e os maridos se amam muito. Informação vinda da escola. Pareceu-me um pouco cedo para lhe apresentar outras versões sobre a segunda parte, mas não hesitei sobre a primeira. Até porque a sua melhor amiga é filha de mãe solteira. Lembrei-me depois que essa mãe solteira, quando a sua filha entrou no jardim de infância, teve o cuidado e a preocupação de explicar à educadora a situação e de esclarecer que a filha nunca se tinha encontrado com o pai. Chegado o Dia do Pai, o que é que a educadora fez? Sentou as crianças em círculo e pediu-lhes para falarem do seu pai. Provavelmente, é o que tinha feito em anos anteriores. Repetiu a ‘actividade’ sem procurar adaptá-la minimamente à nova realidade, à diversidade, da sua turma. Há poucos dias, uma amiga falava-me também de um casal de lésbicas e do facto de terem tido muitas dificuldades em convencer a escola a deixar a parceira da mãe, a mulher da mãe, ir buscar os filhos.
Tudo isto fez-me pensar na lentidão com a qual a escola reage e se adapta a novas realidades. Uma lentidão às vezes incompreensível, se considerarmos que os casais homossexuais podem ainda ser uma novidade, mas as mães solteiras (ou os pais solteiros) nem por isso. A reacção da escola às mudanças que ocorrem à sua volta, a adaptação, significaria maior inclusão das pessoas (neste caso, crianças e adolescentes), maior ligação e relevância para a vida delas, maior tolerância e abertura para a riqueza que traz à vida de todos a diversidade.
E é exactamente isto que se deseja também para as instituições culturais. Ou melhor - para não falar em ‘instituições’, palavra que faz pensar em algo despovoado, sem alma, pelo qual ninguém responde – para as pessoas que pensam e dirigem e trabalham em instituições culturais. Refiro-me, sim, a todos nós, “cultural snobs” ou “new mandarins” (para citar novamente John Holden), que continuamos a fazer tudo da mesma forma como sempre o fizemos, alheios às mudanças, incapazes ou sem abertura para as identificar, para as entender, para as integrar. O que não poucas vezes nos condena à irrelevância.
Um artigo publicado recentemente no jornal The Telegraph apresentava os resultados de um inquérito do turismo da cidade de Birmingham realizado com 2000 crianças entre os 5 e os 12 anos, que indicavam que: 4 em cada 10 crianças nunca tinham entrado numa galeria de arte; 17% nunca tinham visitado um museu com os seus pais; 25% nunca tinham ido ao teatro; 6 em cada 10 nunca tinham ouvido ou ido a um concerto de música clássica; 1 em cada 10 nunca tinha saído da sua cidade para visitar um sítio cultural. O jornal fazia referência a uma “culture starved generation”. A notícia foi reproduzida no Arts Journal, e no primeiro comentário lia-se o seguinte: “Há uns 20 anos, fui artista convidada numa escola secundária no norte do estado de Nova Iorque. Perguntei aos alunos quanto dinheiro tinham para gastar na ‘cultura’ e em que é que o gastavam. As respostas fascinaram-me: esses jovens de 13 anos não pensavam duas vezes para gastar 50 dólares num concerto de rock ou para comprar CDs. (…) Penso que em 2012 a situação será ainda mais extrema. Todo o seu dinheiro deverá ir para os seus smartphones, que os tornam em ‘produtores’ culturais assim como em consumidores”.
Tanto a apresentação dos resultados do inquérito como o comentário acima transcrito pareceram-me preocupantes. Porque se confirma a persistência das velhas questões do acesso à cultura, da distinção entre ‘alta’ e ‘baixa’ cultura. Porque se confirma a nossa lentidão (ou resistência) em reagir e adaptar o nosso pensamento e a nossa prática a novas realidades.
Se os resultados do inquérito tivessem sido lidos ao contrário (façamos o exercício e vejamos, por exemplo, que 6 em cada 10 crianças tinham já entrado numa galeria de arte; 83% tinham visitado um museu com os seus pais; 75% já tinham ido ao teatro; etc., etc), penso que concluiríamos que não se trata propriamente de uma “culture starved generation”. Mas há ainda outras questões que se colocam aqui. Será que as crianças, os jovens e os adultos cultos são apenas aqueles que visitam museus e galerias de arte; aqueles que vão ao teatro; aqueles que assistem a concertos de música clássica? O que dizer, então, daquelas pessoas, que, por variadíssimas razões (por falta de tempo ou dinheiro, por falta de equipamentos culturais nas zonas onde residem, por terem crianças pequenas, etc), vêem teatro só na televisão ou em DVD, ouvem música (clássica e não só) apenas em CDs, conhecem obras de arte apenas através de livros? Quando o encontro com a cultura não tem lugar dentro de instituições ‘oficiais’ é menos válido? E o que pensar das pessoas que hoje em dia vêem ópera ou teatro transmitidos em directo em salas de cinema? Daquelas que gostam de partilhar a experiência de um espectáculo ao vivo via twitter ou facebook? Daquelas que assistem a concertos via internet? Daquelas que vêem ao pormenor peças expostas em vários museus do mundo via Google Art Project? E há mais questões ainda: Uma pessoa que sabe muito sobre música clássica será mais culta do que aquela que não sabe nada, mas que sabe muito sobre a cena musical contemporânea e pop? E vice-versa? Um músico ou um realizador que distribuem o seu trabalho via You Tube têm menos qualidade do que aqueles que se apresentam em grandes instituições culturais, a sua arte é menos válida? E se uma pessoa admitir não gostar de visitar museus ou de uma determinada forma de arte, será essa uma pessoa menos culta?
Criador, produtor, curador, programador, distribuidor, espectador: nada é o que era até há poucos anos atrás. A forma como a cultura e as artes (em toda a sua diversidade) se criam, se distribuem e se fruem, assim como os espaços onde tudo isto acontece, são hoje em dia tão diversos como as pessoas que com eles se envolvem. Um recente artigo de Susan Jones no Guardian, Pitching up: Where is the place for art?, veio dar mais um contributo estimulante e refrescante ao desenvolvimento do pensamento sobre o papel das instituições culturais e envolvimento das pessoas com a cultura e as artes. No fim deste post, uma série de artigos mostra como as novas tecnologias têm também contribuído para estas alterações.
A cultura, nas suas manifestações mais diversas, é importante na vida da maioria das pessoas. Abre janelas ao mundo, liberta a mente, ajuda a interrogar e a procurar respostas, entretém, alivia. Dá a conhecer o ‘outro’, é capaz de aproximar pessoas de meios muito diferentes, que falam até línguas diferentes, é algo que se partilha. Os tempos que vivemos e aqueles que se avizinham são tempos difíceis, exigentes. São tempos capazes de matar a esperança, de acabar com o mundo de muitas pessoas tal como o conheciam, tal como gostavam dele, tal como o queriam preservar. São tempos de grandes mudanças, tempos que alimentam o medo daquilo que é diferente, que tornam a diversidade numa ameaça. Em tempos como estes, torna-se ainda mais urgente e relevante estarmos atentos às mudanças, proporcionarmos as condições para um maior desenvolvimento cultural e envolvimento das pessoas, investirmos mais na ‘cultura per capita’ – expressão do pensador grego Christos Yannarás -, defendermos a diversidade. Penso, por isso, muito nas responsabilidades que esta realidade traz para os profissionais da cultura. Penso cada vez mais naquelas crianças e nos jovens cujo meio familiar não lhes pode proporcionar acesso a esse mundo tão rico que os rodeia, a essas culturas tão diversas. E penso cada vez mais no papel determinante que a escola, um professor, possa ter na vida dessas pessoas, desses futuros adultos. Penso em Luis Soriano.
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