Monday 6 February 2012

Construindo a confiança


Imagem tirada do artigo Sixty museums in search of a purpose no The Art Newspaper

No verão passado, numa das sessões do fellowship no Kennedy Center, fizemos um exercício muito interessante. Participámos numa reflexão sobre eventuais projectos aos quais o DeVos Institut for Arts Management deveria associar-se. O critério não era o interesse dos projectos em si. Todos o eram. Mas nem todos se enquadravam na missão do Instituto, que é formar, apoiar e capacitar gestores culturais e os seus conselhos consultivos (boards) a nível local, nacional e internacional. Só isto. Clara, concisa e completa, como todas as declarações de missão o devem ser.

Uma declaração de missão concreta é a base de qualquer plano estratégico. No manual Strategic planning in the arts. A practical guide, escrito por Michael Kaiser, são identificados seis elementos que devem ser considerados aquando da definição da missão. Considero que três deles são básicos, aplicáveis a todos os casos: o produto/serviço; o(s) público(s) que se pretende servir; o alcance geográfico da acção. Kaiser refere ainda o repertório e a educação, mas acho que não se aplicam a todas as instituições culturais e, de qualquer forma, fazem parte da definição mais alargada do produto; refere igualmente a qualidade, no sentido do nível de desempenho pretendido, mas penso que esta questão prende-se sobretudo com a capacidade (e a obrigação) de sermos realistas aquando da definição dos três elementos básicos na nossa missão.

Foi interessante ler o artigo de András Szántó Sixty museums in search of a purpose, onde analisava as declarações de missão de 60 museus de arte americanos. Para além de uma análise semiológica, colocava questões como: “A missão devia descrever o que um museu faz ou o que deveria fazer? Tem a ver com objectivos tangíveis pelos quais as instituições são responsabilizadas ou com ideais platónicos aos quais meramente aspiram? A missão de um museu devia apresentar o inventário de activos e actividades ou funcionará melhor como uma cristalização de princípios básicos? Como vai reflectir a posição de um museu relativamente ao progresso cultural, à demografia dos seus públicos, às fontes de financiamento e às oportunidades tecnológicas?”.

Voltando ao que disse anteriormente, a declaração de uma missão deve ser clara, concisa e completa. Coerente também. Não pode dar lugar a várias interpretações; deve ser facilmente lembrada (e ‘recitada’) por todos os funcionários da instituição e também pelos seus ‘clientes externos’ (público, parceiros, patrocinadores); deve fazer referência a todas as áreas de actuação da mesma; e deve ser coerente, porque deve fazer sentido e ser realista. Assim, diria que a missão não se deve limitar ao que se está a fazer actualmente, mas deve também fazer referência ao que se deseja, realisticamente, fazer a curto ou médio prazo. E não deve ser uma lista exaustiva de acções concretas a desenvolver para se atingir os objectivos enunciados (esta deve fazer parte do plano estratégico). Tinha previamente tocado neste assunto, no post Visão, missão, estratégia, onde sugeria a leitura das declarações de missão do programa Descobrir da Fundação Gulbenkian e do Serviço Educativo da Casa da Música. Continuam a ser duas das minhas favoritas, sobretudo pela escolha de palavras e pela visão que transmitem em ambos os casos. No entanto, se perguntarmos às pessoas que trabalham para as tornar realidade, poderão repeti-las?

A redacção da declaração de missão é uma tarefa difícil, se queremos (e devemos querer) que cumpra os requisitos acima mencionados. Igualmente ou mais difícil ainda é segui-la. É preciso disciplina, persistência. No entanto, haverá outra maneira de traçarmos um caminho claro, segui-lo (sem desvios desnecessários e/ou prejudiciais) e avaliarmos o nosso sucesso? Seguindo a nossa missão temos ainda a garantia de uma gestão eficiente e eficaz dos recursos humanos e financeiros. E por fim, a vantagem da criação de uma identidade distinta no ‘mercado’; ou seja, a definição e o cumprimento de uma missão são um instrumento de branding.

Nesse sentido, aconselho a leitura do artigo The cure for the not-for-profit crisis. Os autores defendem que o decréscimo registado em 2010 no valor de doações para sectores de actividade sem fins lucrativos (como o social e o cultural) não foi sentido da mesma forma por todas as instituições. Falam de “crise de coerência”, da falta de uma estratégia que ligue a missão de certas (muitas) organizações à sua capacidade de fornecer um determinado serviço. Aquelas que mais sofreram de falta de doações foram as que mais versáteis se mostraram em termos de missão e objectivos (às vezes para agradar, mesmo, a possíveis mecenas e patrocinadores). Por outro lado, aquelas que mostraram ter e seguir uma clara missão, que orienta toda a sua acção, que permite demonstrar coerência e rigor, não têm sentido esse impacto. A missão clara, a coerência e o rigor criam confiança. E muito provavelmente também o desejo de ‘fazer parte’. Será isso uma surpresa?

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