Conheci a Eva-Kaia Vabamäe numa acção de formação em Setembro passado. Há poucos dias, surpreendeu-me com um texto que escreveu, inspirada num post meu publicado recentemente, sobre os desafios enfrentados pelos museus estónios na apresentação da história do seu país, criado há aproximadamente 20 anos. Pedi permissão para reproduzir o seu texto. Isto fez-me pensar que há sempre tantas realidades que desconhecemos. Assim, nas próximas semanas haverá mais textos, da Espanha, do Brasil, do Egipto, da Ucrânia, dos EUA e da Nigéria. E espero que mais se seguirão. mv
Maqueta do novo edifício do Museu Nacional de Estónia (imagem retirada do site A10.eu - New European Architecture) |
Maria Vlachou, uma museóloga grega que actualmente vive e trabalhe em Portugal, escreve no seu blog Musing on Culture sobre as histórias que se contam em contexto museológico. Concentra-se principalmente sobre o como uma história pode soar totalmente diferente dependendo da nação que a esteja a contar (por exemplo, o conflito sem fim entre os países vizinhos da Grécia e da Turquia). Isto lembrou-me do papel importante dos museus quando se repensa ou se explica a história ao público.
Vindo de um país minúsculo como a Estónia (apesar, naturalmente, de ter um espírito enorme), com uma população de menos de 1,5 milhão, estamos habituados a imaginar que estamos em oposição a outras nações. Esta foi uma estratégia de sobrevivência ao longo de vários períodos, quando os opressores tentaram absorver-nos noutras nações, maiores. A nossa história consiste sobretudo de batalhas para a nossa identidade; batalhas para a oportunidade de termos a nossa república e a nossa cultura. Naturalmente, isto significa que frequentemente houve um outro a quem nos opusemos, alguém que ganhou o jogo apenas por ser mais ‘pesado’. Por isso, as histórias de sucesso na história da Estónia normalmente consistem de relatos sobre uma nação que é esperta como uma raposa, incrivelmente persistente e ganha a luta com truques extremamente simples (quem acreditaria que uma nação pode ganhar a sua liberdade cantando, no entanto, esta é uma história verídica). Conforme disse o antropólogo americano Paul Firnhaber na última masterclass sobre museus organizada pelo Museu Nacional da Estónia, tivemos apenas um herói militar, Lembitu, que viveu no século XIII e, na verdade, não conseguiu muito.
Quando tomamos em consideração este passado, não é de admirar, de facto, que normalmente contamos histórias do nosso próprio ponto de vista, dos Estónios. Ao mesmo tempo, ganhámos a nossa independência há pouco mais de 20 anos e antes disto tivemos a ocupação soviética, conhecida pelo seu hábito de re-escrever a história para servir ambições políticas. Assim, obviamente, os historiadores têm tido muito trabalho em re-escrever a nossa história e há ainda muito por reavaliar. Mas quantas vezes pensamos em como outras nações vêem os mesmos eventos? Quais seriam as histórias das nossas minorias étnicas? Como seriam as histórias dos nossos vizinhos e como é que tudo isto foi visto do outro lado do oceano? Estamos apenas a começar a contar estas histórias e será um grande desafio para uma nação tão pequena que tem estado a lutar sobretudo pela sua própria sobrevivência.
Como escreve Maria Vlachou, as pessoas costumavam procurar nos museus a ‘verdade’. Os museus têm a autoridade para decidir o quê e como vai ser exposto. Isto coloca uma responsabilidade enorme nos ombros dos especialistas porque, como teremos todos reparado, raramente existe apenas uma opinião, ‘correcta’ e objectiva, sobre a história do mundo. Hoje a museologia diz-nos que os museus não deveriam ditar a verdade, mas apresentar uma variedade de narrativas diferentes. Posto de uma forma mais simples, esta teoria é parecida ao provérbio que diz: “Não dês ao esfomeado um peixe, mas sim cana e ensina-o a pescar”, o que significa que o museu deve acreditar o suficiente no seu visitante para o deixar decidir por si próprio, com base nestas diferentes narrativas.
O Departamento de Culturas Étnicas do Museu Nacional de Estónia está neste momento a ajudar o Museu Valga no desenvolvimento do projecto para uma exposição inclusiva com e sobre a comunidade Roma. O começo tem sido bastante complicado, sobretudo no que diz respeito à parte ‘inclusiva’. Tivemos que explicar várias vezes que não estamos a fazer dinheiro com isto, porque a comunidade Roma tem tido experiências negativas com outros projectos, onde sentiram que foram simpesmente usados para as estatísticas, sem se esperar deles um verdadeiro contributo.
Como parte do processo de preparação, um colega e eu assistimos a um seminário na semana passada. Era um seminário para professores e foi pedido a uma mulher Roma, que dirige a ONG cultural local, para falar sobre a sua cultura. Desta vez, como dantes, ela perguntou: “Porquê agora? Ninguém se preocupou connosco durante centenas de anos, porquê agora?”. Penso que é porque estamos finalmente preparados para contar mais histórias do que a nossa própria. E, com base na pergunta de um participante (lembro-vos que isto era para professores!) - “Porque é que deveria respeitar-te quando não sei nada sobre ti?” - , diria que é mais que necessário começarmos a contá-las!
Como parte do processo de preparação, um colega e eu assistimos a um seminário na semana passada. Era um seminário para professores e foi pedido a uma mulher Roma, que dirige a ONG cultural local, para falar sobre a sua cultura. Desta vez, como dantes, ela perguntou: “Porquê agora? Ninguém se preocupou connosco durante centenas de anos, porquê agora?”. Penso que é porque estamos finalmente preparados para contar mais histórias do que a nossa própria. E, com base na pergunta de um participante (lembro-vos que isto era para professores!) - “Porque é que deveria respeitar-te quando não sei nada sobre ti?” - , diria que é mais que necessário começarmos a contá-las!
[Texto inicialmente publicado no blog do Eesti Rahva Muuseumi (Museu Nacional de Estónia)]
Eva-Kaia Vabamäe trabalha actualmente no Museu Nacional da Estónia, no Departamento de Culturas Étnicas. O seu trabalho é ajudar museus de diferentes tipos a desenvolver estratégias de exposições, educação e comunicação. Isto inclui organizar workshops e cursos de formação, mas também trabalhar em vários outros projectos, como o desenvolvimento de uma sala de exposições para o novo edifício do MNE que envolverá a comunidade; a criação de um programa de verão para crianças sobre culturas étnicas; a organização de workshops para educadores de museus; a exposição mencionada no artigo sobre a comunidade Roma, etc. Nascida e crescida na Estónia, é licenciada em Design e Conservação e recentemente finalizou o seu mestrado em História de Arte com tese sobre os interiores históricos dos Alemães Bálticos, outrora uma minoria muito significativa em termos culturais e económicos.
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