Monday, 21 May 2012

Blogger convidado: "Jos Repertory Theatre: Trabalhar e viver na Nigéria", por Patrick-Jude Oteh

Patrick-Jude Oteh foi meu colega no ano passado no Fellowship do Kennedy Center. Lembro-me de ter ficado sem palavras depois da sua apresentação sobre o trabalho desenvolvido pelo Jos Repertory Theatre, que ele fundou numa pequena e agora dividida cidade nigeriana chamada Jos. Como é que uma companhia de teatro pode cumprir a sua missão num sítio onde a segurança das pessoas é uma das primeiras prioridades? E qual o papel dessa companhia num ambiente definido pelo terrorismo, a corrupção, divisões étnicas e religiosas?  mv

When The Arrow Rebounds, de Emeka Nwabueze, adaptação para teatro do livro de Chinua Achebe Arrow of God, encenação de Patrick-Jude Oteh para a digressão nacional em 2011 e para o 2012 Jos Theatre Festival.  © The Jos Repertory Theatre Archive

Vivo e trabalho num estado com uma população de 3,5 milhões de pessoas, a maioria das quais trabalham por conta própria ou são funcionários públicos. Os habitantes de Jos, capital do Estado Plateau, são trabalhadores, cheios de energia e hospitaleiros. Na cidade, existe uma mistura saudável de pessoas provenientes de outras partes da Nigéria, que tem 36 estados, e da capital federal, Abuja. O Estado Plateau costumava ser o único estado na Nigéria onde se podia encontrar facilmente outras tribos e nacionalidades a co-existir em paz. Até 12 anos atrás.

Devido a um misto de política, economia, intolerância religiosa e étnica e altíssimo desemprego, os vários segmentos desta cidade outrora vibrante e bonita vivem hoje em enclaves segregados e divididos em toda a cidade. Existe uma desconfiança mútua, angústia e dor em relações que, apenas há uma década, estavam a ser construídas por cima de quaisquer divisórias.

A nossa companhia de teatro, o Jos Repertory Theatre, começou a funcionar nesta cidade há pouco mais de 10 anos. Na altura, estava na moda os espectáculos começarem às 7 da tarde e as pessoas sentiam-se seguras passeando à noite pela cidade. Já não é assim. É considerado arriscado iniciarmos um espectáculo às 5 da tarde. Hoje em dia, as maioria das pessoas quer estar em casa pelas 7. No último festival em 2012 os espectáculos acabavam às 6.30. Tivemos que cancelar as conversas pós-espectáculo, que proporcionavam às pessoas um canal para serem ouvidas, para poderem estar em casa a horas ou encontrarem o conforto e a segurança dos seus bairros. O comércio e as escolas seguiram o mesmo caminho. É triste ver escolas habitadas apenas por alunos da mesma crença ou da mesma etnia. Os mercados, que dantes eram espaços vibrantes de interacção social e relacionamentos, também não escaparam.

Ceremonies In Dark Old Men, de Lonne Elder III, encenação de Osasogie Efe Guobadia para o 2012 Jos Theatre Festival.  © The Jos Repertory Theatre Archive

A razão por estes desenvolvimentos desagradáveis nos assuntos da nossa nação, onde Jos é apenas uma pequeníssima fracção de um mau estar muito maior, é a luta pelo poder e pelo controlo dos recursos nacionais, uma vez que a pessoa ou o grupo de pessoas que tem o poder tem igualmente a responsabilidade pela partilha dos recursos nacionais. As pessoas lutam para governar não porque querem servir, mas porque querem ser elas a decidir quem recebe o quê e quando. Existe ainda muita corrupção, num país tão rico em termos de recursos, que tem posto fim a muitos dos nossos valores tradicionais.

Nos últimos dois anos, tem-se tornado bastante desafiante trabalhar em teatro. Organizámos dois festivais, mas em condições bastante difíceis e desafiantes. Em parte, o objectivo do nosso trabalho mais recente é usar o teatro para promover o diálogo e a interacção entre as várias partes destes conflitos sem fim.

Devido ao facto de estarmos a ser confrontados com vários problemas que parecem desafiar qualquer solução possível, a maior parte do tempo parece que o nosso trabalho é um consistente e constante falhanço. Ficamos com o sentimento que não estamos a fazer o suficiente. Mas, o que é que podemos fazer numa situação em que muitas pessoas não vêem a necessidade de investir em causas nobres, como o teatro? Há cinco anos, decidimos que, se não poderíamos trabalhar na nossa cidade, trabalharíamos na capital da nação, Abuja. Mas a nossa capital não tem sido poupada. Parece que estamos num caldeirão em permanente ebulição.

Como manter a esperança viva num ambiente como este?

Temos tido a sorte na nossa companhia de trabalhar com um grupo de jovens que querem simplesmente criar e não querem saber onde e com quem o estão a fazer. Querem simplesmente conhecer o ser humano. Não é sempre fácil manter toda a gente segura nos diferentes enclaves, mas ajuda saber que na geração deles estão dispostos a trabalhar um com o outro, criando amizades e proximidade que nenhuma política, religião ou diferenças étnicas possam apagar. Estes são os futuros líderes da nossa sociedade. São vibrantes e resilientes. Quando a esperança e a moral estão em baixo, são eles que nos fazem seguir para a frente, com as suas palavras e os seus actos.

The Man Who Never Died, de Barrie Stavis, encenação de Patrick-Jude Oteh para o 2012 Jos Theatre Festival.  © The Jos Repertory Theatre Archive

O crescimento do terrorismo no nosso país acrescentou mais uma dimensão às nossas aflições. Como tudo o que é nigeriano, sempre que assumimos algo, criamos um modelo melhor. É o que aconteceu com os nossos terroristas. Tornam-se cada vez mais sofisticados, e ao lado desta sofisticação tem surgido um novo sentido de ousadia. Estão prontos para enfrentar tudo e todos. O governo e a imprensa não são poupados. O aspecto mais infeliz desta situação é que neste momento não existe um lugar seguro no país, a não ser no sul, que não conheceu ataques terroristas.

Isto tem afectado, sem dúvida, todos os aspectos do nosso trabalho. Não podemos fazer nada neste momento sem considerar as questões de segurança. Quando estamos à procura de um espaço, numa zona onde quase não existem espaços para espectáculos, temos que procurar entre os lugares mais caros, o que significa que temos que cobrar aos nossos espectadores o suficiente para cobrarmos os nossos custos; no entanto, isto pode manter as pessoas afastadas do teatro. Têm mais preocupações do que o teatro! Uma outra dimensão triste, que está a criar rapidamente um grande desafio, é o facto das pessoas estarem a evitar espaços com muita gente. Portanto, termos público já não está garantido.

A nossa esperança é que o nosso país voltará a ser o que era e não esta aberração que dificilmente conseguimos reconhecer. A nossa esperança é que um dia o governo vai traduzir as palavras em acções, especialmente no que diz respeito à criação de emprego para um sector crucial na nossa economia. Até agora, o governo não foi capaz de fazer corresponder as palavras e a retórica a acções. O Presidente tinha prometido um fundo de $200 milhões para as artes, que estaria disponível para todos os sectores artísticos. Quase dois anos depois, não conhecemos ninguém que tenha tido acesso a esse fundo. A própria existência do fundo tem estado envolvida em polémica, e o governo diz agora que o dinheiro era para pagar infra-estruturas para o sector das artes. Não temos visto nenhuma estrutura ou sistema de apoio para as artes. Como organização, temos continuado a contar com o apoio de indivíduos e, às vezes, do sector empresarial.

Este é o país onde vivo e trabalho. Será este o país onde os meus filhos irão perceber o seu potencial? Duvido. Mas somos pessoas com esperança e fé.


Patrick-Jude Oteh é o fundador e director artístico do Jos Repertory Theatre, uma companhia independente e sem fins lucrativos na Nigéria. Estudou Artes Teatrais na Universidade de Ibadan, onde também tirou o seu mestrado e está neste momento e fazer o seu doutoramento. Durante algum tempo, ensinou Teatro Africano, Encenação e Interpretação / Elocução no Departamento de Teatro e Artes da Comunicação na Universidade de Jos. Tem estado envolvido em projectos relacionados com o teatro nos EUA, Reino Unido, Itália, Serra Leoa, Costa do Marfim, Quénia e África do Sul. Está presentemente envolvido na criação de um grupo de teatros itinerantes e também na criação de uma base de dados de companhias e actores da sub-região da África Ocidental. Foi Summer International Fellow no Kennedy Center for the Performing Arts em Washington DC. Está ainda envolvido na criação do primeiro Centro de Gestão das Artes em Abuja e é colaborador do jornal The Peoples Daily, onde escreve uma coluna sobre Gestão das Artes chamada From the Live Stage. 

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