Foto: Lalla Essaydi |
O regresso a Washington; o
reencontro com os colegas do fellowship e com a equipa do Kennedy Center; os novos fellows que se juntam a nós este ano; a primeira semana
de seminários, trabalhos, apresentações; os primeiros museus e espectáculos; a
celebração do 4 de Julho; as conversas, as intermináveis conversas, sobre a
história que se está a escrever nos países de alguns dos nossos colegas… Uma
inundação de pensamentos e sentimentos.
Os primeiros seminários
lembraram-nos da clareza da missão do Kennedy Center e da forma disciplinada
como esta equipa funciona. Disciplinada no sentido de concentrada, focada,
organizada, esclarecida quanto ao caminho que está a seguir e o onde pretende
chegar. E não pude evitar de me sentir novamente surpreendida pelo facto de
todos os seus membros falarem ‘a mesma língua’, algo que nunca tinha visto
acontecer na prática antes de chegar ao Kennedy Center e não voltei a ver
depois. Não há ‘desvios’ (o que não significa que não haja discordâncias), a
missão é concreta e todos sabem o que têm que fazer para contribuir para o seu
cumprimento. Não é fácil isto acontecer, mas também não é impossível. É preciso
uma liderança forte, consciente e esclarecida sobre a sua visão; é preciso bons
técnicos à volta do líder; é preciso perseverança, rigor e disciplina; é
preciso trabalho, muito trabalho; e é preciso conversa, muita conversa, como
diria Michael Kaiser.
Este ano juntam-se a nós fellows
de Oman, Singapura, Austrália, Zimbabwe, Bósnia, Albânia. Irlanda, Inglaterra e
Colômbia. Cada um representa um caso particular dentro da área da gestão
cultural: instituições financiadas por governos, outras privadas, projectos
particulares, instituições que atribuem financiamento a projectos culturais.
Cada caso enfrenta desafios muito específicos, mas há outros, comuns quase a
todos: a preocupação relativamente ao financiamento e a sustentabilidade; a
falta de políticas culturais nos países de origem; a falta de planeamento; os
públicos e os seus gostos e necessidades; os desafios sociais e tecnológicos.
Ao mesmo tempo que vamos conhecendo estes novos colegas, é com muito prazer e
satisfação que descobrimos os progressos que alguns dos colegas antigos fizeram
no último ano; as pequenas ou grandes mudanças que conseguiram introduzir nas
suas instituições, resultado do que se aprende no Kennedy Center e, igualmente,
através dos colegas do fellowship, gestores culturais experientes,
empreendedores, inteligentes, informados, preocupados. É um enorme desafio
estar na companhia deles.
As preocupações dos nossos
colegas egípcios relativamente ao seu novo presidente (membro da Irmandade
Muçulmana) e a postura que vai adoptar perante a cultura e as artes têm sido
frequentemente objecto de conversas. Olho para estas pessoas: corajosas,
determinadas, sensíveis, cheias de sonhos e de vontade de criar e de ter um
impacto na sua sociedade (por via da cultura e das artes), pessoas que lutam
pela democracia, que valorizam a sua liberdade e que revelam, ao mesmo tempo,
alguma ansiedade relativamente ao que poderá vir a ser o resultado desta luta.
Penso novamente no texto de Marta Porto Imaginário, um espaço para pensar a democracia,
que foi aqui publicado na semana passada. Penso novamente no debate entre Pensadores do Norte de África (em francês) que o Programa Próximo Futuro organizou no fim do mês passado. E penso em todos nós, que assumimos, entre
outros, também o papel de guardião dos valores democráticos. E questiono-me: O
que aconteceu à nossa democracia? O que nos aconteceu a nós? Que uso damos à
nossa liberdade? O que significa o facto de termos abdicado do direito e da
obrigação de nos envolvermos nos assuntos do colectivo (os gregos antigos
chamavam a quem não se envolvia nos assuntos da cidade “idiota”, que na altura
tinha o significado de uma pessoa “privada”)? Ou o facto de lutarmos por ideais
e convicções, mas de nos remetermos a um silêncio estratégico quando esses
ideais são violados por gente de quem poderemos vir a precisar? Ou o facto de nos considerarmos intocáveis e unaccountable* quando
ocupamos lugares de chefia (a qualquer nível)? A cultura alimenta mentes
sensíveis e críticas, cultiva valores, mas pouco acontece se não houver um bom
fertilizador, ou seja, honestidade intelectual e consciência das
responsabilidades, pessoais e colectivas.
“As artes devem confortar o
perturbado e perturbar quem se sente confortável”, citou um fellow na
sua apresentação. E eu tive momentos lindíssimos de conforto e de perturbação
na semana que passou. No Domingo, visitei a exposição Revisions de Lalla Essaydi no National Museum of African Art. Essaydi projecta
no corpo feminino as suas reflexões sobre questões de género, cultura e
religião. A exposição inclui fotografias, pinturas e instalações; imagens
belas, refrescantes, provocadoras, sensuais. Na quinta-feira estreou no Kennedy
Center Giselle, com o Ballet de l´Opéra National de Paris, que está em
digressão nos EUA. Há muitos anos que não via este bailado. O segundo acto foi
de uma beleza indescritível.
*Accountability significa que quem desempenha funções
de importância na sociedade deve regularmente explicar o que anda a fazer, como
faz, por que faz, quanto gasta e o que vai fazer a seguir. Não se trata,
portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos, mas de auto-avaliar
a obra feita, de dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em
que se falhou. (Fonte: Wikipedia)
No comments:
Post a Comment