Fernando Birri (Foto retirada de www.extracine.com) |
Estou envolvida num
projecto europeu chamado CETAID – Community Exhibitions as Tools for Adult
Individual Development. Reúne parceiros de quatro países europeus: Hungria,
Reino Unido, Itália e Portugal. No mês passado, os parceiros reuniram-se pela
primeira vez em Manchester e Londres. Em três dias intensos de encontros, troca
de experiências e de ideias, tornou-se mais uma vez óbvia a grande distância
entre as práticas e preocupações actuais no Reino Unido e nos restantes países.
Muito frequentemente em encontros como este vejo expressões de frustração e
desespero nas caras das pessoas, às vezes acompanhadas de comentários de
auto-sarcasmo ou auto-lástima. Para os nossos colegas britânicos, as nossas
realidades foram as deles há 10 ou 20 anos (em alguns casos, há mais até…). Aquilo
que estamos ainda desesperadamente a tentar alcançar, eles fizeram-no há muito
tempo. Já o avaliaram, já o criticaram, já o desenvolveram mais.
Questão nº 1: Para
que serve juntar realidades que estão tão distantes entre elas? Para que serve
colocar à volta da mesma mesa instituições e profissionais com diferentes
visões, diferentes prioridades e diferentes meios?
Num segundo encontro
com a colega polaca que referi num post anterior, tivemos uma longa conversa sobre assuntos que
parecem ser comuns nos nossos países: uma visão relativamente curta para o sector
cultural (em alguns casos inexistente), falta de profissionais qualificados
(sobretudo no que diz respeito à gestão), falta de espaço para se discutir
ideias e abordagens novas, onde a maioria das pessoas parece sentir a
necessidade de lançar foguetes apenas porque as coisas acontecem, sem
considerar como é que deveriam ter acontecido e como pode e deveria ter sido
planeado o seu futuro (vale mesmo a pena ler o artigo de Inês Fialho Brandão Os museus da crise, sobre a anunciada criação de um novo museu
municipal em Peniche; mais uma vez, foi impressionante ver, na discussão que se
seguiu no Facebook, como as pessoas estão dispostas – talvez também
necessitadas – a lançar foguetes apenas porque uma câmara municipal teve esta
‘nobre’ ideia).
Questão nº 2: Os
profissionais da cultura que pensam diferente terão um lugar ou até um impacto num sector que parece ainda ser
bastante conservador, bastante amador, determinado em evitar qualquer tipo de
avaliação, e mais preocupado em arranjar garantias de bem-estar
pessoal/profissional em vez de servir os objectivos das instituições culturais
e cumprir as suas obrigações perante a sociedade?
Pensei muito em ambas
estas questões. E acho que estão relacionadas até.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano conta a história de uma conferência que ele e o seu amigo Fernando
Birri, o cineasta argentino, deram numa universidade.
Aparentemente, quando questionado por um estudante “Para que serve a utopia?”,
Birri respondeu: “A utopia está no horizonte… Sei muito bem que nunca a vou
alcançar… Mas é para isso que serve a utopia: para caminhar.”
As realidades que são muito
diferentes ou muito melhores ou muito distantes da nossa são esse género de
utopia que serve para continuar a caminhar. Inspiram-nos, fazem-nos querer ser
melhores, ajudam-nos a sonhar. Quando era mais nova, sentia-me frustrada por
não as poder alcançar, ou por não as alcançar suficientemente rápido. Aquilo
que aprecio hoje em dia quando as encontro é o conforto de saber que estão por
lá, existem, alguém as fez acontecer, nós também podemos.
Há momentos em que aquilo que no
dia anterior era uma utopia, no dia seguinte passa a ser realidade. Para se
tornarem realidade, essas ‘utopias’ precisam de pessoas que pensam diferente,
que têm uma visão, que são persistentes, que trabalham muito e que são boas
naquilo que fazem. Pode levar tempos e tempos até haver efectivamente uma
mudança, mas essas pessoas podem ter um impacto e têm um impacto. No entanto,
não conseguem fazê-lo sozinhas, especialmente quando são mais novas, pouco
conhecidas no seu meio profissional, quando não têm uma posição que lhes
permita tomar ou influenciar decisões. Por isso, precisam de identificar os
seus pares (e por ‘pares’ não quero dizer pessoas que pensam igual, quero dizer
pessoas que tem uma mente aberta, que estão abertas ao diálogo, que querem
fazer mais e melhor); precisam de criar o seu próprio espaço, a sua própria
plataforma de expressão e debate, para que a sua voz possa ser ouvida (e hoje
em dia conseguir um “gostei” e ser amplamente “partilhada”); precisam de se
apoiar uns aos outros para evitarem a exclusão e o isolamento; e assim nasce o
lobby da "ficção cultural”.
1 comment:
Totalmente de acordo. Cumprimentos, Ana Carvalho
Post a Comment