Workshop de Ricardo Lopes (Foto: Vasco Célio /Stills) |
As exposições blockbuster
atraem muitas pessoas e muita atenção. São consideradas acontecimentos únicos
na vida de alguém. Nos últimos doze meses, três tiveram particular destaque
nos meios de comunicação: Leonardo da Vinci: Painter at the Milan Court na National Gallery de Londres; a retrospectiva de Damien Hirst na Tate Modern (esteve aberta entre Abril e Setembro e quando encerrou era a
exposição individual mais popular na história do museu);
e houve ainda a exposição The Steins Collect: Matisse, Picasso and the parisianAvant-Garde no Metropolitan Museum of Art (apesar de, neste caso, a grande questão ter sido
o facto da exposição de moda Schiaparelli and Prada: Impossible Conversations, também no
Metropolitan, a ter ultrapassado em termos de afluência - ler aqui).
Por
ocasião da exposição de Leonardo, o jornal Guardian tinha lançado o debate “Are
blockbuster art shows worth queueing for?” (Vale a pena ficar na fila para exposições blockbuster?), onde a jornalista do
Observer Miranda Sawyer e o director da Royal Academy Charles Saumarez
Smith - defendendo o ‘não’ e o ‘sim’
respectivamente – discutiram se e como uma pessoa pode apreciar a arte numa
sala que está a abarrotar. Nessa altura, James Page acrescentou um elemento
mais interessante no debate, lembrando no seu blog que “a
discussão estava a revelar de várias formas, e não apenas em termos das
opiniões expressas pelos dois protagonistas, mas também como uma
tendência natural no sector cultural, o facto de se perguntar a si próprio como
é que os seus públicos pensam, sentem ou agem em vez de irem ter directamente
com os públicos em questão”.
As exposições blockbuster
levantam igualmente a questão da escala. E esta parece ser uma questão que
preocupa muito as pessoas, uma vez que, como cidadãos em geral e como
profissionais em particular, têm a tendência em se sentir pequenos – e por
‘pequenos’ querem dizer sem poder, sem capacidade de criar impacto.
Tenho pensado na questão da escala também, sobretudo nas ideias e nas acções que são provavelmente de uma
escala pequena ou média, mas que têm impacto e podem ainda fazer a diferença na
vida de outras pessoas – para além da nossa, claro. São as ideias e as acções
que estão ao nosso alcance, mas que podem na mesma contribuir para um todo
maior.
O
projecto “Lugares Mágicos” é uma iniciativa da Direcção Regional de Cultura do
Algarve. Junta sítios históricos e a criação artística contemporânea; torna-se
no ‘lugar mágico’ de um encontro entre artistas e jovens institucionalizados.
Mais concretamente, os artistas Maria Alcobia, Vasco Célio, Ricardo Lopes e
Miguel Cheta (respectivamente das áreas da dança, fotografia, cerâmica e
design), coordenados por Tânia Borges Nunes (Atelier Educativo), trabalharam
juntamente com os jovens e, inspirados na herança local, ensinaram-lhes as
técnicas da sua arte e juntos produziram peças lindíssimas.
Workshop de Maria Alcobia (Foto: Vasco Célio / Stills) |
No seguimento
da primeira edição, em 2010, houve uma publicação com textos escritos pelas
várias pessoas envolvidas. A segunda edição, em 2012, resultou numa jornada de
reflexão, no mês passado, que juntou mais uma vez as pessoas envolvidas e
deu-nos a oportunidade de conhecer o projecto em mais detalhe. Logo no começo,
aconteceu algo raro: representantes da área da cultura, da educação e da acção
social sentaram-se à volta da mesma mesa e elogiaram um projecto que,
acreditam, cumpriu um objectivo que lhes é comum (não é disso que se trata? não
deveria sempre ser assim?). O dia prosseguiu e, através de filmes, fotografias
e debates entendemos a enorme visão por trás deste projecto de escala algo
pequena.
Não
há dúvida que este projecto teve um impacto significativo nas vidas de todos os
envolvidos. Ao ouvi-los falar, apercebemo-nos que foi um processo de descoberta
e de inspiração e, em certos casos, uma experiência transformadora quanto às
percepções de ‘normalidade’ e ‘inclusão’. Neste sentido, parece que os objectivos
enunciados pela Directora Regional Dália Paulo – “potenciar olhares, diálogos e
experiências ao público-alvo, num exercício pleno de cidadania e “a cultura
[como] motor para uma mudança social” – tenham sido cumpridos. Senti apenas que
foi uma pena não termos ouvido a voz dos próprios jovens, não ouvimos a
história da sua participação e daquilo que esta significou para eles nas suas
próprias palavras (uma indicação que aquela tendência natural do sector
cultural britânico, de que falava James Page, ‘afecta’ de igual modo o sector
cultural português). Filomena Rosa, presidente de uma das instituições sociais envolvidas,
trouxe-nos algum feedback ao citar as jovens na sua apresentação: “Fotos na
cidade! Antes eu não ligava, eram pedras velhas, mas com as fotos aprendi” ou
“Aprendi que uma foto tem muito a dizer… Como uma paisagem que nos diz algo.
Com sentimentos”.
No meu comentário
final nesse dia, recordei a coreógrafa brasileira Lia Rodrigues – que não criou
o seu estúdio numa das favelas de Rio de Janeiro procurando resolver o problema
da pobreza ou da violência - e o
maestro Daniel Barenboim – que não criou a West-Eastern Divan Orchestra
esperando trazer a paz ao Médio Oriente (mais no meu post Lugares de Encontro).
A contribuição da Cultura não está, em primeiro lugar, relacionada com questões
como a pobreza, a violência, o crime, a saúde mental, a iliteracia, etc.
Artistas e profissionais da cultura em geral não procuram assumir o papel de
assistentes sociais, professores, políticos, polícias, padres ou médicos. A
Cultura, em primeiro lugar, tem a ver com o pensamento crítico, a auto-expressão
(verbal e não verbal), a criatividade, a sensibilidade; tem a ver com o ficar a
conhecer o ‘outro’. Neste sentido, quando tudo (cultura, educação, acção
social) se junta – num ‘lugar de encontro’ ou num ‘lugar mágico’ – acredito que
temos mais hipóteses de construir uma sociedade mais democrática, mais
tolerante, mais inclusiva; uma sociedade onde não vivemos em compartimentos e
não definimos o ‘outro’ pelas suas diferenças, mas simplesmente o vemos como um
outro ser humano (e não ‘especial’ ou ‘deficiente’ ou ‘diferente’ ou até
‘problemático’). “Lugares Mágicos” é o género de projecto que junta os
ingredientes necessários para que isto aconteça.
Workshop de Vasco Célio (Foto: Vasco Célio / Stills) |
Uma nota final:
recentemente estive por duas vezes no Algarve em encontros com profissionais da
cultura. Senti que há neles uma clara noção de propósito, há muita motivação e
empenho para a ‘causa’, há satisfação pelo que tem sido feito e vontade de
fazer mais. E tudo e todos apontam para a Directora Regional, a nossa colega
Dália Paulo. Não há dúvida para mim que é a sua visão, o seu profissionalismo,
os seus conhecimentos e capacidades que guiam e inspiram toda a equipa. A Dália
Paulo e os restantes colegas que conheci no Algarve trabalham à sua escala,
fazendo uma diferença blockbuster na vida das pessoas que habitam na
região. São os beija-flores (hummingbirds) de Wangari Maathai.
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