É
um grande prazer ouvir Simon Fairclough falar apaixonadamente tanto da música
clássica, como do seu trabalho. Simon é um jovem profissional, inteligente e
empenhado, que quer garantir que cada vez mais pessoas poderão descobrir e
desfrutar o prazer da música clássica. Neste post, analisa os problemas
que orquestras em todo o mundo enfrentam nos nossos dias e aponta para as
causas e possíveis caminhos a seguir. Entre eles, a necessidade de encontrar
novas formas de envolvimento com os públicos. mv
A Paixão de São Mateus de Bach 're-imaginada' para públicos mais novos, com a Orchestra of the Age of Enlightenment e um coro virtual. (Foto: Vocal Futures) |
As
orquestras estão em apuros. Basta
olharmos para recentes títulos dos jornais: America’s cash-strapped orchestras: Lamentoso; Melbourne scrambles to save Orchestra Victoria from the pit of despair; Tragedy strikes foremost South African orchestra.
As
notícias dos EUA têm sido particularmente sombrias. Bloqueios e greves têm atingido
várias orquestras americanas e em 2009 o déficit médio era $697.000. Quando
a poderosa Philadelphia Orchestra abriu falência, tornou-se claro que nenhuma orquestra era
demasiado grande ou excelente para falhar.
Mas isto não é de todo um problema
americano. A Orquestra Sinfónica da Radiotelevisão Espanhola anunciou
recentemente planos para reduzir os contratos dos músicos por um terço. Na
África do Sul, a Johannesburg Philharmonic fechou em Novembro, silenciada pelas suas dívidas. No Reino Unido, a Guildford
Philharmonic deu o seu concerto de despedida no mês
passado, após sete décadas em palco. Até na Alemanha, o Estado mais
generoso em relação às Artes, duas orquestras de rádio irão fundir-se para poupar dinheiro.
Estaríamos
tentados a assumir que a música orquestral é uma forma artística moribunda.
Mas, para cada conto de crise há um outro que nos lembra a sua vasta e
continuada atracção. Em 2011, a YouTube Symphony Orchestra tocou para 33 milhões de pessoas online — um dos maiores eventos de sempre do Google em live
streaming. A El Sistema de
Venezuela tem criado uma espécie de culto a nível internacional. Todos os anos,
durante dois meses no verão, multidões enchem o Royal Albert Hall para ouvir
orquestras a tocar nos Proms: 300.000 pessoas assistiram no ano passado. A
minha orquestra, a Academy of Ancient Music, encantou milhões de pessoas quando
tocou música de Handel nas celebrações do jubileu da Rainha Isabel II no verão
passado.
Porque,
então, há tantas orquestras em crise? Existem quatro factores-chave:
1.
A crise financeira
A crise
financeira tem tido um impacto particular nas orquestras, devido à sua
dependência de donativos. As receitas de bilheteira não são suficientes para
cobrir os custos da maioria das orquestras e a diferença que resulta entre
despesas e receitas – em alguns casos, 50% do total do volume de negócios –
precisa de ser coberta através de uma combinação de subsídios estatais, legados
e donativos de indivíduos, empresas e fundações. Nesta altura de dificuldades
financeiras, é mais difícil assegurar este género de financiamento.
2.
A ‘maldição
dos custos’
No
entanto, seria errado assumir que as dificuldades financeiras das orquestras
são puramente cíclicas. No longo prazo, a diferença entre receitas e despesas cresce.
A principal razão é um fenómeno económico chamado ‘a maldição dos custos’.
Enquanto na maioria das indústrias a produtividade aumenta com o passar do
tempo, a interpretação da Eroica de Beethoven precisa exactamente do
mesmo número de músicos e do mesmo tempo hoje em dia que há dois séculos.
Porque os salários dos músicos, cuja produtividade não tem aumentado, têm
subido ao longo do tempo de acordo com os de outros trabalhadores, o custo
relativo do concerto é muito maior hoje do que era na altura. Há duas maneiras
apenas para enfrentar a ‘maldição dos custos’: cortar na despesa ano após ano
ou aumentar a receita. A abordagem preferida tem sido tradicionalmente atrair
mais donativos, mas há já algum tempo que as orquestras não têm conseguido
grandes resultados: mesmo em 2005, antes da crise financeira, uma orquestra americana
média tinha um déficit anual de $193.000.
A Academy of Ancient Music foi aplaudida por milhões de pessoas nas celebrações do jubileu da Raina Isabel II. (Foto: Hilary Everett) |
3.
O desafio da relevância
Uma razão
para isso — e, provavelmente, a principal
razão porque tantas orquestras estão em crise – é que têm sustentado uma
relevância cada vez menor para o mundo contemporâneo. O sucesso de El Sistema e
da YouTube Symphony demonstra que a música em si tem uma atracção universal,
mas os concertos tradicionais apresentam-na numa embalagem arcana datada no
século XIX. O público encontra-se num silêncio escurecido. Os músicos vestem
gravata branca e fraque – um código de vestuário antiquado, dispensado até pela
família real há quase um século. A fotografia é frequentemente proibida; avisos
pouco simpáticos dão instruções ao público para não tossir; e existem regras
não escritas relativamente aos momentos em que se pode aplaudir. A experiência
parece esotérica e dissuade muitas pessoas. À medida que os públicos têm
diminuído e
envelhecido, tem-se
tornado mais difícil vender bilhetes, mas também persuadir novas gerações de filantropos
e os decisores do sector público que as orquestras merecem o subsídio
significativo que necessitam.
4.
Novos padrões de consumo via media
Recentemente
surgiu um quarto desafio: o desaparecimento da indústria tradicional de
discografia (o principal parceiro de marketing para muitas orquestras), e o
aumento associado da tecnologia Internet. As vendas de álbuns de música
clássica baixaram 20,5% entre 2011 e 2012. As gravações, que tradicionalmente geravam dinheiro
assim como reputação para as orquestras, necessitam agora de um subsídio elevado.
Menos ainda estão a ser feitas. No entanto, a procura de conteúdos orquestrais
gravados não tem diminuído (como vimos, 33 milhões de pessoas ligaram-se para
ouvir o concerto da You Tube Symphony). Simplesmente, as pessoas esperam
consumi-los de outra forma. A maioria das orquestras está ainda nos primeiros
estádios de percepção destas alterações profundas nos padrões de consumo
através dos media – e estão ainda mais longe de encontrar maneiras de
rentabilizar novos canais de distribuição. Mas se pretendem manter os seus
conteúdos disponíveis no século XXI, devem adoptar as inovações da indústria
mais alargada de entretenimento.
A nova applicação iPad da Philharmonia Orchestra. (Foto: Touch Press) |
Olhando
para a frente
Os que se
preocupam com o futuro da música orquestral podem encontrar algum conforto no
facto das suas preocupações não serem novas. Mesmo em 1903, o New York Times
noticiava que “A temporada orquestral tem sido financeiramente má em todo o
país… há sempre um déficit para o qual os filantropos são chamados a pagar.”.
Desde aquela altura até hoje, as orquestras têm inovado para sobreviver e
muitas continuam a fazê-lo hoje em dia.
Durante
três meses este verão, a Academy of Ancient Music fará uma residência na
National Gallery de Londres. Os nossos concertos de hora a hora irão dar vida
aos quadros da exposição Vermeer and Music para milhares de visitantes.
Estamos também a experimentar online: mais de 1,5 milhões de pessoas no
ano passado ouviram faixas da nossa música através do nosso AAMplayer. Os nossos colegas da Orchestra of the Age of Enlightenment trabalharam recentemente com Vocal Futures e re-imaginaram, com recurso a
multi-media, A Paixão de São Mateus de Bach, procurando atrair públicos
mais novos. A River Oaks Chamber Orchestra promete uma ‘experiência multi-sensorial’: os músicos misturam-se
informalmente com o público; um programa de baby-sitting tem lugar durante os
concertos para famílias às 17h; e ‘provas de música’ regulares permitem ao
público desfrutar de música enquanto provam vinhos. O projecto Re-rite da Philarmonia Orchestra permite ao público ‘dirigir, tocar
e entrar no interior da orquestra’ através de projecções sofisticadas de áudio
e vídeo e a orquestra lançou recentemente uma aplicação iPad inovadora.
Ninguém
encontrou ainda todas as respostas. Mas estes e outros inovadores levam-nos a
quatro importantes conclusões:
· A excelência artística continua a ser um
pré-requisito, mas não é suficiente;
· Ao distanciarem a música da sua embalagem datada
no século XIX, as orquestras tornam-se interessantes para um público mais
vasto, como os 33 milhões de pessoas que ouviram o concerto da You Tube
Symphony online;
· As orquestras que inovam com recurso a novos media
têm melhores hipóteses de chegar a um mercado mais vasto e criar um perfil para
elas próprias e para os seus músicos no mundo da indústria pós-discos;
· A combinação certa de excelência artística,
relevância contemporânea e perfil pode ajudar as orquestras a enfrentar os seus
desafios financeiros gerando mais receitas e inspirando maiores níveis de apoio
da parte de financiadores públicos e privados.
Simon Fairclough é Responsável de Fundraising na Academy of Ancient Music. Em cinco anos, conseguiu aumentar em 500% os
donativos e assegurou pela primeira vez na história da orquestra o apoio
regular do Arts Council. Desde 2005, tem sido presidente do programa de música
extra-curricular da Universidade de Cambridge, onde duplicou o número de ensembles
apoiados, nomeou Sir Roger Norrington como Maestro Convidado Principal e
transformou o programa artístico através de colaborações com Sir Richard
Armstrong, Sir Colin Davis, Sir Mark Elder, Sir Peter Maxwell Davies, Libor
Pesek e Bryn Terfel, entre outros. É Fellow no Kennedy Center em Washington.
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