Monday, 20 May 2013

Blogger convidado: "O 'Hungaricum' genuino", por Angéla Hont (Hungria)


O evento que marcou definitivamente a minha primeira visita à Budapeste foi a experiência na casa de dança. Ver pessoas de todas as idades, mas sobretudo pessoas jovens, a divertirem-se num Sábado à noite tocando, cantando e dançando a música popular do seu país foi algo que nunca antes tinha visto. Foi a energia, o prazer, o orgulho, a alegria que esta experiência envolve que a tornou tão especial para mim. E também a possibilidade de fazer parte, de ser levada para a dança de roda, de tentar apanhar os passos e divertir-me na festa na companhia dos locais. A minha amiga e colega Angéla Hont está apaixonada pela cultura popular do seu país. Como Responsável de Marketing do Hungarian Heritage House, tem a possibilidade de trabalhar na promoção desta herança valiosa, nacional e internacionalmente (o Smithsonian Folklife Festival este verão em Washington irá celebrar a herança húngara e a Angéla estará lá). Neste post apresenta-nos o movimento das casas de dança e partilha um pouco da sua paixão connosco. mv

Foto: Hungarian Heritage House
Faço parte do movimento das casas de dança desde os 6 anos. É natural para mim que isto faça parte da minha vida profissional e do meu tempo de lazer; estimula-me fisicamente e espiritualmente. Não sou a única pessoa que vive desta forma. Milhares de pessoas em Budapeste e em toda a Hungria, mas também nos países vizinhos e em todo o mundo (da Austrália à América Latina) partilham este sentimento.

Mas porque é que isto seria importante para aqueles que não fazem parte desta sub-cultura? Para aqueles que visitam a Hungria como turistas ou para fazer negócios? Para aqueles que, quando exploram um país novo, procuram as suas características genuínas e únicas? Para aqueles que gostam de identificar uma nação com coisas que são típicas apenas para os locais?

Senhoras e Senhores, porque esta é a especialidade única da Hungria. Todos os Húngaros podem sentir-se orgulhosos dela e todos os estrangeiros podem aprendê-la. A casa de dança e o respectivo movimento são uma verdadeiro Hungaricum.

Quando se fala da Hungria e dos húngaros com um estrangeiro, surge uma série de estereótipos, da paprica aos spas, dos laureados com o prémio Nobel à vista do Danúbio com o Parlamento, do goulasch à puszta, do pão com sementes de papoila (mákos guba) às mulheres mais bonitas do mundo, da palinka à porcelana Herend, de Puskás a Bartók e Imre Kertész. Mas, sejamos sinceros, apesar de acharmos que todas estas coisas, vidas e resultados são excepcionais e merecem ser ditos ao mundo, nenhum deles é realmente único. Edifícios especiais, comida, produtos, vistas bonitas e pessoas podem ser encontrados em qualquer país, apenas mudam de nome: jalapeño, Grand Canyon, Taj Mahal, Ronaldo, Michelangelo, Mar Morto ou porcelana Meissen.

Antes de explicar porque é que a casa de dança é tão especial, vejamos sucintamente a sua história, para aqueles que não conhecem este fenómeno único.

A primeira casa de dança foi organziada em Budapeste a 6 de Maio de 1972, na sala de banquetes do Clube de Livros na Praça Liszt Ferenc, com o contributo de quatro grupos de danças populares e alguns etnógrafos profissionais. À primeira vista, o resultado pode parecer pobre, dadas as múltiplas vertentes da nossa cultura popular que foram refinadas ao longo dos séculos. Mesmo assim, é importante dizer que nada disto teria acontecido sem tudo o que se passou nos quase cem anos que antecederam esse momento: da primeira gravação em fonógrafo de canções populares por Béla Vikár (1896), às mundialmente conhecidas obras de Bartók e Kodály, o movimento Gyöngyös Bokréta (Ramo de Pérolas; ver aqui) nos anos 30 e 40, à investigação da dança popular feita por György Martin e os seus colegas. Finalmente, no início dos anos 70, um grupo de jovens da cidade teve a oportunidade de participar numa ”casa de dança” em Sic (Roménia) e de se maravilhar com o ambiente tão especial de uma festa com autêntica música e dança ao vivo, baseada na improvisação, mas, mesmo assim, rigorosamente regulada. Desejando partilhar esta experiência com os seus amigos, os jovens organizaram a primeira casa de dança. Tendo sido inicialmente, por razões políticas, eventos privados, as casas de dança abriram ao público no ano seguinte. Desde aí, qualquer pessoa podia ir às casas de dança em Budapeste e, dentro de alguns anos, em todo o país. Uma década depois, em 1982, foi organizada o primeiro Festival e Feira Nacional de Casas de Dança, um desfile de música, dança e artesanato popular. Para manter os altos padrões e um repertório bastante amplo, houve um aumento da pesquisa em torno da música e da dança popular. Desde as mudanças políticas de 1989, até as mais remotas aldeias na bacia dos Cárpatos podem oferecer a possibilidade de encontrar residentes idosos que não cresceram sob os efeitos da globalização. Houve uma explosão de grupos de danças populares e os seus membros espalharam-se em cada vez mais regiões. Tanto que, hoje em dia, os estilos de dança não se distinguem por região mas por aldeia ou até pelos seus intérpretes.

A educação para a música popular conheceu também um grande ímpeto, uma vez que as casas de dança precisavam de músicos e de bandas de música popular que poderiam tocar ao longo da noite a música de várias regiões. Hoje em dia, pode-se aprender a música e a dança popular desde a primária até à universidade. Dezenas de campos de música popular (nota da tradutora: uma espécie de campos de férias) oferecem a possibilidade de mergulhar na música, no artesanato e nas danças de regiões específicas (de acordo com o website da casa de dança Guild, em 2013 existe uma oferta de 60 campos de arte popular húngara). Ao longo do tempo, foram criadas várias instituições e organizações em todo o país associadas ao movimento das casas de dança (por exemplo, Folk Dance Resource Centre, 1981; Union of Hungarian Folk Art Associations, 1985; “Heritage” Children’s Folk Art Association, 1990). Em 2001, foi fundado o Hungarian Heritage House, uma entidade ligada ao Ministério da Cultura. O potencial de construção de comunidade que as casas de dança oferecem está provado. Várias gerações juntam-se hoje em pubs e centros culturais onde são regularmente organizadas casas de dança, não só em Budapeste, mas em toda a Hungria. Além disto, casas de dança são organizadas em toda a bacia dos Cárpatos, e também no Japão, nos EUA, na Austrália ou na Inglaterra.

Antes do movimento ficar estigmatizado como nacionalista, devemos dizer que outros grupos étnicos na Hungria (Eslavos, Gregos, Búlgaros) rapidamente adoptaram este método e começaram a organizar as suas próprias casas de dança. Por outro lado, as casas de dança húngaras apresentam o verbunk húngaro da região de Szatmár, mas também danças romenas de Méhkerék, no sudeste, as danças de roda csángó da Moldávia, ou danças ciganas de Nagyecsed.

A casa de dança e o método sobre ela construído – o método de aplicar a herança rural na sociedade do século XXI – tem sido um sucesso; outros países adoptaram esta prática de cultura húngara, que serviu também como modelo para o movimento de casas de dança eslovaco. O método húngaro da casa de dança faz parte do Registo de Melhores Práticas de Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da UNESCO, servindo assim como modelo a outras nações para a preservação da sua herança cultural num mundo moderno.

Foto: Hungarian Heritage House
E afinal, o que é uma casa de dança? Casa de dança é um espaço cultural onde profissionais e amadores, os mais velhos e os mais novos, têm a possibilidade de dançar danças autênticas ao som de música popular ao vivo e de festejar à moda dos seus antepassados, variando passos que foram refinados de geração em geração, desenvolvendo uma cultura popular estritamente regulada, mas sempre à medida do indivíduo. Os que não conhecem estas danças não devem ficar com medo, uma vez que, numa verdadeira casa de dança, um professor de dança ensina os passos aos principiantes de modo que, num curto espaço de tempo, possam criar a sua própria dança a partir destes passos. 

Hoje em dia, quando em todo o mundo as crianças vêem os mesmos filmes de animação, os adolescentes adoram as mesmas estrelas pop, ouvem os mesmos hits, jovens (e menos jovens) mulheres procuram inspiração nas mesmas revistas de moda e consideram como seus ideais os mesmos modelos, pessoas lêem os mesmos livros e vêem os mesmos filmes, é uma conquista muito especial que em certos lugares há jovens que se divertem ao som da sua própria música e dançam com a sua alma.

Desejo que, se vierem à Hungria, possam levar esta experiência e sentimento para casa convosco.



Angéla Hont trabalha no Hungarian Heritage House, um instituto cultural governamental fundado em 2001 com o objectivo de cultivar e promover a tradição popular da bacia dos Cárpatos. Como Responsável de Marketing e Vendas, estabelece cooperações institucionais, gerindo uma grande variedade de programas e actividades de marketing. Colabora ainda na preparação de comunicados de imprensa, nas relações públicas, e trabalha na programação do Hungarian State Folk Ensemble, e na programação paralela do Teatro. É Fundadora e Secretária do Grupo de Amigos do Hungarian Heritage House. Tem um mestrado em Estudos Internacionais pela Universidade Corvinus de Budapeste (antes conhecida como Universidade de Economia de Budapeste) e outro em Etnografia da Universidade Eötvös Lorand. Aos 6 anos, começou a dançar no Bihari János Folk Dance Ensemble, um dos melhores grupos de dança não-profissionais da Hungria.

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