Gay Jazz Festival, Filadélfia (Foto: Bruno Bollaert, retirada do Examiner) |
Em Maio passado, o
magazine Philly anunciou que ia ser feita História com a organização do primeiro Gay Jazz Festival
nos EUA. O anúncio intrigou-me. Pareceu-me que a História estava provavelmente
a dar um passo atrás. Visitei o website do William Way LGBT
(Lesbian-Gay-Bisexual-Transgender) Community Center que ia receber este evento – e estou a citar -
“revolucionário” e procurei mais informações. Lia-se: “Filadélfia tem uma
tradição como uma grande cidade da música. Somos também uma cidade que afirma
as vidas das pessoas LGBT. A organização do primeiro LGBT jazz festival na América
do Norte oferece a oportunidade de apresentarmos a rica e vibrante cultura da
nossa cidade. (…) O festival marcará o fim do ciclo anual de música do William
Way LGBT Community Center e irá destacar a intersecção entre a orientação
sexual e a identidade de género dentro da comunidade do jazz.”
Acredito que um
princípio importante no encontro com outras pessoas, outras culturas, é ouvir
primeiro as próprias pessoas, tentar conhecê-las e entendê-las melhor; os seus
pensamentos, as suas experiências de vida, as suas sensibilidades, as suas
necessidades e convicções. Assim, estou certa que o Centro deve ter tido uma
ideia muito clara sobre a necessidade de um gay jazz festival, mas mesmo assim,
mesmo depois de consultar o seu site, não era claro para mim porque é que uma
iniciativa como esta havia de ser considerada “visionária”. Porque é que músicos de jazz gay precisam de um gay
jazz festival para apresentarem o seu trabalho? Isto ajudaria a sensibilização
sobre os direitos das pessoas LGBT? Seria porque não lhes é normalmente dado
espaço nos festivais de jazz organizados nos EUA e no estrangeiro? Porque é que
o objectivo de um festival de música deveria ser destacar “a
intersecção entre a orientação sexual e a identidade de género dentro da
comunidade do jazz” (e como é que isto seria feito?) e não simplesmente os
artistas e a sua música?
Faço muitas vezes estas mesmas
perguntas em relação aos artistas com deficiência. As pessoas que com eles
trabalham e as associações que os representam dizem que normalmente não vêem o
seu trabalho apresentado nos habituais festivais ou como parte da programação
dos espaços culturais em geral. O seu trabalho é considerado de inferior
qualidade e muitas vezes, quando um espaço programa um espectáculo ou uma
exposição, considera que já cumpriu as suas obrigações para com os artistas com
deficiência e não é necessário mais ao longo da temporada. Está é, sem dúvida,
uma realidade. Mas estaremos a avançar e estaremos de alguma forma a resolver o
problema organizando festivais ou exposições “especiais” de artistas com
deficiência?
Michelle Ryan, "Intimacy", Unlimited 2014 (imagem retirada do website do Unlimited) |
Entre 2 e 7 de Setembro houve mais uma edição do festival
Unlimited em Londres, um grande evento, com encomendas especialmente feitas para serem aí
apresentadas. Um evento que “celebra a visão artística e a originalidade dos
artistas com deficiência”. Num país como o Reino Unido, que, comparado com
outros, já deu vários passos necessários no sentido do respeito dos direitos
das pessoas com deficiência, qual é o papel de um festival como o Unlimited
hoje em dia?
Entre 13 de Setembro e 15 de Outubro, o Musée de Grenoble
organiza o Mês da Acessibilidade. Lê-se
no website que o museu convida as pessoas com deficiência a descobrir as suas
exposições e actividades ao longo do ano, disponibilizando a ajuda necessária.
Sendo assim, qual o objectivo deste mês “especial”?
Considerando estas e outras iniciativas, pergunto-me quem é
que assiste a estes festivais, exposições, actividades e o que é que acontece
depois? Será que atraem apenas os já “convertidos” ou um público mais amplo?
Serão os artistas gay ou negros ou com deficiência mais reconhecidos como
artistas pelo sector e pelo público? Estaremos a seguir em direcção a uma
representação inclusiva, onde serão vistos em primeiro ligar como artistas, ou
os curadores e o público vão na mesma para assistir a algo “especial”,
circunscrito num tempo e espaço específico, um tempo e um espaço “próprio”?
Ajudam-nos estes festivais a aprender a preocupar-nos mais e mais com a arte e
menos e menos com o “resto”?
Já escrevi no passado sobre a promoção de espectáculos que
envolviam artistas com deficiência onde o público não foi “avisado” deste
facto. As pessoas compraram os seus bilhetes, viram o espectáculo, podem ou não
ter sentido algum desconforto e algumas acabaram agradavelmente surpreendidas
com a qualidade do que tinham acabado de ver. Não terá sido este um passo em
frente? Um passo no sentido de aprender que “o resto” não fazia, realmente,
diferença? E o nosso objectivo – o objectivo dos artistas, programadores,
curadores, profissionais da educação e da comunicação, associações de pessoas
com deficiência – não devia ser trabalhar no sentido de tornar a diferença
“mainstream”?
Quando li o livro “Museums and Migration” (ed. Laurence
Gouriévidis) este verão, gostei de ver que este tinha sido o princípio seguido
em algumas exposições de museus em países como o Canadá, a Austrália ou o Reino
Unido, países com altos níveis de imigração e que conheceram por vezes
estratégias governamentais que tinham como objectivo lidar com “a tensão entre
o reconhecimento de uma sociedade culturalmente diversa e a necessidade de
articular uma identidade nacional que projecta uma nação culturalmente coesa”
(Mary Hutchison and Andrea Witcomb, p.228). Estes museus foram além do festival
étnico, da Semana da China – Índia – Paquistão – Nigéria – Bolívia, etc. (que
normalmente focam a música e a comida), e procuraram formas de tornar as
histórias das comunidades migrantes parte da história nacional e de promover
“sentimentos positivos em relação a pessoas que se sentem em casa entre
culturas diferentes e a ideia que pessoas em várias partes do mundo vivem no
seio de culturas que já são transnacionais, cosmopolitas e que se caracterizam
por um hibridismo cultural” (Kylie Message, p. 60).
Penso que esta é a
forma de ir para a frente; é deixar de chamar a atenção para a diferença e
tornando-a parte da história. Já citei uma vez Morgan Freeman que considera o
Mês da História Negra “ridículo”, recusando-se a ver a sua história reduzida a
um mês, e que, quando lhe perguntaram “Então, como é que nos vamos ver livres
do racismo?”, respondeu simplesmente: “Parem de falar nele!”. Precisamos ainda
de meses-festivais-feiras-espectáculos de gays, negros, deficientes? Talvez,
sim, precisemos ainda, não o nego. Mas temos também um plano para ir um passo
mais além?
Mais neste blog
O começo e ofinal de uma semana a p&b em Viena
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5 comments:
Maria, há muitos gays, há muitos negros, e há muitas pessoas deficientes que preferem auto-excluirem-se porque acreditam que pertencem a culturas diferentes... É como os Dias Internacionais das Mães, dos Pais, das Avós e dos Avôs, das Crianças, da Mulher, etc., etc., dos Namorados e das Namoradas. Esses dias são todos os dias!
Pessoalmente acho muito aborrecido haver esses dias (também há semanas) temáticas. É como o Natal... o espírito natalícia deve ser quando quisermos! :D
Também acho muito aborrecidos esses dias, Rita :-) Muito mesmo! No entanto, queria esclarecer que não estou a defender uma mono-cultura. Existe uma (ou várias) culturas gay, negras, etc. etc. Quando passarão a "fazer parte" em vez de serem apresentadas "à parte"? É esta a minha questão principal.
Quero só esclarecer que concordo contigo!
E eu contigo :-)
tão bom e tão verdade.
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