Thursday, 4 June 2015

Algo está a acontecer em Évora


A lona no exterior do Fórum Fundação Eugénio de Almeida (FEA) em Évora fez-me sorrir… “Como é o museu com que sonha?” é uma espécie de promessa ou de convite para reflexão e diálogo.

Parece que é mesmo isso que o FEA e a curadora Filipa Oliveira procuram: “(…)o início de um caminho e de uma nova relação que o FEA quer estabelecer com a cidade de Évora e com o país; (…) uma reflexão programática do FEA em torno do dilema de como articular a singularidade e a especificidade do contexto local com o pensamento e os desafios da criação artística contemporânea internacional.”

A exposição que vou visitar chama-se “O Museu a Haver”. Citando novamente a curadora: “Uma exposição-manifesto. O ‘Museu a Haver’ é exactamente isso: uma declaração de princípios. E declara-os não enunciando uma lista, mas antes, partindo de uma série de perguntas que possam ajudar a reflectir sobre o lugar e importância de espaços como o FEA, hoje em dia. ‘Para que serve a arte e as exposições? Para que servem os curadores? Para que servem os museus? Como é que nós, enquanto público, nos relacionamos com esta entidade? Desejamo-la? Sentimos a sua falta? Queremos o museu que nos é devido ou aquele que nos é dado? E para quê queremos este museu? Que lugar queremos que este museu que sonhamos tenha na nossa comunidade?’ (…)”

Adorei! Adorei o posicionamento, adorei as interrogações, adorei – sim, sim, sim! – a forma simples, acessível - e não por isso menos inteligente ou conhecedora - como Filipa Oliveira procura comunicar com os visitantes. Este não é o momento de ela se exibir, de tentar impressionar-nos (ou afastar-nos…) com frases longas e de construção complexa, com palavras rebuscadas que juntas numa frase não transmitem nenhum significado e com referências a nomes que poucos entre os visitantes conhecerão. A curadora não procura pôr o visitante comum (o visitante não especialista) ‘no seu lugar de ignorante’. Procura envolvê-lo, partilhar a sua reflexão e comunicar com ele.

Dito tudo isto, penso, no entanto, que esta tentativa de novo posicionamento, de envolvimento e de promoção da reflexão conjunta e do diálogo precisa ainda de ser pensada em alguns dos seus pormenores, para poder corresponder às expectativas do FEA, da curadora e também dos visitantes.

Vejamos como decorreu a minha visita:

Yona FriedmanMuseu de Rua (2008-2015)
Depois do sorriso inicial provocado pela lona, aproximo-me do edifício. Ainda no exterior, encontra-se uma peça intitulada “Museu de Rua” de Yona Friedman (“Caixas de acrílico, objectos da comunidade”, lê-se na tabela). Numa das caixas, as pessoas escreveram “O nosso museu” e “O melhor museu de Évora!”. Há objectos (os tais da comunidade?), como garrafas de vinho vazias da Fundação Eugénio de Almeida arrumadas numa caixa. Há muito lixo também. Haverá algum significado nisto ou não houve limpeza? Fico perplexa…

Entro no Fórum e na recepção é-me entregue uma brochura de várias páginas sobre a exposição “O Museu a Haver”, que coloco na minha mala para ver depois. Para já, quero visitar a exposição. Olho à minha volta e não sei para onde me hei-de dirigir, nenhuma indicação. Entro numa sala que não é a da exposição que procuro. Saio e começo a subir as escadas. Na parede, uma afirmação: “O museu é uma escola. O artista aprende a comunicar. O público aprende a fazer ligações.” Não gosto, não concordo. Depois de nos perguntarem como é o museu com que sonhamos, porque é que fazem uma afirmação destas…?

Luis Camnitzer, O Museu é uma Escola (2009-2015)
Chego ao primeiro andar. Aqui está uma exposição, sim, mas não sei se é aquela que procuro, não está identificada. Um senhor simpático, devidamente identificado, apresenta-se como voluntário e coloca-se ao dispor, se precisarmos de algo. Confirma que esta é a exposição “O Museu a Haver”. A partir daí, e em grande parte da exposição, fica sempre ao pé, dá explicações e antecipa momentos. Não precisávamos disto...

Nas salas e em relação às obras expostas, a abordagem é a habitual: tabelas com o nome do artista, o titulo da peça, os materiais de que é feita. Na maioria dos casos, fico na mesma. Nunca sonho com um museu assim, mas é o museu que normalmente encontro…

Carlos Garaicoa, Draft City (2011). Madeira, lápis aguarela, plexiglass, metal.

Estou sentada numa sala escura, onde é projectado o filme de uma performance. Num determinado momento, e porque estou sentada, lembro-me da brochura na minha mala. Procuro-a, abro-a e…. revelação! Textos, contextos, tudo aquilo que senti que precisava e que teria esperado encontrar nas paredes da exposição, está aqui, na minha mão! As coisas começam a ganhar significado, inclusivamente a instalação no exterior do museu ou a afirmação que me incomodou ao subir as escadas. Sinto-me mais orientada, mais preparada para poder reflectir sobre o que está exposto. Tal como no museu dos meus sonhos…

Não me informaram na recepção sobre o objectivo da brochura, foi pena. E se o objectivo é, realmente, fornecer a informação necessária ao longo da visita, considerando a extensão dos textos (ainda por cima, sem distinção entre o português e o inglês, o que nos leva a pensar que temos o dobro para ler), seria preciso haver mais assentos nas salas e em locais onde fosse possível ler e ver as obras ao mesmo tempo. O ideal seria que estes textos (bem escritos e, no geral, acessíveis em termos de compreensão) tivessem sido trabalhados de forma a serem mais sucintos e colocados na parede, ao lado das obras.

Clicar na imagem para aumentar.

É nesta brochura que encontramos também o texto de introdução assinado por Filipa Oliveira, que citei no início. Sentimos alguma estranheza com o facto da curadora tratar o visitante por ‘tu’. Não é habitual em Portugal e não é coerente com a pergunta na lona no exterior (e na contra-capa desta mesma brochura), onde encontramos o habitual tratamento por ‘você’. Ficámos ainda a sentir que a pergunta, a tal pergunta que provocou um sorriso e que parecia enunciar um diálogo e uma reflexão conjunta, é, provavelmente, uma pergunta retórica. A própria curadora diz-nos neste texto com que museu devemos sonhar: “[um museu que se debruça] sobre muitas das questões que é essencial começar a reflectir: participação, partilha, diversidade, problematização, comunidade, criação de novas histórias e novos modos de olhar”. Não discordo, antes pelo contrário. Mas, se a pergunta na lona fosse sincera, este seria o momento da curadora, em vez de afirmar, assumir que este é o museu com o qual ela sonha e que este seu sonho pode ou não ser partilhado pelos visitantes, que está disposta a discuti-lo.

São pormenores estes que aqui expus que fizeram com que a experiência na exposição “O Museu a Haver” não correspondesse plenamente à expectativa criada. Mas algo, sem dúvida, está a acontecer em Évora. A reflexão que Filipa Oliveira partilha connosco, a forma como a comunica, a exposição e a programação paralela que não se limitam ao FEA, mas que se desenvolvem noutros pontos da cidade de Évora - são, parece-me, os ingredientes certos para se conseguir o posicionamento enunciado. Procurarei estar atenta. Será com muito prazer, curiosidade e expectativa que irei acompanhar este percurso do FEA, que poderá vir a ser o museu com que eu sonho.

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