A lona no exterior do Fórum Fundação Eugénio de Almeida (FEA) em
Évora fez-me sorrir… “Como é o museu com que sonha?” é uma espécie de promessa
ou de convite para reflexão e diálogo.
Parece que é mesmo isso que o FEA e a curadora Filipa Oliveira procuram: “(…)o início de um caminho e de uma nova relação que o FEA quer estabelecer com a cidade de Évora e com o país; (…) uma reflexão programática do FEA em torno do dilema de como articular a singularidade e a especificidade do contexto local com o pensamento e os desafios da criação artística contemporânea internacional.”
Parece que é mesmo isso que o FEA e a curadora Filipa Oliveira procuram: “(…)o início de um caminho e de uma nova relação que o FEA quer estabelecer com a cidade de Évora e com o país; (…) uma reflexão programática do FEA em torno do dilema de como articular a singularidade e a especificidade do contexto local com o pensamento e os desafios da criação artística contemporânea internacional.”
A exposição que vou visitar chama-se “O Museu a Haver”.
Citando novamente a curadora: “Uma exposição-manifesto. O ‘Museu a Haver’ é
exactamente isso: uma declaração de princípios. E declara-os não enunciando uma
lista, mas antes, partindo de uma série de perguntas que possam ajudar a
reflectir sobre o lugar e importância de espaços como o FEA, hoje em dia. ‘Para
que serve a arte e as exposições? Para que servem os curadores? Para que servem
os museus? Como é que nós, enquanto público, nos relacionamos com esta
entidade? Desejamo-la? Sentimos a sua falta? Queremos o museu que nos é devido
ou aquele que nos é dado? E para quê queremos este museu? Que lugar queremos
que este museu que sonhamos tenha na nossa comunidade?’ (…)”
Adorei! Adorei o posicionamento, adorei as interrogações,
adorei – sim, sim, sim! – a forma simples, acessível - e não por isso menos
inteligente ou conhecedora - como Filipa Oliveira procura comunicar com os
visitantes. Este não é o momento de ela se exibir, de tentar impressionar-nos
(ou afastar-nos…) com frases longas e de construção complexa, com palavras
rebuscadas que juntas numa frase não transmitem nenhum significado e com
referências a nomes que poucos entre os visitantes conhecerão. A curadora não
procura pôr o visitante comum (o visitante não especialista) ‘no seu lugar de
ignorante’. Procura envolvê-lo, partilhar a sua reflexão e comunicar com ele.
Dito tudo isto, penso, no entanto, que esta tentativa de
novo posicionamento, de envolvimento e de promoção da reflexão conjunta e do
diálogo precisa ainda de ser pensada em alguns dos seus pormenores, para poder
corresponder às expectativas do FEA, da curadora e também dos visitantes.
Vejamos como decorreu a minha visita:
Yona Friedman, Museu de Rua (2008-2015) |
Depois do sorriso inicial provocado pela lona, aproximo-me
do edifício. Ainda no exterior, encontra-se uma peça intitulada “Museu de Rua”
de Yona Friedman (“Caixas de acrílico, objectos da comunidade”, lê-se na
tabela). Numa das caixas, as pessoas escreveram “O nosso museu” e “O melhor
museu de Évora!”. Há objectos (os tais da comunidade?), como garrafas de vinho
vazias da Fundação Eugénio de Almeida arrumadas numa caixa. Há muito lixo
também. Haverá algum significado nisto ou não houve limpeza? Fico perplexa…
Entro no Fórum e na recepção é-me entregue uma brochura de
várias páginas sobre a exposição “O Museu a Haver”, que coloco na minha mala
para ver depois. Para já, quero visitar a exposição. Olho à minha volta e não
sei para onde me hei-de dirigir, nenhuma indicação. Entro numa sala que não é a
da exposição que procuro. Saio e começo a subir as escadas. Na parede, uma
afirmação: “O museu é uma escola. O artista aprende a comunicar. O público
aprende a fazer ligações.” Não gosto, não concordo. Depois de nos perguntarem
como é o museu com que sonhamos, porque é que fazem uma afirmação destas…?
Luis Camnitzer, O Museu é uma Escola (2009-2015) |
Chego ao primeiro andar. Aqui está uma exposição, sim, mas
não sei se é aquela que procuro, não está identificada. Um senhor simpático,
devidamente identificado, apresenta-se como voluntário e coloca-se ao dispor,
se precisarmos de algo. Confirma que esta é a exposição “O Museu a Haver”. A
partir daí, e em grande parte da exposição, fica sempre ao pé, dá explicações e
antecipa momentos. Não precisávamos disto...
Nas salas e em relação às obras expostas, a abordagem é a
habitual: tabelas com o nome do artista, o titulo da peça, os materiais de que
é feita. Na maioria dos casos, fico na mesma. Nunca sonho com um museu assim,
mas é o museu que normalmente encontro…
Carlos Garaicoa, Draft City (2011). Madeira, lápis aguarela, plexiglass, metal. |
Estou sentada numa sala escura, onde é projectado o filme de
uma performance. Num determinado momento, e porque estou sentada, lembro-me da
brochura na minha mala. Procuro-a, abro-a e…. revelação! Textos, contextos,
tudo aquilo que senti que precisava e que teria esperado encontrar nas paredes
da exposição, está aqui, na minha mão! As coisas começam a ganhar significado,
inclusivamente a instalação no exterior do museu ou a afirmação que me
incomodou ao subir as escadas. Sinto-me mais orientada, mais preparada para
poder reflectir sobre o que está exposto. Tal como no museu dos meus sonhos…
Não me informaram na recepção sobre o objectivo da brochura,
foi pena. E se o objectivo é, realmente, fornecer a informação necessária ao
longo da visita, considerando a extensão dos textos (ainda por cima, sem
distinção entre o português e o inglês, o que nos leva a pensar que temos o
dobro para ler), seria preciso haver mais assentos nas salas e em locais onde
fosse possível ler e ver as obras ao mesmo tempo. O ideal seria que estes
textos (bem escritos e, no geral, acessíveis em termos de compreensão) tivessem
sido trabalhados de forma a serem mais sucintos e colocados na parede, ao lado
das obras.
Clicar na imagem para aumentar. |
É nesta brochura que encontramos também o texto de
introdução assinado por Filipa Oliveira, que citei no início. Sentimos alguma
estranheza com o facto da curadora tratar o visitante por ‘tu’. Não é habitual
em Portugal e não é coerente com a pergunta na lona no exterior (e na
contra-capa desta mesma brochura), onde encontramos o habitual tratamento por
‘você’. Ficámos ainda a sentir que a pergunta, a tal pergunta que provocou um
sorriso e que parecia enunciar um diálogo e uma reflexão conjunta, é,
provavelmente, uma pergunta retórica. A própria curadora diz-nos neste texto
com que museu devemos sonhar: “[um museu que se debruça] sobre muitas das
questões que é essencial começar a reflectir: participação, partilha,
diversidade, problematização, comunidade, criação de novas histórias e novos
modos de olhar”. Não discordo, antes pelo contrário. Mas, se a pergunta na lona
fosse sincera, este seria o momento da curadora, em vez de afirmar, assumir que
este é o museu com o qual ela sonha e que este seu sonho pode ou não ser
partilhado pelos visitantes, que está disposta a discuti-lo.
São pormenores estes que aqui expus que fizeram com que a
experiência na exposição “O Museu a Haver” não correspondesse plenamente à
expectativa criada. Mas algo, sem dúvida, está a acontecer em Évora. A reflexão
que Filipa Oliveira partilha connosco, a forma como a comunica, a exposição e a
programação paralela que não se limitam ao FEA, mas que se desenvolvem noutros
pontos da cidade de Évora - são, parece-me, os ingredientes certos para se
conseguir o posicionamento enunciado. Procurarei estar atenta. Será com muito
prazer, curiosidade e expectativa que irei acompanhar este percurso do FEA, que
poderá vir a ser o museu com que eu sonho.
Mais neste blog
O que é que temos a ver com isso? (i)
O que é que temos a ver com isso? (ii)
Bem-vindos neo-cosmopolitas!
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