Como podemos envolver-nos mais? Como podemos tomar uma
posição? Não estaríamos a alienar algumas pessoas se classificarem o museu como
"de esquerda" ou "de direita", como fazem com os jornais?
Até onde podemos ir? Quais são os limites? Estas são algumas das perguntas que tive
a oportunidade de discutir com os colegas que estiveram na conferência anual da
NEMO – Network of European Museums Organizations, no seguimento da minha comuicação
Are we failing?
O meu primeiro pensamento foi: não tomamos sempre uma
posição? Não estamos constantemente a decidir qual vai ser a narrativa? O que
vai ser incluído, o que vai ficar de fora? Podemos dizer honestamente que o que
fazemos é neutro? Embora alguns membros (muitos membros) do público não questionem
as nossas opções e aceitem a nossa narrativa como 'real', como uma verdade
absoluta, vamos fingir que assim é e não nos vamos questionar a nós próprios?
Dito isto, penso que o primeiro passo para uma tomada de
posição é reconhecer o que está a acontecer à nossa volta, partilhar as preocupações
da nossa comunidade e criar um espaço no museu onde estas preocupações,
pensamentos e ideias possam ser debatidos. Na minha opinião, um museu que disponibiliza
este espaço é um museu que deseja estar envolvido.
Um exemplo que liga estes dois primeiros pontos é o da
exposição Phantom Home, pela artista
palestiniana Ahlam Shibli, que foi apresentada no Jeu de Paume, em 2013. A
exposição dizia ser sobre as formas como a sociedade palestiniana preserva a
presença dos "mártires". O museu foi bastante ‘neutro’ na forma como
promoveu a exposição. Não houve referências ao conflito Israel-Palestina e em
nenhum lugar os "mártires" foram referidos como "bombistas
suicidas". Muito menos foi mencionado que aqueles que são vistos como
"mártires" de um lado são vistos como "terroristas" do
outro. A suposta neutralidade não funcionou, é claro. A seguir à abertura da
exposição houve ameaças de bomba, protestos e um encerramento temporário. Na
sequência de tudo isto, Jeu de Paume organizou uma série de debates para
discutir os "mártires" / "terroristas". Estariam a ser
ingénuos ou apenas a tentar defender a "neutralidade" do museu? (podem
ler mais no post que escrevi na altura).
Levando este ponto um pouco mais longe, eu não me
importaria de ver um museu tomar partido, defender uma determinada posição.
Será que isso significa que o museu não está aberto ao diálogo? Que as opiniões
contrárias não podem ser debatidas no seu espaço? Que o museu tem sempre razão?
Que não pode mudar de opinião? Esta não é a mensagem que os museus - e todos
nós como cidadãos, profissionais, amigos, pais ou professores - estamos a tentar
transmitir. A mensagem que estamos a tentar transmitir é que, numa sociedade
civilizada, podem existir diferentes pontos de vista, devem ser respeitados e
podem desenvolver-se ou mudar mesmo, se puderem ser discutidos. O museu pode
ser o espaço ideal para esta discussão ocorrer.
O último ponto que gostaria de focar é que toda esta discussão
poderia tornar-se um pouco mais clara se víssemos o museu como uma pessoa. Cada
pessoa tem uma identidade, relacionada com a sua visão, valores, princípios,
prioridades, formas de sentir, de ser e de fazer. Relacionamo-nos com uma
pessoa quando apreciamos e valorizamos quem ela é. Podemos não nos relacionar
com uma pessoa quando não partilhamos os seus valores ou não apreciamos a sua
maneira de agir. Pode ser difícil, por exemplo, relacionarmo-nos com alguém que
sentimos que não é transparente; ou com alguém que não é coerente, que age de
forma oportunista ou que constantemente se mantém silencioso quando estão em
causa os seus interesses.
Assim, quando uma colega me perguntou: "Como podemos
decidir quando (re)agir? Como podemos definir os limites?", respondi que
talvez seja preciso olhar para o museu como se fosse uma pessoa e tomar
decisões de acordo com quem somos, sendo fiéis à nossa identidade, aos nossos
valores e princípios. Podemos não estar sempre certos, mas, tal como uma
pessoa, podemos admiti-lo e repensar a nossa resposta. Isso não seria mais
verdadeiro e honesto?
O exemplo que vem à mente é o do Holocaust Memorial Museum
em Washington. Este é um museu que afirma estar empenhado na prevenção do genocídio.
Em várias ocasiões, emitiu declarações a respeito da perseguição de diferentes
povos, excepto quando se trata da Palestina. Assim, durante o assalto a Gaza em
Julho 2014, o museu emitiu uma declaração sobre o crescente anti-semitismo
(leiam a declaração),
como se o fenómeno tivesse re-emergido num vácuo social e político. Mais
recentemente, houve uma declaração sobre os refugiados sírios e o museu
convidou "figuras públicas e os cidadãos a evitar condenar os refugiados
de hoje como um grupo" (leiam a declaração).
E os refugiados palestinianos e aqueles que vivem em terras ocupadas, que são coletivamente
(mal)tratados e "punidos" pelo Estado de Israel e alguns cidadãos israelitas,
como se fossem todos terroristas ou seres humanos menores? Nem uma palavra
sobre isto da parte do museu, opta por manter o silêncio em relação a este caso
específico de perseguição. Podemos confiar neste museu? Serão os seus valores e
acções coerentes? Gostaríamos de nos relacionar com ele? Este é um dos meus museus
favoritos, mas estou cada vez menos interessada no que tem para dizer.
Voltando, então, à pergunta "E se alienarmos as
pessoas que nos podem classificar como de esquerda ou de direita?", este é
um risco, é claro, mas um risco que vale correr. Penso que temos mais a perder,
em termos do nosso relacionamento com a sociedade, se insistirmos em permanecer
irrelevantes em nome de 'neutralidade' ou se comprometermos a nossa honestidade
intelectual, do que se tomarmos uma posição, partilharmos os nossos pontos de
vista e convidarmos as pessoas a discuti-los.
O primeiro dia na conferência anual da NEMO terminou com
uma entrevista com Wim Pijbes, o director do Rijksmuseum. A foto de Wim foi
projetada no ecrã e lemos "O museu é uma pessoa". Sorri. Na verdade,
é: para melhor ou para pior.
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