Monday 30 November 2015

O museu é uma pessoa: alguns pensamentos pós-NEMO



Como podemos envolver-nos mais? Como podemos tomar uma posição? Não estaríamos a alienar algumas pessoas se classificarem o museu como "de esquerda" ou "de direita", como fazem com os jornais? Até onde podemos ir? Quais são os limites? Estas são algumas das perguntas que tive a oportunidade de discutir com os colegas que estiveram na conferência anual da NEMO – Network of European Museums Organizations, no seguimento da minha comuicação Are we failing?


O meu primeiro pensamento foi: não tomamos sempre uma posição? Não estamos constantemente a decidir qual vai ser a narrativa? O que vai ser incluído, o que vai ficar de fora? Podemos dizer honestamente que o que fazemos é neutro? Embora alguns membros (muitos membros) do público não questionem as nossas opções e aceitem a nossa narrativa como 'real', como uma verdade absoluta, vamos fingir que assim é e não nos vamos questionar a nós próprios?

Dito isto, penso que o primeiro passo para uma tomada de posição é reconhecer o que está a acontecer à nossa volta, partilhar as preocupações da nossa comunidade e criar um espaço no museu onde estas preocupações, pensamentos e ideias possam ser debatidos. Na minha opinião, um museu que disponibiliza este espaço é um museu que deseja estar envolvido.

Um exemplo que liga estes dois primeiros pontos é o da exposição Phantom Home, pela artista palestiniana Ahlam Shibli, que foi apresentada no Jeu de Paume, em 2013. A exposição dizia ser sobre as formas como a sociedade palestiniana preserva a presença dos "mártires". O museu foi bastante ‘neutro’ na forma como promoveu a exposição. Não houve referências ao conflito Israel-Palestina e em nenhum lugar os "mártires" foram referidos como "bombistas suicidas". Muito menos foi mencionado que aqueles que são vistos como "mártires" de um lado são vistos como "terroristas" do outro. A suposta neutralidade não funcionou, é claro. A seguir à abertura da exposição houve ameaças de bomba, protestos e um encerramento temporário. Na sequência de tudo isto, Jeu de Paume organizou uma série de debates para discutir os "mártires" / "terroristas". Estariam a ser ingénuos ou apenas a tentar defender a "neutralidade" do museu? (podem ler mais no post que escrevi na altura).

Levando este ponto um pouco mais longe, eu não me importaria de ver um museu tomar partido, defender uma determinada posição. Será que isso significa que o museu não está aberto ao diálogo? Que as opiniões contrárias não podem ser debatidas no seu espaço? Que o museu tem sempre razão? Que não pode mudar de opinião? Esta não é a mensagem que os museus - e todos nós como cidadãos, profissionais, amigos, pais ou professores - estamos a tentar transmitir. A mensagem que estamos a tentar transmitir é que, numa sociedade civilizada, podem existir diferentes pontos de vista, devem ser respeitados e podem desenvolver-se ou mudar mesmo, se puderem ser discutidos. O museu pode ser o espaço ideal para esta discussão ocorrer.

O último ponto que gostaria de focar é que toda esta discussão poderia tornar-se um pouco mais clara se víssemos o museu como uma pessoa. Cada pessoa tem uma identidade, relacionada com a sua visão, valores, princípios, prioridades, formas de sentir, de ser e de fazer. Relacionamo-nos com uma pessoa quando apreciamos e valorizamos quem ela é. Podemos não nos relacionar com uma pessoa quando não partilhamos os seus valores ou não apreciamos a sua maneira de agir. Pode ser difícil, por exemplo, relacionarmo-nos com alguém que sentimos que não é transparente; ou com alguém que não é coerente, que age de forma oportunista ou que constantemente se mantém silencioso quando estão em causa os seus interesses.

Assim, quando uma colega me perguntou: "Como podemos decidir quando (re)agir? Como podemos definir os limites?", respondi que talvez seja preciso olhar para o museu como se fosse uma pessoa e tomar decisões de acordo com quem somos, sendo fiéis à nossa identidade, aos nossos valores e princípios. Podemos não estar sempre certos, mas, tal como uma pessoa, podemos admiti-lo e repensar a nossa resposta. Isso não seria mais verdadeiro e honesto?

O exemplo que vem à mente é o do Holocaust Memorial Museum em Washington. Este é um museu que afirma estar empenhado na prevenção do genocídio. Em várias ocasiões, emitiu declarações a respeito da perseguição de diferentes povos, excepto quando se trata da Palestina. Assim, durante o assalto a Gaza em Julho 2014, o museu emitiu uma declaração sobre o crescente anti-semitismo (leiam a declaração), como se o fenómeno tivesse re-emergido num vácuo social e político. Mais recentemente, houve uma declaração sobre os refugiados sírios e o museu convidou "figuras públicas e os cidadãos a evitar condenar os refugiados de hoje como um grupo" (leiam a declaração). E os refugiados palestinianos e aqueles que vivem em terras ocupadas, que são coletivamente (mal)tratados e "punidos" pelo Estado de Israel e alguns cidadãos israelitas, como se fossem todos terroristas ou seres humanos menores? Nem uma palavra sobre isto da parte do museu, opta por manter o silêncio em relação a este caso específico de perseguição. Podemos confiar neste museu? Serão os seus valores e acções coerentes? Gostaríamos de nos relacionar com ele? Este é um dos meus museus favoritos, mas estou cada vez menos interessada no que tem para dizer.

Voltando, então, à pergunta "E se alienarmos as pessoas que nos podem classificar como de esquerda ou de direita?", este é um risco, é claro, mas um risco que vale correr. Penso que temos mais a perder, em termos do nosso relacionamento com a sociedade, se insistirmos em permanecer irrelevantes em nome de 'neutralidade' ou se comprometermos a nossa honestidade intelectual, do que se tomarmos uma posição, partilharmos os nossos pontos de vista e convidarmos as pessoas a discuti-los.

O primeiro dia na conferência anual da NEMO terminou com uma entrevista com Wim Pijbes, o director do Rijksmuseum. A foto de Wim foi projetada no ecrã e lemos "O museu é uma pessoa". Sorri. Na verdade, é: para melhor ou para pior.

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