Imagem cedida pelo Museu Nacional Soares dos Reis |
Cada vez mais,
ao reflectir sobre estas e outras questões e ao publicar a minha reflexão neste
blog, sinto que contribuo para uma certa injustiça. O alvo da minha crítica,
positiva ou negativa, é aquilo que me chega através de jornais, revistas de
especialidade, blogs, comunicações em conferências. No entanto, o que se torna
mais conhecido não é tudo o que se passa e a verdade é que a minha reflexão ignora,
às vezes, outras realidades. E é mesmo ignorância, mas involuntária, uma vez
que não posso fazer algo em relação ao que não se torna público, ao que não é
partilhado. Deste ponto de vista, tenho muita pena que nem todas as
instituições culturais tenham a capacidade e os meios para, além de fazer,
também registar e comunicar o que fazem, de o partilhar com todo o sector e com
a sociedade.
Regressando à
questão principal, a da ‘primacia’, penso que a mesma deverá ser avaliada com
base em múltiplos factores e desta avaliação irão, naturalmente, surgir vários
‘primeiros’.
No seu ensaio The Excellence Barrier, Diane Ragsdale
apresenta os seus 7 pontos para um movimento slow arts (fazendo uma alusão ao movimento slow food), sendo que o 6º ponto diz: “Concentrar no impacto e não
no crescimento”. Considerando que o crescimento é normalmente medido com
números, eu também gostaria de reflectir sobre o impacto como uma forma de identificar
os ‘primeiros’.
Num primeiro
momento, ocorre-me o trabalho desenvolvido pelo Museu Nacional Soares dos Reis
(MNSR). Uma actividade constante mas, diria, discreta, que para muitos de nós
passa quase despercebida. Não sei se esta será uma atitude assumida ou se se
trata de alguma falta de sensibilidade em relação à importância da comunicação
ou se não é mais nem menos do que a habitual falta de meios. Qualquer que seja
o motivo, é um facto que o MNSR tem-se mostrado atento ao que se passa à sua
volta e tem procurado estar envolvido. A título de exemplo, em 2010 o MNSR realizava
a exposição “Encontros Portugal China”, o que revelou estar consciente do
crescimento desta comunidade na cidade do Porto e da necessidade de a incluir.
Na altura, a esperança do presidente da Liga dos Chineses em Portugal era que
esta exposição “[ajudasse] na integração e credibilidade da comunidade
chinesa”, dando a conhecer ao público o “desenvolvimento dos chineses no Porto
e a relação de Portugal com a China”. (ler artigo)
Imagens cedidas pelo Museu Nacional Soares dos Reis |
Mais tarde, em 2013, organizava-se no MNSR o primeiro encontro
dos sem-abrigo, que permitiu levantar e promover questões sociais prementes e
que teve novas edições em 2014 e 2015. Na altura, o MNSR aparecia nas notícias
como ‘apenas’ o local do encontro. Mas não foi por acaso que os sem-abrigo esolheram este local. A sua relação
com o museu, que lhes abriu as portas, vinha de trás. Qual será o ‘primeiro’
museu para a comunidade chinesa e para os sem-abrigo do Porto?
Encontro dos sem-abrigo no Museu Nacional Soares dos Reis (imagem retirada do jornal Público) |
Da mesma forma,
ocorre-me o projecto “EU no musEU”, do Museu Nacional Machado de Castro
em Coimbra, que procura envolver as pessoas com Alzheimer, os seus familiares e
amigos. O motto do projecto é “Porque mais importante que os objectos de
um museu é o que se faz com eles”.
Imagem retirada do site do projecto "Eu no museEU" |
Há ainda o projecto “Museu Móvel” , do Museu Carlos Machado em Ponta
Delgada, que leva o museu a comunidades distantes e desfavorecidas, porque pertence-lhes
tanto quanto pertence aos habitantes de Ponta Delgada. Ambos estes projectos foram
distinguidos pelo júri do Prémio Acesso Cultura em 2015. Qual será o ‘primeiro’
museu para os pacientes de Alzheimer e os seus cuidadores em Coimbra; ou para
as comunidades distantes na ilha de São Miguel?
Projecto Museu Móvel (imagem retirada do website do Museu carlos Machado) |
Uma outra
experiência ainda que muito me tocou e que me fez reflectir sobre a questão do
impacto foi asistir ao espectáculo “O Baile”, de Aldara Bizarro, no Bairro da Pasteleira no Porto. O
espectáculo fazia parte da programação “Cultura em Expansão”, idealizada por Paulo Cunha e Silva. E
tocou-me não só por ser um belo espectáculo, mas também por eu ter reconhecido
entre os intérpretes rostos de moradores que me eram já conhecidos, dos
espectáculos da PELE. Quem será o ‘primeiro’ para os
moradores do Bairro da Pasteleira?
Normalmente, os
resultados medem-se em números: quantas pessoas participaram, quantas notícias
se fizeram, quantos “likes” e “shares” no Facebook? Não desvalorizo os números,
mas penso que só por si não indicam algo significativo. Devem ser acompanhados
de outros dados, qualitativos, que possam trazer mais conteúdo, mais substância
para a avaliação que se pretende fazer.
Quem é que nos
toca de um forma especial? Quem procura relacionar-se connosco? Quem quer
partilhar o que tem e dá espaço para nós também partilharmos o que temos? Quem
é que nos ajuda a crescermos, a sermos melhores? Quem é que traz significado às
nossas vidas? Não é desta forma que decidimos quem é o ´primeiro´ no nosso
coração? Ou ‘os’ primeiros, já que o nosso coração é grande e cabem muitas
coisas boas...
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2 comments:
Muito boa reflexão. Obrigada
Obrigada, Maria Emanuel
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