A Primeira-Ministra da Escócia, Nicola Sturgeon. |
À medida que a Web Summit chegava ao fim em Lisboa, um dia depois da divulgação dos resultados das eleições norte-americanas, a Câmara Municipal de Lisboa colocou alguns outdoors onde se lia: "No mundo livre ainda pode encontrar uma cidade para viver, investir e construir o seu futuro, construindo pontes, não muros. Chama-se Lisboa". Os outdoors foram classificados como "anti-Trump" pela oposição, que disse que preferia pensar “que se trata de uma interpretação abusiva e que a intenção de Medina [presidente da Câmara] não foi a de desrespeitar a escolha democrática do povo americano, que não foi uma demonstração de arrogância ideológica, que não foi uma precipitação oportunista em resultado do deslumbramento pela atenção internacional". Resumindo, a oposição pediu explicações (leia o artigo).
Imagem retirada do jornal Expresso. |
A Câmara Municipal simplesmente respondeu que a intenção era captar investimento. E várias pessoas preferiram gozar com a gralha nos outdoors (“brigdes” em vez de “bridges”). No entanto, a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, deu um outro tipo de resposta - destinada aos seus colegas no parlamento escocês, que a criticaram por tornar as suas preferências em relação aos candidatos à presidência americana públicas, mas igualmente útil para muitos outros políticos e cidadãos no mundo:
"Durante a campanha, achei que muitos dos comentários
do presidente-eleito Trump eram profundamente abomináveis. E eu nunca quero
ser, não estou preparada para ser um político que mantenha um silêncio
diplomático diante de atitudes de racismo, sexismo, misoginia ou intolerância
de qualquer tipo." (veja o vídeo)
Pareceu-me estranho que políticos profissionais sejam
criticados pelos seus colegas por tomarem posição em relação ao que acreditam e
defendem em nome daqueles que neles votaram (mesmo que a Câmara Municipal de
Lisboa não tenha admitido ter tomado posição...). Não é este o seu trabalho?
Não é isso que devemos esperar deles? E se é isto o que acontece com os
políticos, o que é que se pode esperar das organizações culturais, "tradicionalmente
neutras e diplomáticamente silenciosas"?
Eu espero muito. Ainda espero muito. A questão "O que é
que temos a ver com isso?" (ver sugestões de leitura no final) faz sempre
parte da minha reflexão e análise. Porque o chamado "silêncio
diplomático" é tão político e ensurdecedor como um forte grito.
Se olharmos para os EUA, alguns museus responderam
rapidamente. O Brooklyn Museum convidou as pessoas a visitarem este fim-de-semana
gratuitamente, à medida que procuram "um sentido de unidade
nacional". Lê-se ainda no comunicado: "Esperamos que os visitantes venham
explorar o museu como um grande e oportuno recurso de aprendizagem,
especialmente as nossas recém-instaladas galerias de arte americana, que apresentam
uma visão inclusiva da história e reconhecem a demografia mutante do nosso país,
tão rico em diversidade" (leia o artigo). O National Museum of Women in the Arts em Washington também teve entrada
livre este fim-de-semana e afirmou no Facebook: "O National Museum of
Women in the Arts será livre para o público todo o fim-de-semana. Esperamos que
os visitantes venham explorar a colecção da NMWA e as exposições especiais e
participar nas discussões sobre o contributo das mulheres. Por favor, juntem-se
a nós para o fim-de-semana da comunidade, continuamos empenhados em apoiar as
mulheres nas artes, agora com um compromisso renovado." Simples, claro,
discreto, e ainda assertivo e político.
Deste lado do Atlântico, em meados de Setembro, éramos informados
que o National Theatre no Reino Unido tinha "embarcado num grande projeto
para contar a história da Grã-Bretanha moderna após a votação para deixar a
União Européia". "Não acredito que 17,5 milhões de pessoas sejam
racistas ou idiotas. Categoricamente não acredito. Acho que temos que as
ouvir", dizia o director do NT, Rufus Norris (algo que também devemos fazer
em relação aos eleitores de Donald Trump). "Temos que tentar fazer o pouco
que pudermos para abordar a questão do absoluto voto de não-confiança no nosso
sistema ", acrescentava. O teatro está a realizar entrevistas sobre a vida
no Reino Unido em mais de uma dúzia de cidades e vilas e essas histórias
formarão uma base para futuros espectáculos. Simples, claro, definitivamente
político (leia o artigo).
Fotografia retirada da página de Facebook do Museu Bizantino. |
Noutras partes do mundo, as organizações culturais ainda estão
a seguir o traiçoeiro caminho da “neutralidade”, permanecendo em silêncio. No
início deste mês, a exposição "The State Museum of Hermitage: Gateway to
History" foi inaugurada no Museu Bizantino de Atenas. No dia 4 de Novembro, o museu partilhou com orgulho no Facebook um álbum de
fotos da visita oficial dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da Grécia e da
Rússia. Sorrisos calorosos e apertos de mão, "chá e simpatia".
Noventa “likes” e 4 “shares” mais tarde, questionei o museu: " O governo
do Sr. Lavrov está a bombardear civis na Síria (incluindo as crianças que vemos
na TV e que deixam os nossos corações despedaçados), apoiando um ditador. Eles
também invadiram um país vizinho e estão a ocupar parte dele. Porque é que o governo
grego e o Museu Bizantino deram a oportunidade ao Ministro dos Negócios
Estrangeiros russo e ao seu governo de aparecerem... civilizados?". A
minha pergunta ficou sem resposta. É parcialmente compreensível. Os museus não
estão habituados a ser questionados e a tomar posição sobre tais questões -
eles são "neutros"... O facto é, no entanto, que o museu voltou a
partilhar orgulhosamente o mesmo álbum de fotos alguns dias depois. O meu
comentário não teve nenhum efeito, aparentemente. "Silêncio
diplomático", como habitualmente...
Voltando ao discurso de Nicola Sturgeon no Parlamento
Escocês, ela disse: "Há mais uma obrigação para nós agora do que talvez
tenha havido antes na nossa geração e este é o momento para todos nós, não
importa quão difícil, não importa quão controverso ou impopular possa ser em
certos meios, sermos os faróis de esperança para esses valores [de tolerância e
respeito pela diversidade e diferença]." Este é o momento para todos nós,
sejamos políticos ou directores de museus e teatros ou profissionais da
cultura. Este é o momento.
Mais neste blog:
O que é que temos a ver com isso? (i)
O que é que temos a ver com isso? (ii)
Justin Bieber e o combate ao extremismo islâmico
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