Thursday 8 December 2016

Actores relutantes no centro do palco

The New Americans Museum.
Painel vandalizado (imagem retirada da página de Facebook do museu)

Não surpreendentemente, após as eleições, o Tenement Museum em Nova Iorque, um museu que conta a história da migração urbana na América, viu “um número sem precedentes" de comentários negativos sobre imigrantes vindos de visitantes (ler aqui). Não se trata de um incidente isolado. Outros museus, como o Idaho Museum ofBlack History ou The New Americans Museum  tiveram recentemente actos racistas de vandalismo nas suas instalações.

Cuidado com os políticos que fazem emergir o pior em nós, pode-se pensar. Mas pode-se também acrescentar, cuidado com os museus que não conseguem ver a política no que fazem. Foi o que pensei ao ler o primeiro parágrafo da resposta de Zach Aaron (membro do conselho de administração do Tenement Museum) aos comentários negativos dos visitantes:

"Como membro do Conselho de Administração do Lower East Side Tenement Museum, tenho orgulho na nossa história de 28 anos de celebrar a vida e a cultura dos imigrantes - o que nos une como americanos, não o que nos divide. Esta é uma missão apolítica; desde a criação do museu, nunca endossámos um único candidato a um cargo público nem tomámos posição sobre legislação." (leia o texto completo)

A migração e as políticas de migração são profundamente políticas. Como um museu que conta esta história pode afirmar que a sua missão é "apolítica"? Porque é que este museu, considerando o seu tema, opta por não participar no debate público quando é discutida a legislação? E depois de analisar os resultados eleitorais, faz sentido para qualquer museu manter o foco “no que nos une como americanos" e não reconhecer e discutir as divisões na sociedade americana e as suas razões?

Porque é que que os museus fazem o que fazem? Porque é que coleccionam e preservam e estudam objectos? Na recente conferência do ICOM Europe, que teve lugar em Lisboa e onde se discutiu o papel e a finalidade dos museus nacionais, foi sublinhada a importância da partilha de conhecimento. Mas que tipo de conhecimento partilhamos e como? Considerando os recentes acontecimentos políticos na Grã-Bretanha, na França, na Holanda, na Polónia, na Hungria, na Áustria, para citar alguns, como podemos avaliar a partilha de conhecimento pelos museus nesses países (e em qualquer outro país)? Considerando as atrocidades que ocorrem neste momento na Síria, no Iémen ou em Mianmar - atrocidades tantas vezes antes vistas, que nos fizeram jurar repetidamente "nunca mais" -, devemos concluir que os museus falharam na sua missão?

Não cabe apenas aos museus construir um mundo melhor, é claro. Eles nunca vão fazer isso sozinhos, ainda assim, eles não podem continuar fingindo que estão separados da sociedade (e da política) e que não têm um papel a desempenhar. Penso, por isso, que há duas coisas que devem ser discutidas mais profundamente no sector dos museus:

Em primeiro lugar, embora o papel político dos museus seja hoje cada vez mais intensamente discutido, o mais amplo reconhecimento deste papel no mundo dos museus parece ser mais urgente do que nunca. Os museus não podem continuar a viver a ilusão de "neutralidade". Tornou-se mais que óbvio, considerando os exemplos mencionados acima, que, mesmo quando desejem permanecer no seu casulo e apresentar uma versão romantizada da história do mundo (da humanidade), a realidade atinge-os e os arrasta-os para o palco. Ao mesmo tempo, é preciso fazer um esforço para distinguir "político" de "partidário" (um equívoco aparente na resposta do Tenement Museum, mas que é generalizado, até entre os cientistas políticos - ler Political Science Call to Action), para que os museus possam traçar uma linha de acção coerente e responsável. Uma linha que seja também suficientemente clara e consciente, para conseguir resistir possíveis tentativas de aproveitamento partidário. Não é uma tarefa fácil, de todo, mas é certamente uma tarefa necessária.

O outro ponto que penso que merece mais atenção é a dissidência e o conflito. Faz sentido celebrar o que nos une, reconhecendo também a nossa diversidade. Ainda assim, devemos também reconhecer que este não é um processo pacífico e directo. Devemos reconhecer que envolver pessoas com pontos de vista opostos num diálogo - especialmente num diálogo que ocorre num museu - não é a tarefa mais fácil. A maioria das pessoas, ao sentir que as suas opiniões podem ser desafiadas, não deseja participar na conversa. É natural e expectável. Então, voltando à questão da partilha de conhecimento e do cumprimento da missão, não deveríamos reflectir sobre o que os museus têm feito até agora e como? Terão estado a partilhar histórias anódinas? Terão estado a conversar apenas com os convertidos? Poderão levar a discussão mais longe e envolver aqueles com pontos de vista diferentes? Isto será de alguma forma possível?

As perguntas estão-se a acumular. As leituras sugeridas a seguir ajudam a aprofundar a nossa reflexão.

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