“Menores de 30 têm acesso
gratuito aos museus”, lê-se nos jornais portugueses. A medida foi ontem votada
no parlamento.
“Alguém me explica qual é a lógica dos 30 anos?”, questiona
uma colega brasileira.
“Será para estimular jovens famílias, tipo casais com filhos pequenos?”,
responde outra colega. “Será porque se constatou que o desemprego é maior até
aos 30 anos?”
Valerá a pena procurarmos a lógica? Terá havido lógica? Será que a medida
se baseou em qualquer relatório de gestão? Será que se baseou em algum estudo
de públicos? Os profissionais do sector foram consultados? Existem objectivos
concretos que daqui a um ou dois anos poderão ser avaliados?
Os jornais referem que “os deputados decidiram recomendar ao governo que adote as
medidas necessárias para fomentar o acesso de todos os cidadãos aos museus e
monumentos nacionais, principalmente para as pessoas até aos 35 anos,
instituindo a gratuitidade no acesso aos fins de semana, feriados e
quartas-feiras, e alargando o recurso às novas tecnologias de informação”. O
que, aliás, vai ao encontro do programa do governo, que já tivemos a
oportunidade de analisar aqui, muito especialmente no que diz respeito aos
conceitos de “acesso” e “democratização”.
Portanto, estamos mais uma vez a discutir a gratuitidade. Como se esta
fosse a questão central. Como se o sector dos museus não tivesse graves
problemas endógenos, de gestão, que a gratuitidade não resolve. Como se o
sector dos museus não tivesse outros problemas, permanentes e fundamentais, na
sua relação com a sociedade, que a gratuitidade não resolve. Podemos continuar
a tentar adivinhar os fundamentos e critérios por trás desta medida. Mas não
precisamos de adivinhar as razões porque a maioria dos Portugueses não visita
museus; e que não passará a visitar só porque a entrada será gratuita.
Quem investe tempo e dinheiro – sim, há sempre investimento de dinheiro,
mesmo quando a entrada é livre – em algo que, a priori, não se mostra
relevante, não comunica de uma forma convidativa (pelo contrário, usa todos os
meios para dizer “isto não é para ti, isto não foi feito a pensar em ti”), não
leva em consideração os interesses e necessidades de quem pretende atrair e tem
obrigação de servir? E, pensando melhor, diria mais... Quem investe tempo e
dinheiro para ver coisas deprimentes? Para estar em espaços que cheiram a mofo,
cujas exposições não foram tocadas há décadas?
Os responsáveis em Portugal sabem, com certeza, que os estudos, nos países onde
existem, mostram que a gratuitidade permite a quem já gosta de visitar museus de
visitar mais vezes (o que é excelente). Mas não diversifica o perfil dos visitantes.
Não é suficiente para a “democratização”. Para isso é preciso mais trabalho, é
preciso um outro tipo de trabalho, trata-se de um trabalho que exige mais de
todos os envolvidos.
Vamos fazer este trabalho? Vamos criar as condições para que seja
bem-feito? Vamos assumir as nossas responsabilidades pelas barreiras criadas ao
longo de muitos anos? Sobre a gratuitidade, já foi tudo dito. Continuará a dar
bons títulos de jornais, mas não será mais que isso.
Mais leituras:
Alexandre Maros, Cultura precária e cultura da precariedade - Como sair daqui?
Association of Independent
Museums, Evaluating the Evidence The Impact of Charging or Not for Admissionson Museums
Boletim ICOM Portugal, Gestão de Museus e Políticas Museológicas, Série
III, nº8, Jan 2017 (textos de Manuel Bairrão Oleiro, Maria de Jesus Monge e Ana
Carvalho)
Museums Association, Free admission and the lottery
Rebecca Herz, What is the political role of arts education in rural communities?
Rebecca Herz, What is the political role of arts education in rural communities?
Mais neste blog:
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