Saturday, 4 February 2017

À procura de terreno arenoso


“Menores de 30 têm acesso gratuito aos museus”, lê-se nos jornais portugueses. A medida foi ontem votada no parlamento.

Alguém me explica qual é a lógica dos 30 anos?”, questiona uma colega brasileira.

“Será para estimular jovens famílias, tipo casais com filhos pequenos?”, responde outra colega. “Será porque se constatou que o desemprego é maior até aos 30 anos?”

Valerá a pena procurarmos a lógica? Terá havido lógica? Será que a medida se baseou em qualquer relatório de gestão? Será que se baseou em algum estudo de públicos? Os profissionais do sector foram consultados? Existem objectivos concretos que daqui a um ou dois anos poderão ser avaliados?
Os jornais referem que “os deputados decidiram recomendar ao governo que adote as medidas necessárias para fomentar o acesso de todos os cidadãos aos museus e monumentos nacionais, principalmente para as pessoas até aos 35 anos, instituindo a gratuitidade no acesso aos fins de semana, feriados e quartas-feiras, e alargando o recurso às novas tecnologias de informação”. O que, aliás, vai ao encontro do programa do governo, que já tivemos a oportunidade de analisar aqui, muito especialmente no que diz respeito aos conceitos de “acesso” e “democratização”.

Portanto, estamos mais uma vez a discutir a gratuitidade. Como se esta fosse a questão central. Como se o sector dos museus não tivesse graves problemas endógenos, de gestão, que a gratuitidade não resolve. Como se o sector dos museus não tivesse outros problemas, permanentes e fundamentais, na sua relação com a sociedade, que a gratuitidade não resolve. Podemos continuar a tentar adivinhar os fundamentos e critérios por trás desta medida. Mas não precisamos de adivinhar as razões porque a maioria dos Portugueses não visita museus; e que não passará a visitar só porque a entrada será gratuita.

Quem investe tempo e dinheiro – sim, há sempre investimento de dinheiro, mesmo quando a entrada é livre – em algo que, a priori, não se mostra relevante, não comunica de uma forma convidativa (pelo contrário, usa todos os meios para dizer “isto não é para ti, isto não foi feito a pensar em ti”), não leva em consideração os interesses e necessidades de quem pretende atrair e tem obrigação de servir? E, pensando melhor, diria mais... Quem investe tempo e dinheiro para ver coisas deprimentes? Para estar em espaços que cheiram a mofo, cujas exposições não foram tocadas há décadas?

Os responsáveis em Portugal sabem, com certeza, que os estudos, nos países onde existem, mostram que a gratuitidade permite a quem já gosta de visitar museus de visitar mais vezes (o que é excelente). Mas não diversifica o perfil dos visitantes. Não é suficiente para a “democratização”. Para isso é preciso mais trabalho, é preciso um outro tipo de trabalho, trata-se de um trabalho que exige mais de todos os envolvidos.

Vamos fazer este trabalho? Vamos criar as condições para que seja bem-feito? Vamos assumir as nossas responsabilidades pelas barreiras criadas ao longo de muitos anos? Sobre a gratuitidade, já foi tudo dito. Continuará a dar bons títulos de jornais, mas não será mais que isso.


Mais leituras:


Boletim ICOM Portugal, Gestão de Museus e Políticas Museológicas, Série III, nº8, Jan 2017 (textos de Manuel Bairrão Oleiro, Maria de Jesus Monge e Ana Carvalho)




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