Foto: Thomas Struth |
Nestes últimos tempos, estive em dois encontros com profissionais de museus e amanhã começa outro (a European Museum Advisors Conference 2012). Tenho estado a pensar naquilo que me faz sentir tão bem na companhia deles. Cheguei à conclusão que é o facto de serem pessoas que dão, cujo trabalho faz sentido para elas porque querem muito partilhá-lo, querem que seja útil e que tenha significado para outros. Não houve nem um prémio nem uma menção honrosa na recente cerimónia de atribuição do European Museum of the Year Award em Penafiel que não tivesse mencionado a relação especial ou o envolvimento que esses museus têm estabelecido com as suas comunidades. Os museus estão a evoluir, se bem que lentamente, de instituições orientadas para as colecções (collection oriented) para instituições orientadas para as pessoas (people oriented).
Pode soar estranho que diga ‘lentamente’. Mas consideremos o seguinte: foi em 1909 que John Cotton Dana, o visionário director de Newark Museum nos EUA, exprimiu a seguinte convicção relativamente ao papel dos museus: “Um bom museu atrai, entretém, provoca curiosidade, leva ao questionamento e, assim, promove a aprendizagem. (…) O Museu pode ajudar as pessoas apenas se for usado por elas; irão usá-lo apenas se souberem dele e apenas se for dada atenção à interpretação dos seus bens em termos que elas, as pessoas, percebam”. E foi em 1917 que escreveu: “Hoje, os museus de arte são construídos para guardar objectos de arte e os objectos de arte são comprados para serem guardados em museus. Como parece que os objectos fazem o seu trabalho quando são bem guardados e os museus parecem servir o seu propósito quando guardam bem os objectos, isto tudo é tão útil no esplêndido isolamento de um parque distante como o é no centro da vida da comunidade que o possui. Amanhã, os objectos de arte serão comprados para dar prazer, para fazer com que os modos das pessoas pareçam mais importantes, para promover capacidades, para exaltar o trabalho manual e para aumentar o gosto pela vida acrescentando-lhe novos interesses”.
Seremos nós, quase um século depois, o ‘amanhã’ de que falava John Cotton Dana? Quando existem ainda directores de museus que sentem a necessidade de optar entre o cuidar das ‘suas’ colecções e partilhá-las com as pessoas, “nos termos que elas, as pessoas, percebam”? Como se tivéssemos o direito de escolher qual das cinco funções do museu vamos cumprir (coleccionar, preservar, investigar, expor ou interpretar), em vez de as cumprir todas da melhor forma que possamos? Não acho que sejamos ainda este género de ‘amanhã’, mas museus em todo o mundo têm dado passos muitíssimo sérios nessa direcção. E esta atitude tem dado frutos. Porque esses museus se têm tornado relevantes para as suas comunidades, são usados e estimados, fazem parte da vida das pessoas e as pessoas estão aqui para defender a sua existência.
De alguma forma, estes museus orientados para as colecções fizeram-me pensar nas instituições orientadas para os artistas. E o artigo de Vitor Belanciano Artistas e cinismo (Público, 20.05.2012) não poderia ter aparecido num momento melhor para contribuir para esta reflexão. Num texto que foi profundamente sentido e apreciado pelas pessoas que valorizam a criação artística, Vítor lembrou-nos de algumas verdades: da má imagem que a cultura e a maioria dos artistas têm em Portugal; do facto de serem considerados parasitas; do facto de merecerem – alguns, nem todos – reconhecimento apenas após a sua morte. Mencionou ainda que cientistas, médicos, advogados e engenheiros, mesmo quando são maus profissionais, não têm que justificar a sua existência perante a sociedade; e que os artistas não estão a fazer o suficiente para seduzirem a opinião pública, provavelmente porque eles próprios não acreditam naquilo que querem que nós acreditemos: que a cultura não cria apenas riqueza material, mas também sabedoria e riqueza emocional, que são absolutamente essenciais nos tempos que correm.
De alguma forma, estes museus orientados para as colecções fizeram-me pensar nas instituições orientadas para os artistas. E o artigo de Vitor Belanciano Artistas e cinismo (Público, 20.05.2012) não poderia ter aparecido num momento melhor para contribuir para esta reflexão. Num texto que foi profundamente sentido e apreciado pelas pessoas que valorizam a criação artística, Vítor lembrou-nos de algumas verdades: da má imagem que a cultura e a maioria dos artistas têm em Portugal; do facto de serem considerados parasitas; do facto de merecerem – alguns, nem todos – reconhecimento apenas após a sua morte. Mencionou ainda que cientistas, médicos, advogados e engenheiros, mesmo quando são maus profissionais, não têm que justificar a sua existência perante a sociedade; e que os artistas não estão a fazer o suficiente para seduzirem a opinião pública, provavelmente porque eles próprios não acreditam naquilo que querem que nós acreditemos: que a cultura não cria apenas riqueza material, mas também sabedoria e riqueza emocional, que são absolutamente essenciais nos tempos que correm.
Outras profissões não precisam de se justificar porque a percepção geral é que contribuem para o bem comum. E é clara para as pessoas a forma como o fazem. Os artistas, em primeiro lugar, não são considerados profissionais e são vistos como pessoas que trabalham para elas próprias, gastando dinheiros públicos. Assim como as instituições que lhes cedem espaço para o fazer. No entanto, tal como os museus não existem apenas para preservar colecções, também as instituições de artes performativas não existem apenas para apresentar projectos artísticos. A ‘introversão’ que ainda caracteriza muitas delas, fazendo com que as portas se abram apenas aos poucos ‘entendidos’, está a ser contrariada, tanto pela entrada de profissionais que trazem novas preocupações quanto à relação com a sociedade - relação essa fundamental para que se possa verdadeiramente cumprir a sua missão e indissociável da sua sustentabilidade -, como também pela exigência de acesso por parte dos cidadãos.
As instituições culturais existem para as pessoas. São lugares de encontro entre pessoas que desejam comunicar entre elas; que procuram beleza e inspiração e sentido; que desejam partilhar pensamentos, experiências, preocupações e alegrias. Se quem as dirige não for consciente disto, então uma grande parte da sociedade continuará a considerar o investimento um desperdício, a sua oferta no mínimo incompreensível, a sua existência irrelevante e, por isso, dispensável.
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1 comment:
Creio que essa seja uma das questões mais importantes a serem discutidas na área cultural, especialmente na área artística. Quando leio Vitor Belanciano escrever que a cultura não pode ser dissociada das sociedades contemporâneas, penso em grande parte da produção cultural aqui no Brasil e não vejo nenhuma vontade de diálogo que não seja consigo mesmo. Às vezes, é como se boa parte da arte estivesse desconectada do mundo em que vivemos, tanto no sentido de conteúdo artístico quanto no sentido de modos de produção e gestão. Ainda aqui no Brasil, temos a questão das leis de incentivo à cultura. É bastante comum ler na internet comentários de pessoas não relacionadas à cultura que chamam os artistas de parasitas do dinheiro público, assim como também parece ocorrer em Portugal. É claro que não podemos culpar apenas os artistas por essa situação. Falta um entendimento mais amplo de toda a sociedade do que seja cultura, e de sua importância. Ao mesmo tempo, se nem aqueles que estão produzindo cultura se preocupam com isso, como esperar que o restante da sociedade o faça?
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