Monday, 24 September 2012

Blogger convidado: "Inspirar o amor pelas artes em públicos mais novos", por Consuelo Hidalgo (Equador)


Consuelo Hidalgo é uma mulher cheia de energia e entusiasmo que nos faz sentir que tudo é possível. E que trabalha muito para que as coisas realmente aconteçam. Neste momento, é a pessoa certa no lugar certo. Como Directora Executiva da Fundacion Niños com Futuro pode juntar o seu amor pelas artes ao seu amor pelas crianças. Neste texto, partilha connosco a história do seu contributo para o futuro de Equador. Sonha com e trabalha para que o seu país seja habitado por cidadãos sensíveis, criativos e genuínos pensadores críticos. mv

Uma aluna do ensino pré-escolar num concerto para crianças da Orquestra Sinfónica de  Guayaquil. (Foto: Consuelo Hidalgo)
Lembro-me da primeira vez que ouvi a minha avó contar-me com grande entusiasmo a história de La Traviatta. Tinha cinco anos e fiquei muito impressionada com o enredo e o como aquela música e aquelas vozes apaixonantes narravam o drama de uma forma tão mágica, e também tão incompreensível. Foi assim que fui apresentada à ópera: um jogo de contar histórias de uma avó que se tornou num novo modo de percepcionar e entender essa forma de arte.

Todas as formas de arte têm uma história para contar. Eu, tendo trabalhado durante muitos anos em projectos de desenvolvimento de públicos mais novos em museus, orquestras sinfónicas e fundações para crianças, aprendi a importância da forma, qualidade e frequência das histórias que contamos às crianças para as envolver nas artes.

No Equador, a maioria das actividades na área das artes performativas é gratuita para as crianças. Portanto, porque é que a maioria dos jovens equatorianos está tão afastada do ambiente artístico? Penso que o problema começa com a ‘vontade’ das instituições de ensino e dos pais de os levar a espectáculos e ensaios (que, em certos dias, são quase todos abertos ao público). Sendo assim, a minha questão é: qual é a história que estamos a contar aos professores e aos pais sobre os benefícios de assistir a um espectáculo e como é que as instituições artísticas locais planeiam as suas actividades para servir os públicos mais novos? E, ainda, quão sustentáveis serão as instituições artísticas nos próximos anos, uma vez que as artes e a música já não são uma disciplina obrigatória nas escolas e a população consome outros géneros de entretenimento?

Um concerto do Maestro Ivan Fabre (primeiro violino da Orquestra Sinfónica de Guayaquil) para crianças da Fundacion Niños con Futuro. (Foto: Consuelo Hidalgo) 
Não dispomos ainda  de estudos formais sobre o impacto de programas de educação artística nos públicos mais novos no Equador. O nosso parâmetro para medir os resultados é o feedback que recebemos dos pais e dos professores. Lembro-me muito bem quando estava a desenhar o meu primeiro programa ‘formal’ de educação artística, “Cultura para todos”. Estava a trabalhar no Museu de Arte Colonial Nahim Isaias e, como podem imaginar, despertar o interesse das crianças pelas artes coloniais não era propriamente fácil. Por isso, comecei a brincar com conceitos usados pelos nossos conservadores nas exposições que poderiam ser apresentados como uma história paralela numa linguagem familiar para os alunos. Por exemplo, com base numa exposição permanente inspirada na iconografia, criámos um programa especial de acordo com padrões académicos estabelecidos a nível nacional e local. Cada professor recebeu um caderno de actividades para poder guiar os alunos e era suposto implementar o programa na sala de aulas, enquanto os conceitos específicos de arte e iconografia eram ensinados durante a visita ao museu. O programa tinha sido feito para apoiar a aprendizagem na sala de aulas. O objectivo de tudo isto, e também dos programas para o desenvolvimento de públicos mais novos que se seguiram na Orquestra Sinfónica de Guayaquil, era envolver os alunos através de uma abordagem criativa ao ensino, proporcionar experiências artísticas às crianças e fornecer aos estudantes instrumentos de auto-expressão. Esta experiência incluía visitas ao museu, onde as crianças recebiam um caderno de actividades, como palavras cruzadas, adivinhas, e pistas para jogar um jogo de mistério conduzido pelo pessoal do museu; incluía ainda visitas à orquestra sinfónica, concertos do quarteto de cordas nas suas escolas, acompanhados também de um caderno de actividades realizadas após o concerto. A reacção dos professores e dos pais foi muito positiva, uma vez que podiam ver claramente que os alunos se envolviam mais nas aulas e demonstravam uma apreciação pelas artes mais activa e mais sustentada. A experiência mais recompensadora era ver as crianças regressarem com os seus pais no fim-de-semana (e darem-nos conhecimento que tinham regressado), assim como saber que as escolas que tinham participado nos nossos programas incluíam agora feiras de artes e cultura no seu calendário escolar (fomos convidados a inaugurar oito dessas feiras).

Foi assim que, há oito anos, comecei a desenvolver parcerias com a comunidade para garantir uma educação artística de alta qualidade para os mais novos, e estabeleci o objectivo de melhorar a capacidade das escolas e da comunidade para abraçar as artes, o que, espero, irá criar no futuro uma procura sistémica de educação artística.

Então, qual é a história que deveríamos estar a contar à sociedade sobre a importância das artes na vida das crianças? A arte é uma estratégia relevante para a educação em todas as áreas. Nos primeiros anos da infância, aumenta o pensamento criativo, reflectivo e crítico. É um instrumento de aprendizagem que estimula a habilidade de criar e inovar. Podemos, por isso, dizer que, através da arte, as crianças podem expressar os seus sentimentos e criatividade à medida que desenvolvem a sua capacidade de pensamento crítico.

Crianças da Fundacion Niños con Futuro visitam o teatro em Guayaquil. (Foto: Consuelo Hidalgo)
A questão com a qual estamos a ser confrontados neste momento não é “educação menos arte” versus “educação mais arte”, mas, sim, qual é a qualidade das capacidades essenciais com as quais esperamos – e devemos – equipar as futuras gerações? Será um kit de ferramentas para o desempenho de simples tarefas práticas? Ou, em vez disto, iremos promover aquele pensamento flexível, imaginativo e crítico que é necessário para lidar com os desafios, complexos e em constante mudança, com os quais somos confrontados no mundo contemporâneo? Será limitado à sala de aulas? Ou, em vez disto, irá tornar-se num recurso ao longo da vida para o crescimento e enriquecimento pessoal? Irá tornar-nos mais conscientes dos detalhes subtis da vida?

O meu envolvimento nas artes quando era criança mudou a minha vida para sempre. Não seria hoje tão activa neste campo se assim não fosse. Esta é a história que vos quero contar e espero poder ouvir histórias parecidas no futuro contadas pelas gerações seguintes.


Consuelo M. Hidalgo é jornalista. Actualmente, é Directora Executiva da Fundacion Niños con Futuro. Antes, tinha sido promotora cultural da Orquestra Sinfónica de Guayaquil, onde foi responsável pelos programas de desenvolvimento de públicos, relações internacionais e programas educativos. Iniciou a sua carreira profissional como Directora de Relações Públicas do Museu de Arte Colonial Nahim Isaias, em Guayaquil. Durante o seu tempo no museu, desenvolveu vários projectos culturais com o objectivo de integrar pessoas com menos recursos. O projecto foi chamado “Cultura para Todos” e estendeu-se a outras cidades do país. Em 2006 foi convidada pelo MAAC, um museu de antropologia e arte contemporânea, para gerir o projecto “Vivir la Cultura”, um projecto que proporcionava espectáculos gratuitos tendo como palco zonas regeneradas da cidade. Em 2008, entrou no Bureau of Education and Cultural Affairs do U.S Department of State e no John F. Kennedy Center for the Performing Arts International Cultural Exchange Fellows Mentoring Program for Performing Arts Managers. Acabou recentemente o seu fellowship em Arts Management no DeVos Arts Management Institute at the John F. Kennedy Center for the Performing Arts.

3 comments:

Nuno Beja said...

Maravilhoso, maravilhoso!!! "O envolvimento no mundo das artes mudou a minha vida para sempre". A vida, em Portugal, poderia mudar para milhares de crianças e mesmo adultos, se tivéssemos mais pessoas como esta senhora. Obrigado Maria, mais uma vez!!!
Vou enviar este texto, se for possivel, para pessoas ligadas à musica no Algarve.
Nuno

Maria Vlachou said...

Fico muito contente que tenha gostado, Nuno. A Consuelo é ainda mais emocionante quando fala das suas paixões ao vivo!

consuelo hidalgo said...

Obrigado! :)