Penso frequentemente no que faz um bom líder, um grande líder. Aquela pessoa que tem a visão e a determinação de traçar e seguir um caminho e que, ao mesmo tempo, é capaz de inspirar, reunir à sua volta e liderar muitas outras pessoas, essenciais para a missão ser cumprida. Por isso, fiquei muito interessada quando a minha amiga Caroline Miller, directora do Dance UK, me escreveu sobre o Rural Retreats, um think tank internacional que olha para o futuro do bailado e da dança. As sessões trazem oradores convidados do mundo dos negócios, do desporto e das artes que se juntam aos profissionais da dança, partilham experiências e permitem pensar, sem limitações e preconceitos, sobre o papel da dança na sociedade contemporânea. Os grandes líderes nascem ou são criados? Ou um pouco dos dois? Assis Carreiro, Directora Artística do Royal Ballet of Flanders e a pessoa que concebeu e lançou os Rural Retreats, e Thomas Edur, Director Artístico do Estonian National Ballet, partilham a sua experiência e escrevem sobre os desafios que enfrentam. É muito interessante que ambos falam dos egos; e ambos falam das pessoas… mv
Assis Carreiro com Lynn Seymour e Karen Kain no Rural Retreats de 2012. |
Como fundadora e produtora dos Rural Retreats, abordei o último encontro de directores artísticos de todo o mundo com grande entusiasmo, mas também com algum nervosismo, dado que, pela primeira vez, não estaria apenas no papel de anfitriã, mas de participante também, tendo acabado de assumir a função de Directora Artística do Royal Ballet of Flanders. Esta última edição, portanto, foi um bónus duplo para mim. Por um lado, produzi um think tank pelo qual estou apaixonada e determinada em fornecer a uma comunidade de dirigentes – desesperadamente à procura de apoio, de debate com os seus pares, de estímulo por parte dos oradores convidados de outras áreas profissionais. O sucesso das edições anteriores mostra o quanto estas têm sido cruciais e necessárias para o bem estar e o desenvolvimento de existentes e futuros líderes na área da dança. Por outro lado, o fim-de-semana era exactamente o que precisava quatro meses depois de ter assumido funções como Directora Artística – uma oportunidade para aprender e ouvir, fazer muitas perguntas práticas sobre o dia-a-dia no trabalho, assim como perguntas mais profundas, filosóficas, sobre esta forma de arte pela qual estamos todos tão apaixonados.
Quando concebi os Rural Retreats, há doze anos, nunca tinha pensado que um dia iria dirigir uma companhia. Mas, com o passar do tempo, pensei que seria um desafio do qual iria gostar e… aqui estou. Devo dizer que não poderia ter feito este trabalho antes. Precisava não só de experiência profissional, mas também de experiência de vida – é crucial e é esta experiência que vou buscar no fundo do meu saco que me ajuda a encontrar soluções e manter-me sã. Ter uma família, enquanto continuo a assumir desafios e negociações, contribui também para a minha sanidade e ajuda-me a perceber que há mais na vida do que a dança. Eles são o mais maravilhoso sistema de apoio e clube de fãs quando a situação se torna difícil!
Este trabalho é antes de mais um trabalho com pessoas. Como Directora Artística, sou responsável pelas suas carreiras – o seu desenvolvimento -, e essas são carreiras frágeis e curtas e tudo se torna pessoal. Os bailarinos estão constantemente a ser julgados e há decisões difíceis a tomar. Tenho mesmo que pôr de parte o meu ego e cuidar de outros 52 egos e ainda da equipa artística, coreógrafos convidados e repetidores, equipa administrativa, membros do Conselho Consultivo e, claro, das necessidades do nosso público. É malabarismo a alta velocidade, sempre com um sorriso e uma atitude forte, clara e positiva…
Os desafios:
1) Dinheiro, dinheiro, dinheiro: se houvesse suficiente, poderíamos simplesmente fazer o nosso trabalho, mas esta é uma frustração e um desafio constantes e, nestes tempos difíceis, temos mesmo que pensar “out of the box” sobre como vamos sobreviver e manter a nossa forma artística relevante e vibrante e compreendida por um público mais amplo, fora do nosso mundo pequeno e frágil.
2) Ser nova: Sou nova, por isso tenho que provar a todos o que sou capaz de fazer e ganhar a sua confiança. Isto leva tempo. Tive que programar uma temporada inteira em apenas duas semanas – o que foi uma perfeita loucura, mas consegui e a equipa juntou-se a mim para a tornarmos realidade. Isto tem sido maravilhoso e espero ter começado a ganhar a confiança deles aos poucos.
3) No primeiro ano, cada dia é um dia de aprendizagem: Não tenho medo de fazer perguntas e juntei-me a uma companhia com uma enorme riqueza de experiências, por isso, pergunto e aprendo, mas posso também ensinar, com a minha experiência de 32 anos nesta profissão, em várias companhias e papéis, que me deu a confiança de aceitar este último posto.
4) As pessoas: reunir as pessoas certas para embarcarem comigo nesta viagem e seguirem a minha visão. Se não forem as pessoas certas, deverão procurar um outro barco para navegar, dado que precisamos de trabalhar em conjunto, como uma equipa coesa de indivíduos empenhados. Na área da dança é difícil, porque muitas vezes não se trata das pessoas serem boas ou não, mas se se enquadram nesta nova forma de trabalhar, se estão abertas à mudança e a novas formas de levar as coisas para a frente. Em Antuérpia, estou mesmo a tentar criar um forte ensemble de bailarinos e, felizmente, herdei uma base forte para o poder fazer, mas as equipas técnicas e de produção, assim como a administrativa, são igualmente importantes para o barco navegar na direcção certa.
5) A alegria: tem que haver sempre alguma! O trabalho de coreógrafos maravilhosos interpretado por bailarinos com enorme talento e depois… ver a reacção do público; isto faz com que tudo mereça a pena e o prazer da programação que os leva ambos a uma viagem – e a mim também!
Assis Carreiro é Directora Artística do Royal Ballet of Flanders desde Setembro 2012. Foi Directora Artística e CEO do DanceEast England entre 2000 e 2012, onde criou os Rural Retreats, uma série de think tanks internacionais que apoiam o desenvolvimento de liderança na área da dança para directores artísticos, existentes e futuros; o Snape Dances, uma série internacional de dança em Snape Maltings; e o Centro Nacional de Coreografia. Liderou um projecto capital do DanceEast, que em 2009 culminou na abertura do Jerwood Dance House nas docas de Ipswich e que custou 9 milhões de libras. Em 1998/99, foi programadora em DasTAT para a companhia de William Forsythe em Frankfurt. Em 1994/96 foi directora de DanceXchange em Birmingham e trabalhou para Wayne McGregor|Random Dance. Antes de se mudar para o Reino Unido em 1994, foi Directora de Educação, Outreach e Publicações no National Ballet of Canada.
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National Ballet of Estonia (Foto: Harri Rospu) |
Sou Director Artístico do Estonian National Ballet há quase quatro anos. Assumi esta função depois de ter trabalhado durante muitos anos como bailarino principal no English National Ballet. A transição da condição de bailarino principal autónomo e freelancer para dirigente de uma companhia com mais de 70 pessoas foi enorme. Tinha estado a pensar no como isto seria ao longo de muitos anos, porque sabia que queria ser um dia Director Artístico. Há alguns anos, tinha participado nos Dance Retreats do DanceEast para futuros directores de companhia e tinha falado com outros colegas sobre o papel, mas nada nos prepara realmente para a realidade.
Lições aprendidas?
1. Não o faça pelo seu ego, faça-o porque gosta de transmitir os seus conhecimentos.
2. Ensine algo a alguém e vai aprender sobre si e o seu estilo de liderança.
3. Comunicar e falar com as pessoas é vital – mas vai ficar cheio de trabalho e descobrirá que não tem tempo para falar com as pessoas. Arranje tempo, é essencial.
4. Tente ser razoável e justo.
5. Prepare-se para trabalhar muitas horas – mas admita que tem que encontrar um equilíbrio entre o trabalho e a sua vida fora dele para se manter são.
Quando estive no Rural Retreats na Inglaterra este ano, tive a oportunidade de estar com outros 27 directores artísticos de companhias de dança de todo o mundo. Não partilhámos apenas os nossos desafios e oportunidades, mas ouvimos oradores que trabalham em áreas como o desporto de alta competição, a psicologia e a ópera. Tínhamos muito em comum.
A Estónia é um país pequeno e cada país enfrenta desafios diferentes, mas o financiamento é sempre uma grande questão. Afecta o trabalho artístico que podemos criar, mas não nos pode impedir de criar. Algumas vezes, penso que ter menos recursos é uma oportunidade criativa. Orçamentos para produções de luxo podem significar que estamos a deitar fora a oportunidade de nos expressarmos apenas com o corpo. E tudo tem a ver com isto – a música e o corpo.
Para mim pessoalmente, o desafio que mais me preocupa é lidar com os artistas. Estou a pensar constantemente em como contribuir para o seu desenvolvimento, não apenas no futuro imediato, mas a longo prazo. Mantê-los motivados e com energia pode ser difícil. Os bailarinos são fortes e independentes e muitas vezes esta característica é negligenciada, porque a forma artística é silenciosa. A sociedade não se relaciona facilmente com isto. Tudo tem a ver com auto-promoção, ser entrevistado para a televisão, fazer ouvir a sua voz – enquanto a dança tem a ver com mostrar o que se pode fazer em vez de falar sobre isso. Muito poucos bailarinos serão famosos e, para aqueles que o forem, pouco tempo depois chegará o momento de se reformarem.
Ser Director Artístico de uma companhia de dança significa que o teu activo mais importante são os bailarinos. Está-se a lidar com pessoas que estão a fazer um esforço enorme para conseguirem algo e, algumas vezes, podem ser mal entendidas. Todos os bailarinos profissionais trabalham para conseguir o máximo da sua capacidade física. É muito semelhante ao lidar com o talento na área do desporto. O meu desafio como líder é mostrar-lhes que se me ouvirem irão dançar melhor e este é um processo a longo prazo. Como Director Artístico, tem-se que mostrar resultados, e quando um bailarino tem sucesso, outros se seguirão.
Thomas Edur é Director Artístico do Estonian National Ballet desde 2009. Foi uma estrela internacional na área da dança, tanto como solista, como também na parceria com a sua mulher, Agnes Oaks. É também professor e coreógrafo, empenhado em promover a excelência na dança. Em 2001, foi-lhe atribuída pelo Presidente da Estónia a Ordem da Estrela Branca. Em 2010, a Rainha Elisabete de Inglaterra atribuiu-lhe o Grau de Commander of the Most Excellent Order of the British Empire (CBE), em reconhecimento dos seus serviços na área das artes no Reino Unido nas relações culturais Reino Unido-Estónia.
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O meu agradecimento à Caroline Miller por toda a sua ajuda.
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