Monday 15 July 2013

Blogger convidado: "Chile cultural ou a tentativa de modelos de gestão descentralizados", por Eduardo Duarte Yañez (Chile)

Eduardo Duarte Yañez é um gestor cultural chileno. Neste post partilha connosco as suas preocupações relativamente àquela que considera ser uma obsessão do governo do seu país com o “impacto” da cultura – conceito esse que Eduardo considera ter sido muito pouco ou mesmo nada definido por quem o usa. Ao mesmo tempo, deposita a sua confiança nas comunidades locais que, juntamente com a cooperação cultural internacional e as autoridades políticas locais, estão a desenhar modelos de gestão cultural, procurando abrir um caminho para a concretização de programas culturais. mv

Abertura do Primeiro Encontro Internacional Mujeres por la Cultura, que se realizou na semana passada do Chile.

Falar de processo culturais no Chile, na perspectiva do registo de modelos de gestão de cidades, onde o papel da cultura, apesar de não ser protagonista, tem uma importância vital nas políticas públicas de desenvolvimento local, é algo não muito animador para os gestores culturais, artistas e movimentos culturais comunitários, a sociedade civil organizada.

Existe, é certo, uma política cultural nacional que foi aprovada até 2016, onde nos são dados uma série de conceitos em voga, onde se menciona pela primeira vez a valorização do Património Cultural Imaterial, muitas medidas e eixos aos quais, quase transversalmente, não é associado um plano de gestão para os levar para a frente.

Por trás deste panorama, tentaremos focar-nos, de uma forma geral, nas realidades locais das comunidades. Nos últimos quatro anos não se avançou com nenhum conceito ou critério para se entender o que o Ministério da Cultura do Chile (sem classificação ministerial, outra contradição) chama de “impacto” e a sua obsessão com isto. Qual é o impacto de um poema ou de uma composição musical? O número de pessoas que o lêem ou que a ouvem? A qualidade da leitura ou da audição? E qual o prazo para se medir isto? Quantas décadas terão de passar para que a obra de Gabriela Mistral comece a ter um “impacto” na cultura nacional, caso esteja efectivamente a ter “impacto”…? Como quantificar “o impacto” de uma obra pictórica? Pelo número de olhos que a têm visto num determinado período de tempo (meses, anos?) ou pelo seu valor no mercado de arte? Receio que a preocupação legítima pelos resultados de uma certa política pública (neste caso, cultural), obcecada com o “impacto”, se não houver cautela, pode acabar num beco sem saída.

Por outro lado, também o debate pela gratuitidade ou não das actividades culturais (acesso à cultura) é algo feito apenas de forma marginal, e não como um debate entre os cidadãos. A maior parte da oferta cultural é gratuita, e em muitos casos mistura-se e confunde-se com o entretenimento de shows para as massas, que são capazes de atingir o valor do orçamento anual de um Departamento Municipal de Cultura.

No Chile existem 345 câmaras municipais. De acordo com o segundo inquérito nacional de cultura (realizado pelo Conselho Nacional da Cultura e das Artes), a forma artística com maior número de espectadores chilenos é o cinema (34%), seguido dos concertos (29,3%). Esta situação revela um interessante debate relativamente aos conteúdos cinematográficos, onde os cinemas tradicionais foram substituídos pelos cinemas nos grandes centros comerciais, e onde a programação está baseada na indústria cinematográfica de Hollywood, na qual “escolher” que filme ver significa “escolher entre os filmes que te obrigo a ver”, não há uma variedade de conteúdos onde possam também ser realizadas mostras de cinema independente ou ciclos de cinema nas universidades públicas ou privadas.

A política de fomento à leitura é um outro capítulo, ainda mais longo, de ambiguidades. Chile tem 19% de imposto nos livros, algo que faz sangrar as editoras, os autores emergentes ou não, e principalmente o cidadão comum que se vê impossibilitado de comprar livros que, muitas vezes, pressupõem 20% a 30% de um salário mensal com o qual deve sustentar a sua família. Um trabalhador não pode adquirir livros com conteúdos de qualidade, é proibitivo.


Contrariamente a tudo o que foi dito até agora, as comunidades locais, como é o caso de Coquimbo, juntamente com a cooperação cultural internacional e as autoridades políticas locais, estão a desenhar modelos de gestão cultural, como os Planos Directores de Cultura, ferramentas flexíveis que se constroem com todos os agentes culturais locais, procurando definir um rumo para a concretização de programas culturais, sustentáveis e com um registo preciso de cada acção para contemplar a maior quantidade de indicadores. Avançou-se com projectos como a Cartografia Sociocultural de Bairros Populares de Coquimbo e a Etnografia Escolar, seguindo os modelos de sucesso de Educação Patrimonial do Brasil e da Colómbia. Iniciou-se a implementação em 2012, com fundos do orçamento municipal para a cultura, da experiência dos Seminários Debates dos Microbairros, para incluir, com rigor e método científico na compilação de dados e também com múltiplos formatos de obtenção de indicadores, sem serem necessariamente académicos, questões muito importantes que devem ser tomadas em consideração.
Desta forma, os municípios vão criando uma visualização mundial dos seus principais activos bioculturais, e avançam igualmente com a experimentação de modelos de gestão cultural das cidades, de forma comunitária e inclusiva. Trata-se de uma tarefa muito ampla e, com certeza, com muitos altos e baixos, no entanto o mais interessante no processo cultural da região de Coquimbo - que contou com o primeiro prémio Nobel para uma mulher, Gabriela Mistral - é que há uma inter-relação entre as suas cidades e uma disposição integral dos gestores, artistas e autoridades políticas, para trabalhar de forma articulada. Espera-se que possamos ter no final de 2013 a primeira memória deste processo que se vai adaptando e que recebe novos impulsos por parte da comunidade local.
Eduardo Duarte Yañez é escritor e gestor cultural, criador de múltiplos projectos e programas de cultura para o desenvolvimento local e a integração cultural. Foi distinguido em 2006 com um prémio nacional de Gestão Cultural Municipal no Chile. É licenciado em Gestão Cultural, pela Faculdade de Artes da Universidade do Chile; pós-graduado em Cooperação e Gestão Cultural Internacional pela Universidade de Barcelona, Espanha. Publica em diversos meios de comunicação na América Latina e em Espanha.

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