A artista Ahlam Shibli no Jeu de Paume (Foto LP/Philippe de Poulpiquet, retirada do jornal Le Parisien) |
Já tinha escrito aqui
sobre a minha experiência de há vinte anos quando visitei um museu de história na
cidade de Halifax no Reino Unido. Tinha ficado absolutamente chocada quanto vi, numa das fotografias expostas, combatentes da resistência cipriota contra o poder
britânico a serem identificados como “terroristas”. Ao mesmo tempo, penso que
me apercebi naquela altura – tinha 23 anos – que havia pessoas que contavam
aquela mesma história de uma forma completamente diferente. Os homens na
fotografia poderiam ter matado os seus entes queridos, que tinham sido enviados
pelo seu país para defender uma autoridade, na sua opinião, legítima.
Mesmo assim,
independentemente do meu choque, não ameacei o museu com uma bomba, não iniciei
uma petição para fechar a exposição. Que é exactamente o que tem acontecido em
Paris nas últimas semanas como resposta a certas fotografias exibidas no âmbito
da exposição Foyer Fantôme, no museu Jeu de Paume, pela artista palestiniana
Ahlam Shibli. Porquê? Porque certas pessoas sentiram que a exposição de
fotografias de bombistas suicidas palestinianos, e o facto de serem referidos
como “mártires”, era uma forma de glorificar o terrorismo. Considero, obviamente, as reacções e ameaças dos grupos pró-Israelitas totalmente
inaceitáveis. Mas devo também dizer que não me surpreendem. O assunto é
sensível, controverso, e aqueles que afirmam estar surpreendidos pelas fortes
reacções de certos grupos ou que nos avisam relativamente ao retorno da censura
(ler o artigo de Emmanuel Alloa La censure est de retour) ou são ingénuos ou não são honestos
com eles próprios e com os outros. Não há nada de novo ou de surpreendente
nestas tentativas de censura, aconteceram no passado e voltarão a acontecer. Mas não é sobre isto que quero falar.
Elogio os museus que têm a coragem de
tocar em assuntos difíceis e controversos. Os museus devem fazer exactamente
isso: desafiar as nossas ‘histórias’, apresentar ‘o outro lado’, provocar
debate, criar espaço para isso. No entanto, não tenho a certeza se o propósito do Jeu de Paume era esse.
Lê-se no website do
museu relativamente à exposição: “Morte, a última série de Ahlam Shibli,
especialmente concebida para esta retrospectiva, mostra como a sociedade
palestiniana preserva a presença de ‘mártires’, de acordo com o termo usado
pela artista. Esta série testemunha uma vasta representação dos ausentes
através de fotos, cartazes, painéis e graffitis expostos como forma de resistência.”
O museu parece ter perfeita consciência que o uso do termo ‘mártir’ pode ser
controverso e atribui o mesmo à artista. Por outro lado, a artista, citada no
artigo de Emmanuel Alloa, afirma que “O meu trabalho é apenas mostrar, não é
nem denunciar nem julgar”.
Na minha opinião,
as exposições não mostram ‘apenas’. Nem os artistas. Exposições e artistas
fazem afirmações. A Ministra Francesa da Cultura pareceu-me muito mais
afirmativa no seu comunicado público e não pareceu querer fugir àquela que é a
verdadeira questão: “Esta alegada neutralidade pode também ser chocante”, disse
ela, “e causar más interpretações, uma vez que não explica o contexto das
fotografias, que não é apenas aquele da perda, mas também o do terrorismo.”
(ler o comunicado na íntegra aqui).
Death nr. 37, por Ahlam Shibli (imagem retirada do blog Lunettes Rouges) |
O Ministério pediu ao museu para completar a informação disponibilizada aos
visitantes para, por um lado, clarificar e explicar melhor o propósito da
artista e, por outro, para fazer a distinção entre a proposta da artista e
posição da instituição. A Ministra foi atacada de todos os lados, pró e contra a exposição. Pessoalmente,
não vejo porque é que um museu deveria manter a distância das suas opções da
forma como parece ter sido sugerido pelo Ministério Francês. O que deveria
ficar mesmo claro é por que razão o museu escolhe apresentar a exposição A ou B
ao público, como é que esta escolha vai ao encontro da sua missão e
programação, o que pretende comunicar, que género de reflexão e discussão
procura promover.
Não posso
dizer que são claros para mim os propósitos do Jeu de Paume e as razões porque
optou por apresentar uma artista que ‘quer apenas mostrar’. Procurei várias
vezes no website do museu a existência de um programa paralelo que poderia
complementar a exposição com comunicações e debates. Nada. Quando foi
finalmente anunciado um debate, organizado pelo museu e pelo Observatoire de la
Liberté de Création, “reagindo à controvérsia gerida pela exposição”, este iria
abordar questões como a liberdade da representação artística, a
responsabilidade das instituições que expõem obras que possam causar polémica,
a liberdade do visitante de ter acesso às obras e a liberdade de expressão em todas
as suas componentes (ler aqui).
Isto é
tudo muito bom. Isto é exactamente o que deveria ter sido programado
antecipadamente e não como reacção a uma polémica. E deveria ter ido mais longe
do que a discussão geral da liberdade de criar, liberdade de expor, liberdade
de visitar. Esta exposição levanta outras questões importantes e específicas.
Teria
esperado que o Jeu de Paume não fingisse que não estava à
espera de uma enorme polémica quando bombistas suicidas palestinianos são referidos
como mártires. Teria esperado que a
artista não quisesse “apenas
mostrar”, como se fosse ‘apenas’ uma repórter, como se não tivesse tirado e
exposto estas fotos com a intenção de fazer uma afirmação. Teria esperado que ambos, o museu e a artista, quisessem verdadeiramente provocar
um debate, empurrar as fronteiras para a frente, criar espaço para discutir o
que é história, identidade, conflito, justiça, resistência, um acto ou um
estado terrorista. Esta é a questão palestiniana, aqui não há “apenas”.
Ainda neste blog
As histórias que contamos a nos próprios
Silenciosos e apolíticos?
A longa distância entre Califórnia e Jerusalém
Mais leituras
Marie-José Mondzain, Artiste palestinienne : liberté pour l'art au Jeu de Paume (Le Monde, 21.6.2013)
Chez soi : la photographe palestinienne Ahlam Shibli au Jeu de Paume (on the blog Lunettes Rouges, 7.6.2013)
G.W. Goldnadel, France/Jeu de Paume: double honte (Israël Flash, 21.6.2013)
Marta Gili: Je refuserai toujours lacensure au Jeu de Paume. Entrevista da Directora
do Jeu de Paume (Le Figaro, 24.6.2013)
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