Os meus dois
amigos e colegas ucranianos, Ihor Poshyvailo e Kateryna Botanova, são a
representação viva daquilo que é a Ucrânia hoje em dia. Um país que deseja fortemente preservar as suas tradições e destacar, assim, a sua distinta identidade cultural;
um país determinado em olhar para a frente e para fora, em marcar a sua posição
no mundo contemporâneo, livre de ideologias controladoras e de ofertas de
“protecção”. Ihor escreveu para este blog no ano passado. Agora, é a vez da Kateryna partilhar
connosco as suas ideias, ansiedades e, sobretudo, o enorme e consistente trabalho
que ela e o resto da pequena equipa do Center for Contemporary Art tem estado a
desenvolver, determinados em lutar contra as suas inseguranças e de ultrapassar
os obstáculos para cumprirem a sua missão e assumir em pleno as
responsabilidades que traçaram para eles próprios no sector cultural do seu
país. mv
SPACES: Architecture of Common, CSM, 2013. Foto: Kostiantyn Strilets, © CSM |
A Ucrânia é
um país peculiar onde a palavra “independente” significa algo completamente
diferente do que no resto da Europa. Aqui, “cultura independente” e
“instituição cultural independente” não estão apenas livres do controlo
ideológico e/ou político do governo ou de qualquer outra entidade pública, mas
são também definidas como não sendo dependentes de qualquer tipo de apoio
financeiro público – porque não há.
Ser uma
instituição cultural independente na Ucrânia significa escrever a sua própria
missão de servir a comunidade, ser suficientemente corajoso para ver as lacunas
na política cultural do Estado e tentar preenchê-las da melhor forma que puder,
e ser completamente responsável pelo seu próprio futuro – financeiro e
profissional.
No Foundation Center for Contemporary Art (CSM), Kiev, Ucrânia,
começamos os nossos encontros mensais de planeamento com uma pergunta – para
quem estamos a fazer isto? A nossa declaração de missão define que trabalhamos
para criar uma plataforma de possibilidades para os profissionais da cultura –
artistas, críticos, arquitectos, escritores, etc. – para promover a comunicação
interdisciplinar, a experimentação e a inovação. Mas como é que o fazemos? Como
é que sustentamos o seu trabalho quando o acesso à cultura está limitado - e,
por isso, a apreciação por ela também – e não há apoios disponíveis, públicos
ou privados? Quem pode criar círculos de compreensão e construir apoio para
este género de arte?
O CMS é uma
instituição independente e sem fins lucrativos criada em 2009, sucessor do
Center for Contemporary Art estabelecido por George Soros em 1993, como parte
da rede de centros de arte criada por Soros em toda a Europa Central e Oriental.
Poucos sobrevivem hoje, sobretudo devido à falta de financiamento. O CSM
sobreviveu graças a uma reestruturação significativa – de uma instituição
grande, que tinha como objectivo apresentar o trabalho e promover a formação de
artistas, para uma pequena e flexível equipa curatorial que procura promover
produções experimentais, a crítica e o desenvolvimento de públicos.
Em 2010, um
ano após esta transformação, quando tivemos que deixar de repente a nossa sede
numa das principais universidades da capital e mudar-nos literalmente
“underground”, para a cave de um prédio, Art Ukraine, uma das mais importantes revistas de arte na Ucrânia, incluiu o
CSM na lista dos 10 mais importantes instituições artísticas da Ucrânia,
destacando “o verdadeiro renascimento do CSM no sentido de se tornar uma das
instituições mais activas”. Percebemos que a decisão desconfortável de
continuarmos como uma instituição pequena - com base na convicção que é
possível e necessário trabalhar nesta área onde nem as corruptas instituições
estatais nem o ofensivo capital privado queiram entrar - estava certa.
SEARCH: Other Spaces. Workshop de Anton Lederer, CSM, 2012. Foto: Dmitro Shklyarov, © CSM |
A ideia de
continuar a trabalhar – fazendo projectos multidisciplinares em espaços
públicos, apresentando iniciativas e programas educativos e de
auto-formação, criando novos espaços para o trabalho conjunto de artistas e públicos, fazendo
pesquisa em história de arte e políticas culturais - foi importante. O CSM foi
e ainda é um exemplo de resiliência e de criação de mudança. Enquanto nós
estivermos a trabalhar, as instituições culturais independentes neste país
poderão trabalhar também. É difícil, mas é possível.
Quanto mais
longe vamos, melhor percebemos que, por enquanto, a maior mudança está na
criação de círculos de apoio e compreensão dos públicos: apoio à cultura
contemporânea e às ideias que esta articula – criando acesso não apenas aos
produtos culturais, mas ao pensamento sobre o mundo em que vivemos e a sua
compreensão através da cultura.
Foi em 2010
que nós no CSM tivemos a ideia de lançar uma plataforma para a reflexão crítica
e a compreensão dos desenvolvimentos culturais contemporâneos – a revista
digital Korydor. Criada
inicialmente como uma ferramenta para a comunidade artística poder escrever e
debater eventos, questões e problemas, conseguiu dentro de três anos reunir
mais de 6000 leitores por mês. Quando tomámos a decisão no verão passado de
lançar uma campanha de crowdfunding para a Korydor, tínhamos
dúvidas e receio. A quem estamos a dirigir-nos? Os leitores de uma revista
intelectual, num país sem tradição de pagar por produtos culturais, precisariam
dela o suficiente para a apoiar financeiramente? Se conseguíssemos, o que é que
este apoio significaria para a Korydor? Como é que a revista ia mudar?
Como é que nós íamos mudar?
Mais de 200
pessoas apoiaram a Korydor, excedendo o objectivo inicial da campanha.
Em três meses aumentámos o número de leitores em 20%, conseguindo mais e mais
da comunidade artística para dar à comunidade de pessoas que querem que a arte
faça parte da sua vida. As contribuições eram frequentemente acompanhadas pelo
seguinte comentário: “(mesmo que não estivéssemos a ler a revista antes) estão
a fazer algo tão importante, por favor, continuem!”.
A Korydor
foi o primeiro meio de comunicação na Ucrânia que foi apoiado via crowdfunding.
Seguiram-se outros, como o Public Radio, uma iniciativa independente que
atingiu recentemente o seu objectivo de crowdfunding.
Project "Working Room" with Anatoliy Belov, CSM, 2013. Foto: Kostiantyn Strilets, © CSM |
O CSM está a
dar mais um passo no sentido de alargar o seu círculo de apoio. Daqui a três
semanas, em colaboração com o Kyiv-Mohyla Business School, vamos
lançar o primeiro programa especial para estudantes de MBA que permitirá a gestores de empresas falar, ver, ouvir e
aprender com artistas ucranianos de diferentes géneros e gerações. Tentaremos
pensar o nosso futuro juntos e ver como é que podemos todos permanecer independentes
no nosso pensamento, expressão e compreensão mútua de quaisquer interesses
restritos e necessidades medonhas.
Kateryna Botanova é crítico de arte, curadora, investigadora em cultura
contemporânea e políticas culturais, tradutora. Desde 2009, é a Directora do
Foundation Center for Contemporary Art em Kiev, fundadora e editora principal
do jornal cultural Korydor. Membro do Conselho Consultivo do festival
FLOW (desde 2009), European Cultural Parliament (desde 2007), Vienna Seminar
steering group (Erste Foundation, 2012), Public Council of Junist at
Andrijivsky project (desde 2012), comissão de peritos do prémio
PinchukArtCenter para Jovens Artistas ucranianos. A Kateryna trabalha na área
do envolvimento social da arte nos processos transformativos das sociedades. Dá
aulas e escreve sobre arte contemporânea, gestão cultural e crítica cultural. É
Mestre em Estudos Culturais pela National University of Kyiv-Mohyla Academy. Em
2009 a sua tradução de Culture and
Imperialism de Edward Said recebeu o prémio Ukrainian Book of the Year.
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