Monday 4 November 2013

Blogger convidado: "Coreografia para uma estratégia de gestão", por Dóra Juhász (Hungria)

Quando fui convidada para ver X&Y pela companhia Pál Frenák em Budapeste no passado mês de Abril, não sabia que a nova gestora artística iria ser minha colega no fellowship do Kennedy Center no verão seguinte. Assim, quando vi Dóra Juhász pela primeira vez em Washington era como se estivesse a encontrar uma velha amiga. Dóra é jovem, cheia de energia, ideias e ambição. Pedi-lhe para escrever para este blog não só porque gostei muito do trabalho da companhia, mas também pela relação especial que esta mantém com públicos surdos. mv

InTimE, Compagnie Pál Frenák
O coreógrafo Pál Frenák tem uma expressão francesa especial para explicar aos seus bailarinos o que quer ver e o que quer alcançar durante o processo de criação: o frágil equilíbrio do “juste”. Quando o movimento, a presença e o conteúdo emocional em palco está “juste”; não mais, nem menos; suficiente e preciso; não criado pela rotina, não tímido ou esquecível, nem demasiado expressivo ou exagerado. “Juste” a intensidade que é precisa naquele momento, resultado de uma pesquisa profunda do corpo e da alma dos bailarinos, depois de semanas de improvisação e experimentação. Quando se atinge esse momento, temos de o reconhecer, de o cativar e manter, porque é precisamente o que precisamos. “Juste”.     

Depois trabalhar numa grande instituição de arte contemporânea durante 6 anos, com esquemas claros e definidos e estruturas já criadas, foi realmente inspirador para mim chegar à companhia de dança contemporânea franco-húngara, a Compagnie Pál Frenák (aqui e aqui), uma companhia independente internacionalmente reconhecida, que existe há 15 anos e que tem uma pequena equipa de gestão. Cheguei num momento em que a política cultural húngara está a mudar, a cena contemporânea de dança e teatro está a perder grande percentagem do seu orçamento anual e do subsídio estatal, enquanto não existe de todo no país uma tradição de financiamento de fontes privadas para a arte contemporânea. Passo a passo, tive que perceber o quanto é crucial encontrar o frágil equilíbrio, neste caso, criar uma estratégia de gestão adequada e apropriada para a minha organização neste momento específico, compreensível para os meus próprios artistas, mas inovadora, corajosa e adaptada às necessidades e ao contexto. Uma estratégia de gestão que fosse… “juste”.

Como é que se pode fazer isto? Como é que todos os nossos conhecimentos de gestão se podem transformar em algo que possa ser novo, provocantemente novo, e, ao mesmo tempo, sustentável, porque respira juntamente com a nossa companhia? Indo mais a fundo, explorando padrões na forma como os artistas trabalham e usá-los como fonte de inspiração para criar uma estratégia, uma campanha ou um projecto.  

SAIR DA ZONA DE CONFORTO, CRIAR DESEQUILÍBRIO

A infância de Pál Frenák foi marcada pelo facto dos seus pais terem uma deficiência auditiva e de fala profunda, o que fez com que a língua gestual fosse o seu primeiro meio de expressão. Isto tornou-o especialmente receptivo à mímica e aos gestos e a todas as outras formas de exprimir conteúdo com a ajuda do corpo humano. Para o Pál Frenák, a melhor técnica é simplesmente o mínimo. Procura, literalmente e fisicamente, desequilibrar os seus bailarinos e motivá-los a sair da sua zona de conforto e esquecer completamente a técnica aprendida.

Língua gestual, deixar a zona de conforto, criar circunstâncias físicas e mentais onde acontecem momentos de (auto)reflexão (claro que trabalhar com pessoas com deficiências auditivas tem sido uma parte importante da missão da companhia desde o princípio)… mas como é que estas componentes e forma de pensar podem influenciar a construção da estratégia dos nossos projectos de envolvimento dos públicos e estratégia educativa a longo prazo?

A equipa em Kunsthalle.
Criámos um pacote educativo para o nosso espectáculo Twins, onde convidámos adolescentes com e sem deficiências auditivas; durante o workshop de preparação nas escolas, trabalhámos intensivamente com eles em pequenos grupos separados – jogando jogos associativos, exercícios de movimento baseados na coreografia e o tema principal da peça – e todos os grupos trabalharam em conjunto com um especialista em drama com deficiência auditiva - que comunicava através da língua gestual -, um tradutor e um dos bailarinos da companhia. Finalmente, todos os grupos encontraram-se no espectáculo e houve também um workshop pós-espectáculo, onde todos participaram, e que combinava língua gestual e expressões verbais-vocais, usando o cenário do espectáculo. Depois disto, os nossos bailarinos visitaram os alunos nas suas escolas para um follow-up.

Organizamos regularmente conversas pós-espectáculo, onde grupos de pessoas com deficiências auditivas também participam, comunicando directamente com o coreógrafo em língua gestual – há um intérprete para o restante público. Porque é que isto é tão importante? Porque, tal como na sala de ensaios, estamos a criar fisicamente um desequilíbrio que provoca o pensamento para a maioria das pessoas na audiência, onde precisam de enfrentar uma situação em que se tornam numa minoria. Esta é a lógica e o quadro para a construção dos nossos projectos de envolvimento e desenvolvimento de públicos a vários níveis, com base no que se passa na sala de ensaios com os artistas, concentrando-nos sempre na procura de uma forte ligação entre a parte artística e a parte estrutural dos nossos projectos.

COMBINAÇÃO DA IDENTIDADE E DO FOCO DA ESTRATÉGIA

Na nossa estratégia de marketing envolvemos os nossos próprios bailarinos e convidamos fotógrafos e realizadores a criar conteúdos promocionais pessoais e únicos com material que encontram nos bastidores – por um lado, é uma boa forma de envolver o nosso público e trazê-lo mais próximo da vida diária da companhia Pál Frenák; por outro lado, está ajustado à equipa: como no processo criativo, o coreógrafo compõe os elementos de uma peça com base na personalidade dos bailarinos, e eles ficam mais ligados emocionalmente, envolvendo-os na estratégia de marketing cria a possibilidade de uma forma muito honesta e única de comunicação do nosso produto artístico também, e é mais que inspirador pensarmos em conjunto o até onde podemos chegar juntos.


O mesmo acontece com a nossa estratégia de fundraising e de assinaturas. A nossa companhia não tem o seu próprio espaço, por isso colaboramos com vários teatros. O que significa que podemos essencialmente oferecer aos nossos patrocinadores uma vista sobre a vida da companhia, em vez de, por exemplo, descontos no parque de estacionamento. Mas, para termos uma estrutura sustentável, quando optamos por uma forma ou evento para envolver os nossos futuros mecenas, precisamos de ver com atenção quem somos como companhia, mantendo-nos verdadeiros, honestos e livres. Se a companhia nunca quis organizar uma festa de ano novo, mas se existe, por outro lado, uma bonita tradição de nos juntarmos no 2 de Janeiro, é importante usarmos este evento para fundraising. Em alguns casos, vamos fazer picnics no parque com coreografias site-specific, em vez de organizarmos jantares formais, porque é isto o que somos; uma colecção de sacos criada por um designer de moda sobre uma peça, em vez de lápis ou ímans com logos como merchandising; porque é esta a nossa maneira.



Estamos, claro, a meio do processo, mas explorarmos juntos a identidade da companhia e encontrarmos ferramentas de gestão para estes elementos é, de alguma forma, uma actividade a longo prazo de construção de equipa, e também um desafio fantástico. Neste caso, a construção de uma estratégia de gestão é, realmente, um processo criativo – paralelo ao artístico. E quando tudo se compõe, quando a estratégia de gestão está sincronizada com a área artística e as duas encontram mutuamente a inspiração, quando está certo… não mais, nem menos do que precisamos… é a isso que chamamos… sabem… “juste”. 


Dóra Juhász é Gestora Artística da Compagnie Pál Frenák em Budapeste, Hungria. Coordena o planeamento estratégico, as relações internacionais, o branding, as digressões, o desenvolvimento de públicos, os patrocínios e o fundraising. Entre 2006 e 2012, foi Responsável de Imprensa e Comunicação para a Casa Trafó de Arte Contemporânea (Budapeste). É membro da Associação Húngara de Críticos de Teatro e dá regularmente palestras e participa em conferências em todo o mundo.

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