Visita escolar ao Crystal Bridges Museum of American Art (Foto: Stephen Ironside, retirada do site Education Next) |
Penso com muita frequência ultimamente nos resultados do estudo de 2008 sobre participação cultural do
National Endowment for the Arts, que indicavam que a educação para a arte na
infância acaba por ser um factor mais determinante do que a idade ou o estatuto
socioeconómico no que diz respeito à participação cultural na idade
adulta.
Lembrei-me novamente destes resultados depois de ler um artigo no New York Times que falava de um estudo no Crystal Bridges Museum of American Art que procurou
avaliar os efeitos das visitas escolares, o seu valor educacional. Entre várias
coisas muito interessantes (relacionadas com a capacidade de pensamento
crítico, a empatia, a tolerância, o interesse pela arte – ler pormenores aqui),
houve duas que me chamaram particularmente a atenção:
1. Os benefícios observados eram significativamente
maiores para alunos que pertenciam a minorias étnicas, famílias com baixo
rendimento e provenientes de escolas rurais, sendo que muitos deles visitavam
um museu de arte pela primeira vez.
2. Tendo sido dada a possibilidade de regressar ao museu (através
de distribuição de cupões que continham um código) tanto aos alunos que
participaram nas visitas escolares no âmbito do estudo como também a outros que
não faziam parte da amostra, verificou-se que os alunos do estudo demonstravam
um maior interesse em voltar (mais 18% do que os restantes alunos).
Os estudos referidos foram realizados em território
americano, mas penso que os resultados não teriam sido muito diferentes se se
tratasse dos nossos países, por isso, temos que olhar para eles com atenção, na
medida em que vêm afirmar a importância da educação para a arte na infância
como factor determinante para a participação cultural na idade adulta, e,
igualmente, a importância da escola e das visitas escolares aos espaços
culturais como um meio para a criação de condições de igualdade no acesso à
cultura.
A escola teve desde sempre um papel determinante no contacto
com a arte e com a cultura em geral. O resultado não foi (e continua a não ser)
sempre o melhor. Todos tivemos experiências de visitas escolares a espaços
culturais muito pouco interessantes – aborrecidas mesmo – ou pela falta de
preparação da visita pelos professores ou pela falta de qualidade da oferta em
si (por exemplo, ambientes pouco acolhedores e desconfortáveis, discursos
formatados e muito pouco adequados para os interesses e necessidades
específicas dos jovens visitantes/espectadores, etc.). No entanto, temos,
igualmente, memórias de visitas escolares que nos deixaram maravilhados,
entusiasmados, inspirados, que nos mostraram caminhos e que, não poucas vezes,
determinaram as decisões de alguns de nós relativamente ao que íamos querer
fazer na nossa vida.
O papel da escola e das visitas escolares a espaços
culturais torna-se ainda mais determinante no caso daqueles alunos cujo meio familiar
não lhes proporciona certas oportunidades, por falta de hábitos ou de meios ou
de conhecimento. As visitas escolares são, provavelmente, a única hipótese que
certas crianças e jovens terão de entrar num museu ou num teatro. Qual o
significado disto numa altura em que a educação para a cultura e a arte tem
cada vez menor expressão nos currículos escolares, neste e noutros países, e em
que os cortes limitam cada vez mais a possibilidade das escolas organizarem
estas saídas?
Significa que aquelas crianças e jovens cujas famílias não
lhes proporcionam certas oportunidades (de visita ou de prática artística) se
vêem privadas de usufruir de uma oferta, de uma experiência, que muito pode
contribuir para o seu desenvolvimento cognitivo e emocional, ultrapassando
barreiras e limitações impostas pelo seu meio socioeconómico.
Significa que as crianças e jovens em geral vêem cada vez
mais limitada a sua formação como futuros cidadãos activos, pensantes,
críticos, emocionalmente e intelectualmente ricos.
Significa que a nossa sociedade será composta por cidadãos
com menos paideia (palavra grega da qual gosto muito e que expressa o
resultado da acção conjunta da educação e da cultura).
Poderíamos pensar que, na impossibilidade da escola actuar,
as instituições culturais poderiam procurar reforçar o seu papel. Poderiam ser
elas a ir ao encontro dos alunos nas escolas. Na verdade, isto não seria algo
novo. Já existem projectos móveis (do género “o museu vai à escola” ou “o
teatro vai à escola”) que têm procurado servir este propósito. No entanto, a
situação que se vive neste momento – uma situação marcada por cortes
financeiros tão graves no sector cultural como no sector educativo – parece ser
muito pouco propícia para a intensificação e multiplicação deste género de
iniciativas.
Onde ficamos, então? Será este um impasse?
Não podemos deixar que isto se torne num impasse. E digo
isto sem ter neste momento nenhuma solução concreta a propor, a não ser indicar
aquele caminho que me parece ser o caminho natural, óbvio: reconhecer a
gravidade da situação e, mais do que procurar reagir com acções pontuais,
procurar planear e estabelecer aquelas parcerias que irão permitir resistir e
ultrapassar as decisões governamentais que põem em causa a qualidade do futuro
de muitas gerações. Devemo-lo às nossas crianças. Sobretudo àquelas para quem,
se a via não for esta, dificilmente haverá outra.
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