Monday, 31 March 2014

O que há numa palavra?


Folheto do World of Discoveries
Quantas vezes visitaram um museu que não era de todo um museu? E quão chateados isto vos fez sentir?

Depois de tantos anos a visitar museus, hoje em dia sou capaz de identificar alguns “sinais” e de evitar ser enganada, mas, mesmo assim, nem sempre. E, ao mesmo tempo, estou a pensar em todos os outros visitantes, não profissionais, que possam não ser capazes de “reconhecer os sinais” e para quem a palavra ‘museu’ possa estar a representar uma determinada  ‘promessa’.

O abuso do termo é algo que encontramos em muitos países; provavelmente, em todos os países. Uma pequena colecção de qualquer coisa em exibição e… lá está, temos um museu e, muito frequentemente, cobramos bilhete por ele… Poderá qualquer pessoa abrir um estabelecimento, de um género qualquer, e simplesmente chamá-lo “farmácia”? E será que as pessoas chamam indistintamente um restaurante “café” e vice-versa (havendo ainda a designação híbrida “café-restaurante”), apesar de ambos os estabelecimentos prestarem serviços na área da restauração? Não terá cada um deles características específicas que são transmitidas (‘prometidas’) aos clientes através do nome com o qual são chamados?

As minhas preocupações relativamente ao uso da palavra ‘museu’ voltaram enquanto estava a ouvir a apresentação de um novo projecto, World of Discoveries – Museu Interactivo e Parque Temático, que irá abrir em breve no Porto. A apresentação estava incluída no seminário “Turismo e Património Cultural: oportunidades e desafios”, organizado pelo Pporto dosMuseus.

O World of Discoveries é um projecto privado que irá procurar contar a história dos descobrimentos portugueses, um capítulo da história do país que atrai muitas pessoas, nacionais e estrangeiras. Se me lembro correctamente, o projecto envolve neste momento 35 pessoas, incluindo pessoas da área da museologia. Ao apresentar o projecto, Helena Pereira, responsável pelo serviço educativo, destacou a intenção da equipa de proporcionar uma experiência divertida e educativa, uma apresentação rigorosa dos factos históricos, um produto de qualidade. A história será contada através de meios multimédia, mas também através de uma viagem no tempo que levará os visitantes a ver uma série de cenários históricos especialmente criados para o efeito. O potencial é enorme, claro, e o projecto está a ser desenvolvido de forma a poder garantir a sua sustentabilidade financeira. Os preços serão €8 (crianças dos 4 aos 12), €14 (adultos dos 13 aos 64 – parece-me sempre curioso quando certas entidades definem a idade adulta a partir dos 13 anos) e €11 (seniores).


Mapa no folheto do World of Discoveries
O World of Discoveries optou por explicar a natureza da sua oferta como “Museu Interactivo e Parque Temático”. Foi, na verdade, apresentado como um novo modelo de museu, o do século XXI, considerando os meios que serão usados para contar a história e que vão além da exposição de objectos. Não concordo que este seja um modelo novo, uma vez que há já muitos anos que os centros de ciência têm estado a usar meios similares, ou seja módulos especificamente criados para contar uma história e não objectos históricos, que é o que encontramos em museus de ciência. E é este o ponto que gostaria de fazer: até agora, nunca vi um centro de ciência chamar-se a si próprio “museu de ciência”. Porque é que um centro de interpretação interactivo iria querer chamar-se “museu interactivo”?

De acordo com a definição do ICOM, “Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberto ao público, e que adquire, conserva, estuda, comunica e expõe testemunhos materiais e imateriais do homem e do seu meio ambiente, tendo em vista o estudo, a educação e a fruição”. A definição do ICOM integra uma série de instituições que não são museus, mas que são consideradas como tal, considerando que assumem algumas funções comuns e partilham preocupações e objectivos. Essas instituições são centros de ciência, planetários, centros de interpretação, jardins zoológicos, aquários, galerias de exposições em arquivos ou bibliotecas, para mencionar algumas. Ora, a maioria destas instituições não muda a forma como se define: um jardim zoológico continua a ser um jardim zoológico, um arquivo continua a ser um arquivo e um centro de interpretação é… precisamente isto.

O World of Discoveries não é o primeiro caso em Portugal que me levanta questões sobre o que é que está a ser exactamente ‘prometido’ às pessoas, potenciais visitantes, e sobre o uso impreciso, e potencialmente enganador, do termo ‘museu’. Há uns anos, tinha questionado num encontro do ICOM a opção de chamar ao Museu do Côa, que na altura não estava ainda aberto, “museu” e não “centro de interpretação”. Existe um centro em Aljubarrota com características similares, em termos de produto/oferta, mas que é chamado Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota.

“O que há numa palavra?”, podem perguntar. Tudo, diria. Não existe absolutamente nenhuma intenção da minha parte em levantar aqui questões de “qualidade” ou de “validade”. Visitei uma série de centros de interpretação muito interessantes, em Portugal e no estrangeiro, e, apesar de não ser grande fã dos parques temáticos, considero que podem fornecer uma experiência educativa divertida, interessante e válida a muitas pessoas. Mas é na palavra que reside o significado, a promessa, a criação de uma expectativa, o tipo de experiência que uma pessoa pode ter, a decisão de a ter ou não, de pagar por ela ou não. É por isso que considero que as coisas devem ser chamadas pelo seu nome.

4 comments:

Anonymous said...

Boa noite, gostaria de dizer que concordo com a sua definição de Museu, assim como a sua explicação entre o que é um centro lúdico e um Museu. Não gosto da forma como usa a palavra enganar, mesmo que de forma subtil... Na verdade foi para nós difícil integrar um modelo e um título que abranja a dimensão do nosso projecto. É verdade que queremos ter coleção e investigar como já fazemos e colocamos acessível ao público, nesta primeira fase falamos de cartografia rara, séc XIV,XV,XVI
E muito mais, tenho pena que julguem tão facilmente sem visitar, agora que abriu, visite. Talvez goste da sala dos instrumentos de navegação e das maquetas à escala rigorosa que para além de serem belas como peças per si, têm cada uma um ecrãs táctil que lhe dará informação muito válida e curiosa.
Não concordo consigo em que a definição de Museu tenha como uma obrigação perder dinheiro e viver de subsídios, como é típico dos nossos Gurus culturais, que no século XV eram conhecidos por velhos do restelo, temos também uma área alusiva a este tema no nosso interpretativo... Cumprimentos
Mário Ferreira

Maria Vlachou said...

Caro Mário Ferreira,

Peço desculpa, só hoje é que vi que o seu comentário estava a aguardar aprovação.

Estou certa que tudo foi pensado da vossa parte (imagino, pelo teor do seu comentário, que faça parte da equipa) e que certas decisões tenham sido difíceis ou complicadas, como sempre acontece. Acredite, no entanto, que a minha crítica também não foi feita "tão facilmente", não costumo expressar opiniões "fáceis".

Penso que fica claro no meu texto que não tinha visitado ainda o vosso centro / parque temático (peço desculpa, até visitar e verificar o contrário, não poderei chamar "museu"). Na altura não estava ainda aberto. A minha crítica está baseada nos vossos materiais de divulgação que - de acordo com a minha experiência profissional e conhecimentos - indicam tratar-se de um centro de interpretação e parque temático. Não encontrei nenhuma indicação de que existe também um museu.

Imagino também que não tenha gostado do uso da palavra "enganar", mas, como cliente, é o que tenho sentido em várias ocasiões quando paguei para visitar "museus" que não o eram.

Por fim, parece-me que não defendo em lado nenhum no meu texto que os museus têm como obrigação perder dinheiro e viver de subsídios. Qual a parte que mereceu esta interpretação da sua parte?

Irei com muito gosto e curiosidade visitar o World of Discoveries quando estiver novamente no Porto. E se a minha primeira apreciação se provar errada, voltarei a escrever no meu blog e serei a primeira a reconhecê-lo.

Cumprimentos e obrigada pelo seu comentário.

Maria Vlachou

Anonymous said...

Visitei, juntamente com o meu filho de 8 anos, este parque temático no dia 6 de agosto e saímos maravilhados.
As instalações são óptimas, o atendimento é fantástico e a fantasia toda ela elaborada.
Recomendo que visite para poder opinar.

Maria Vlachou said...

Fico muito contente que a experiência tenha sido tão boa para si e para o seu filho. Se ler atentamente o meu texto, no entanto, verá que não é esta parte - do maravilhamento ou da qualidade da experiência - que está a ser questionada.