Foto: Tasos Katopodis / Getty Images |
No verão passado, li o artigo Why science needs the humanities to solve climate change (Porque é que a ciência precisa das
humanidades para resolver as mudanças climáticas).
Observando o (habitual) ataque às humanidades da parte de vários líderes
autoritários e democraticamente eleitos, este artigo lembrava-nos o motivo pelo
qual o fazem:
“Os estudiosos das humanidades interpretam a história, a
literatura e as imagens humanas para descobrir como as pessoas entendem o seu
mundo. Os humanistas desafiam outros a considerar o que faz uma vida boa e
colocam perguntas desconfortáveis - por exemplo, 'Boa para quem?' e 'À custa
de quem?'”.
Os autores - Steven D. Allison, professor de Ecology &
Evolutionary Biology and Earth System Science, e Tyrus Miller, reitor da School
of Humanities, ambos da Universidade de Califórnia - afirmavam que “Estudiosos
e filósofos culturais podem injectar princípios éticos na formulação de
políticas" e que "Os humanistas também podem ajudar os decisores a
ver como a história e a cultura afectam as opções políticas ".
Os humanistas podem realmente fazer isso. Mas os decisores,
estarão interessados?
Observando o agravamento e o fortalecimento do fenómeno
Trump – a sua falta de humanismo, a sua arrogância aliada à orgulhosa
ignorância, o seu desprezo pelas críticas e pela busca da verdade –, os meus
pensamentos vão além daquele homem, para o seu partido. Um grande grupo de
cidadãos eleitos, com maioria no Senado, que continua a justificar o
injustificável, a relativizar e a normalizar a barbárie ou... que mantém o
silêncio. No episódio mais recente, no julgamento de destituição, apenas um senador republicano votou para condenar o presidente dos EUA por abuso de
poder;
apenas quatro senadores republicanos tentaram convencer o presidente a não
demitir funcionários que testemunharam perante o Congresso. No julgamento,
um dos advogados do presidente, o respeitado constitucionalista Alan
Dershowitz, argumentou que "todos os políticos que eu conheço acreditam
que a sua eleição é do interesse público" e que "se um presidente
fizer algo que acredita que o ajudará a ser eleito no interesse público, esse
não pode ser o género de quid pro quo que resulta numa destituição".
Mais uma vez, as humanidades tocam o alarme e traçam
paralelos reveladores. No artigo This is how ancient Rome’s republic died – a classicist sees troubling parallels at Trump’s impeachment trial (Foi assim que a
república da Roma antiga morreu - um classicista vê paralelos preocupantes no
julgamento de destituição de Trump), o Professor
Timothy Joseph lembra-nos que a noção de que a posição pessoal de um presidente
é inseparável da posição da nação é semelhante à noção que se manteve durante a
ascensão do homem conhecido como primeiro imperador de Roma, Augusto. “Essa
incapacidade de separar os interesses pessoais de um líder dos interesses do
país que ele lidera tem ecos poderosos em Roma antiga. Lá, nunca ocorreu qualquer
mudança formal do sistema republicano para um sistema autocrático. Em vez
disso, houve uma erosão das instituições republicanas, uma constante infiltração
ao longo de décadas de autoritarismo na tomada de decisões e a consolidação do
poder dentro de um indivíduo - tudo mantendo o nome ‘República’."
Assim, para além das responsabilidades do líder
autoritário, o que mais me preocupa é o papel da sua “entourage” e da
responsabilidade individual. Nas nossas democracias imperfeitas, estamos rodeados por todo o tipo de pequenos ditadores que, uma vez conquistado algum
poder, de qualquer tipo, pretendem ditar o que pode ser feito e em que
termos, além de silenciar debates saudáveis e, principalmente, críticas às
suas acções. Mas não estão sozinhos nisso, não poderiam fazer isso sozinhos.
Estão rodeados de pessoas ansiosas por apoiar o autoritarismo que baptizam de
"convicção" ou de "visão", comprometendo de livre vontade a
sua honestidade intelectual ao serviço de uma "causa digna" (os
humanistas perguntariam 'Digna para quem?' e 'À custa de quem?').
Um colega partilhou recentemente no Facebook um excerto de “Sobre as escolhas” de Agostinho da Silva: “Ora, se estamos todos muito bem preparados para
reclamar liberdade para nós próprios, menos dispostos parecemos para reclamar
sobretudo liberdade para os outros ou para lhes conceder a liberdade que está
em nosso poder; se conhecêssemos melhor a máquina do mundo, talvez
descobríssemos que muita tirania se estabelece fora de nós como se fosse a
projecção ou como sendo realmente a projecção das linhas autocráticas que temos
dentro de nós; primeiro oprimimos, depois nos oprimem; no fundo, quase sempre
nos queixamos dos ditadores que nós mesmos somos para os outros."
Segundo Aristóteles, o verdadeiro político é aquele que
pode tornar as pessoas melhores. Mas cada um de nós é (pode ser; deveria ser)
um político, e não apenas aqueles poucos que estão no parlamento. Somos todos
verdadeiros políticos, sendo verdadeiros companheiros de vida, verdadeiros
pais, verdadeiros colegas, verdadeiros professores, verdadeiros juízes,
verdadeiros médicos, verdadeiros policias, verdadeiros jornalistas... Essa é
também a verdade que devemos esperar, reconhecer e esforçarmo-nos para apoiar
em outros. As coisas não acontecem apesar de nós, mas por causa de nós. Ajudemo-nos uns aos outros para sermos o melhor que pudermos.
Aristóteles também dizia que a felicidade perfeita está na
activação da parte mais alta da alma humana, da lógica. Não devíamos procurar ser
felizes? Qual o preço que estamos dispostos a pagar para comprometer a nossa
honestidade intelectual? E para quê?
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