Saturday, 7 March 2020

E se alguém gostar de brócolos?



Algumas semanas atrás, encontrei uma campanha publicitária da Folkoperan (Estocolmo, Suécia) chamada “Broccoli vs. Opera”. A ideia por trás é que a única coisa que as crianças detestam mais do que a ópera são os brócolos. Assim, quando tiverem que escolher entre os dois... irão optar pelo mal menor.

A campanha irritou-me. As suas suposições preconceituosas irritaram-me. O modo como vários profissionais no mundo da música clássica evitam abordar as barreiras reais, muitas das quais criadas pelos próprios, incomoda-me. Lembram-se de “Classical Cannabis: the high note series”, promovida pela Colorado Symphony Orchestra em 2014? Esse tipo de coisa... Tudo, menos tentar compreender melhor o que mantém as pessoas, de todas as idades, afastadas. Talvez porque uma melhor compreensão exija acção; e mudança.

No passado, escrevi neste blog sobre as atitudes que ajudam a reforçar a percepção de muitas pessoas sobre o elitismo negativo do mundo da música clássica. Aquele que se esforça para manter um espaço exclusivo para públicos exclusivos, onde não se é verdadeiramente bem-vindo, a menos que sucumba à "etiqueta". Penso no La Scala (Milão, Itália) que não permitiu a entrada a pessoas que vestiam T-shirts em dias quentes ou na Fundação Gulbenkian (Lisboa) que prega o respeito pelo silêncio (também conhecido como “não tussam!”) – lê-se no site da Fundação que é assim que o público deve ajudar a tornar um concerto “memorável”, instalando um ambiente de exigência e devoção... Mais recentemente, uma colega chamou a minha atenção sobre o “dress code” de Musikverein (Viena, Áustria): “... muitos dos nossos visitantes sentem que uma certa elegância é adequada ao ambiente do Musikverein. Por esse motivo, damos as boas-vindas e solicitamos que os visitantes se vistam adequadamente”. Vejam como “muitos visitantes” definem de que forma a roupa que vestimos influencia o prazer que nos traz um concerto…




Devido a esta sua maneira especial de "amor próprio", o mundo da música clássica permanece altamente exclusivo. Evitar comer brócolos e fumar canábis não resolverá a situação. Existem orquestras, ensembles, salas de concerto e teatros em todo o mundo que se sentem um pouco mais inquietos, que desejam realmente partilhar o prazer de sua arte. Procuram entender quem são as pessoas com quem querem envolver-se, o que as mantém afastadas e que tipo de pontes podem construir.

Dave M. Benett / Getty Images

Em 2012, a English National Opera percebeu, através de estudos de público, que a questão "O que devo vestir?" era muito importante para muitas pessoas. A campanha “ENO say Undress” teve como objectivo informar as pessoas que poderiam ir vestidas como quisessem. Isto fazia parte de uma iniciativa maior, que ainda se mantém, chamada “Opera Undressed”, que procura dar a pessoas que nunca foram à ópera uma ideia sobre o que isto é. A um preço significativamente mais baixo, as pessoas podem ter um bom lugar na sala, assistir a uma palestra antes do espectáculo, ter acesso a um esboço da história e 50% de desconto em espectáculos futuros. Foi também um estudo de públicos que orientou a tomada de decisões em relação ao seu rebranding (mudança de marca) em 2017, com o objetivo de se tornar mais acessível, criar relações com novos públicos e… informar as pessoas que as óperas são cantadas em inglês.

Quando Aubrey Bergauer assumiu a direcção executiva da California Symphony, ela também começou fazendo perguntas. O seu estudo "Orchestra X" revelou coisas como "O problema não é o repertório, é a experiência"; "O site da sinfonia parece feito para peritos em baseball"; “Uma pessoa  precisa de um doutoramento para entender as descrições técnicas da música”. Bergauer saiu recentemente da California Symphony, mas, através de seu trabalho, conseguiu criar um relacionamento totalmente diferente entre algumas pessoas e a música clássica. E deixou também o "Guia para principiantes”, que pode ser extremamente útil para muitas outras organizações em todo o mundo.



Há mais, claro. A Orchestra of the Age of the Enlightenment, a Classical Revolution (Música de Câmara para o Povo), a Multi-Story Orchestra  têm ajudado a redefinir a experiência de ouvir música clássica, seja num pub ou num parque de estacionamento. A Mutli-Story Orchestra acaba de anunciar uma nova peça, “The Endz”, em colaboração com alunos da Harris Academy Peckham (sul de Londres), que trará a cultura dos gangues para o palco. Mas também em Portugal, estamos a acompanhar as iniciativas do maestro Martim Sousa Tavares (que estre ano leva a música clássica ao Lux-Frágil em Lisboa, para além do seu trabalho com a Orquestra sem Fronteira nas Beiras); os projectos da Orquestra de Câmara Portuguesa; o trabalho de Catarina Molder, que inclui o programa Super Diva – Ópera para Todos.

Essas organizações, esses artistas, não desejam guardar a sua arte para si e para mais algumas pessoas, desejam partilhá-la amplamente. As barreiras são muitas e as mudanças têm de vir de dentro. O lema pode mudar para "Simplesmente desfrute da música".


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