Friday 10 November 2023

Zia and Manuela were present.

Conferência da RTCP em Portalegre, 7.11.2023

Os encontros profissionais são, cada vez mais, um momento precioso para quem consegue dar a si próprio ou consegue reclamar junto de chefias o tempo para participar. Com cada vez mais profissionais da cultura a falar abertamente de doença mental, de esgotamento, de depressão, de ritmos que não fazem sentido, estes momentos de encontro - em que podemos estar juntos, abraçar-nos, olharmo-nos nos olhos, sorrirmos, conversarmos – são mais que necessários, são urgentes.

Mas, mesmo reconhecendo a importância disto, vários entre nós saímos da conferência da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) em Portalegre lamentando que os nossos encontros profissionais não possam ser algo mais. Senti, e ouvi outros colegas a afirmar, que nos mantemos sempre na superfície; juntamo-nos para ouvir a descrição de projectos; parece que começamos sempre do início, do básico; não aprofundamos. Não basta descrever um projecto, como é óbvio. Porque cada projecto traz problemas, dúvidas, surpresas, desafios inesperados; exige de nós sensibilidade, abertura para aprender, capacidade de adaptação, criatividade, honestidade. Algumas destas palavras foram ouvidas num ou outro encontro a que assisti (não assisti a todos), mas não passámos disto, da constatação. Não se disse algo mais.

Também é claro que nem tudo foi assim. E escrevo hoje para partilhar aquilo que foi para mim o momento alto da conferência da RTCP: a presença em palco da actriz e encenadora Zia Soares e da vereadora da cultura Manuela Ralha.

A Zia foi apresentada como a primeira directora artística negra de uma companhia de teatro em Portugal. Pois, daquelas que ela própria fundou… (Praga e Teatro Griot). Parece irónico fazer essa afirmação. Não perdeu a oportunidade de lembrar (mais uma vez) que é convidada para estes encontros como um “token”. Quantas vezes ainda terá de o dizer para começarmos a questionar-nos a nós próprios das ausências na sala, no palco e na plateia? Para agirmos sobre elas? Também partilhou connosco que o Teatro Griot, que conta com 14 anos de vida, deve ter sido convidada para apresentar o seu trabalho em 2-3 teatros dos mais de noventa que fazem parte da RTCP. Questionou quantos desses teatros terão uma pessoa negra na liderança (ou na equipa?). E mais para o final da sessão, olhou para a sala e perguntou: “Quais são as pessoas não negras nesta sala?”. Os presentes sentiram-se confusos, indecisos. Devo ter visto uns 5 braços levantados. A pergunta que nos é normalmente colocada é “Quantas pessoas negras na sala?”. Habituámo-nos a ouvir a pergunta, ainda não estamos a agir sobre ela. Mas a Zia trocou-nos as voltas: “Quais são as pessoas não negras nesta sala?”. Todas nós, excepto a Zia, naquele lugar da “violência de ser o único”, de que fala a artista Grada Kilomba.

“Antes de falarmos em participação temos de falar em acessibilidade.” Foi assim que Manuela Ralha iniciou a sua intervenção. De manhã, quando entrei no auditório, encontrei-a na última fila. Não tinha opção, tinha de lá ficar (talvez alguém esteja a pensar que deveríamos estar satisfeitos, porque noutros teatros teria ficado atrás da última fila, o único espaço a que teria acesso – não, não estamos satisfeitos, não devemos estar). Manuela continuou: “Todos nós falamos em programar, em envolver, em participação, mas esquecemos que há uma franja da população que começa logo a ser barrada na entrada, que não consegue participar, não consegue assistir, não consegue sequer ser público.” Falou daquilo que é hoje do conhecimento de todos, que, apesar da acessibilidade ser um critério para a credenciação na RTCP, a maioria dos teatros não o é. Um conhecimento sobre o qual, mais uma vez, não agimos.

Estava “escondida”, “protegida”, no meio de muitas pessoas naquele auditório. Mas as intervenções dessas duas mulheres fizeram-me sentir penosamente consciente da minha presença. Porque, para que serve o conhecimento se não se torna consciência? Para que serve o conhecimento se, regressando aos nossos lugares de trabalho, reassumimos uma rotina que não questiona, não incomoda, permite ignorar, permite fingir que não sabemos, escondidos e protegidos como estamos no nosso dia-a-dia. Cheios de justificações.

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