O olhar triste, auto-consciente e penetrante de Kristin Cabot numa fotografia no New York Times fez-me lembrar de duas coisas: o quão perturbada me senti no verão passado com a forma como "o mundo" (foi, efectivamente, o mundo inteiro) reagiu e a tratou quando, num concerto dos Coldplay, foi apanhada no ecrã gigante nos braços do seu chefe; e como nunca mais pensei neles (e nela) depois daqueles primeiros dias explosivos.
A sua entrevista para o New York Times revela "banalidades" diárias, conhecidas
das relações humanas: pessoas em processo de separação dos seus pares, que conhecem
outras pessoas, às vezes no seu local de trabalho, que se sentem bem na
companhia uma das outras, que se aproximam, etc. etc. Ouvindo-a contar a
história intensificou a angústia que me lembro de ter sentido na altura. Havia
pormenores que não conhecia, claro, como o facto de ambos se estarem a separar
ou de nem sequer se terem beijado antes do dia em que todos os conhecemos, ou
de, após a investigação interna na sua empresa, ela ter sido convidada a
continuar a trabalhar lá. Também não sabia, mas podia imaginar, a forma como ela
foi tratada por diversas pessoas "justas" – vizinhos, conhecidos,
pessoas que simplesmente a reconheciam, paparazzi acampados em frente à sua
casa, pessoas que lhe telefonavam (500 a 600 chamadas por dia), pessoas que lhe
enviavam ameaças de morte. Foi chamada de "vadia, destruidora de lares,
interesseira, amante". Sem falar da humilhação sofrida por pessoas famosas
– Whoopi Goldberg, Gwyneth Paltrow – e também por uma mascote desportiva.
Através da entrevista, descobri uma pessoa
extraordinária – da mesma forma que tantas pessoas são extraordinárias nas suas
vidas mundanas e quotidianas. Pensei na altura e estou a pensar agora: Porquê
todo este furor e crueldade, a nível internacional, por duas pessoas que não
conhecíamos? Porque é que tantos estavam tão zangados com eles? Porquê as
ameaças de morte? Em que é que nos transformámos?

Monica Lewinsky (Foto: Greg Gorman)
Por mera coincidência, como por vezes acontece,
uma pessoa muito mais conhecida surgiu nas minhas leituras depois de ter lido a
entrevista de Cabot. Auto-intitula-se a “paciente zero do cyberbullying” e o
seu nome é Monica Lewinsky. Eis alguém em quem não pensava há muito tempo.
Descobri que em 2006 obteve um mestrado em psicologia pela London School of
Economics e que, desde 2014, é activista contra o cyberbullying. Pesquisei um
pouco mais, uma vez que já há tanto tempo que não ouvia falar dela. Encontrei a
foto de uma mulher sorridente, calma e autoconfiante. Encontrei também uma TED Talk
de 2015, intitulada “The price of shame” (O preço da vergonha). Ouvindo-a recontar a
história que tão bem conhecemos, e embora a pessoa por quem se apaixonou não
fosse tão anónima para nós como o antigo chefe de Kristin Cabot, encontramos
muitas semelhanças: a fúria e a raiva do mundo, a humilhação constante, a
angústia e a miséria sentida (que afectam também os seus entes queridos – os
pais de Lewinsky, os filhos adolescentes e a mãe de Cabot), os pensamentos
suicidas… Aquilo em que nos tornámos já estava a ser construído há muito tempo.
O conteúdo é o mesmo, o impacto é muito mais forte, devido aos meios ao nosso
dispor. O que nos impulsiona são os mesmos instintos mesquinhos que sempre
fizeram as pessoas atirar pedras.
Na sua palestra TED, Lewinsky diz que “No que
diz respeito à cultura da humilhação, o que precisamos é de uma cultura de
revolução. (...) Precisamos de regressar a um valor antigo: a compaixão, a
compaixão e a empatia.” (“O preço da vergonha” é o título da palestra. Vergonha
de quem, pergunto eu…).
Esta referência a valores antigos fez-me
lembrar de um discurso recente de alguém que admiro profundamente, Elaine
Heumann Gurian. Elaine foi convidada a falar no MuseumNext Focus sobre alguns caminhos para a resistência dos museus na era Trump.
A sua palestra intitula-se “Enfrentar os nossos medos enquanto acolhemos o
futuro como um passado à moda antiga” e termina assim:
“Estamos em todo o lado e dizemos ‘não’.
Fazemos tudo.
Fazemos tudo juntos.
Fazemos tudo juntos, apoiando-nos uns aos
outros.
Fazemos tudo juntos, apoiando-nos uns aos
outros, o tempo todo.”
Sorrio a pensar numa revolução cultural baseada
em valores “à moda antiga” como a empatia, a compaixão, a solidariedade e o
cuidar. Penso em todas as pessoas extraordinariamente comuns que conheço e
naquelas sobre as quais leio, e sabem que mais? Encontro esperança.

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