Quando
conhecemos Ira Papadopoulou dificilmente adivinhamos que, por trás de uma
personalidade aparentemente calma, reservada e algo silenciosa, esconde-se
tanta força e paixão. Ela é tão forte e apaixonada que, quando lhe foi dito que
o seu orçamento anual ia ser reduzido a… 0, pensou: “OK, voltemos ao
trabalho!”. Mas as coisas não têm sido fáceis. Ira e muitos outros
profissionais da cultura na Grécia enfrentam condições extremamente duras, não
só pelos cortes na cultura, mas devido a uma série de medidas que têm conduzido
à destruição da economia do país. Ira faz aqui um breve relato sobre um sector
que permanece vivo, que resiste e que tem ainda a capacidade de proporcionar um
antídoto social à amarga realidade económica. mv
Parte da instalação "OITO" (ΟΚΤΩ), Nº 6, de George Tserionis, 2011 (desenho sobre papel, 120x110). (Foto: George Tserionis) |
“Sem a arte, a
crueza da realidade tornaria o mundo insuportável.”
George Bernard Shaw
O tópico sugerido era
claro: a cultura grega em tempos de crise. Não pude resistir. Era
definitivamente algo sobre o qual poderia falar. Há alguma semanas, quando
Maria Vlachou me dirigiu o amável convite de escrever para o seu blog, estava
mais que disposta a partilhar as minhas opiniões como profissional e a minha
sincera angústia pela actual situação das instituições culturais na Grécia. E
depois, mesmo antes de começar a escrever, li um dos posts mais antigos da Maria sobre a crise grega e o sector cultural e apercebi-me que não
mudou quase nada desde 2010… Ou talvez não? Talvez tenha havido algumas
mudanças, mas deixo os leitores fazer o juízo final se se trata de mudanças
para melhor ou para pior.
Começando
pelo Ministério Grego da Cultura, que já não é um dos mais importantes do país
(como tinha sido dito aos Gregos em 2004), mas um sub-ministério de uma
combinação mágica: Ministério da Educação e dos Assuntos Religiosos, da Cultura
e do Desporto. Sim! Um ultra-ministério onde tudo – educação, religião, cultura
e desporto – pode ser combinado e gerido. Algo não muito diferente da famosa
salada grega, um pouco de tomate, algumas azeitonas, um pouco de cebola, um
pouco de queijo feta…
As pessoas
que trabalham em instituições culturais públicas – ou instituições
supervisionadas ou financiadas pelo Estado -
estão a fazer um apelo desesperado à ajuda. O dinheiro não é suficiente
sequer para pagar as contas de electricidade. Sabem agora que devem procurar
recursos alternativos, mas nunca ninguém tentou dar-lhes algumas directivas em
como o fazer. Além disto, a estratégia do Estado de incentivos ao patrocínio
privado é quase não-existente.
O cinema Attikon, o mais velho cinema no centro de Atenas, quase um ano depois de ter sido incendiado durante os protestos contra as medidas de austeridade. (Foto: Ira Papadopoulou) |
Até as
instituições culturais privadas se encontram agora no olho da tempestade. Como
não existe um vácuo financeiro ou cultural, o sector privado luta para
conseguir manter o seu pessoal, a qualidade dos seus serviços, os seus
patrocinadores e, ao mesmo tempo, manter uma programação cultural de interesse.
Esta é uma equação difícil de resolver. Alguns mantêm-se de pé, outros caem e
outros ainda parecem determinados em avançar para um novo género de
criatividade e mostrar abertura a “palavras desconhecidas”, como colaboração,
voluntariado, esquemas de assinaturas, crowdfunding. Ninguém pode
garantir que exista luz no fundo do túnel, mas se não tentarem, nunca o
saberão.
E tudo isto
está a acontecer numa altura em que os seguidores do partido neo-nazi Chrysi
Avgi (Aurora Áurea) ameaçam publicamente encenadores, autores e artistas por
estarem a apresentar trabalhos que, na sua opinião, são um insulto aos “ideais
nacionais”. Parece que a arte é, mais uma vez, o alibi perfeito para a histeria
nacionalista e teorias de conspiração de todo o género. Ao fim ao cabo, todas
as crises económicas vão lado a lado com as qualidades básicas e fundamentais
dos valores sociais…
No entanto,
falar da “crise económica, social e moral dos nossos tempos” tem-se tornado
numa repetição enfadonha e aqueles que trabalham para as artes tentaram dar um
passo atrás e encontrar uma caminho longe deste discurso deprimente. Sem
subestimar os efeitos psicológicos e outros da crise, os artistas parecem ter
encontrado a coragem para resistir e reivindicar o seu direito de discutir,
criar e sugerir alternativas para a apresentação do seu trabalho ao público.
Novas iniciativas culturais, novas produções culturais, novos grupos artísticos
(como o espaço cultural about:,
o espaço Ommu, o Contemporary Art Meeting Point,
a equipa artística Athens Art Network, para mencionar só alguns), mas,
sobretudo, um novo espírito para juntar as pessoas e tentar desviar a atenção
do público da miséria do dia-a-dia.
Celebração do festival anual de banda desenhada Comicdom Con Athens. Entrada principal da Hellenic American Union, Março 2012. (Foto: Antonia Houvarda) |
Não quero
dizer com isto que a crise e a privação são benéficas para a arte. Não se trata
de um florescimento das artes. Não há nada de mágico aqui. Mas se acreditarmos
nas artes e continuarmos a servi-las da melhor forma que soubermos, talvez
exista uma oportunidade de sobreviver e até florescer.
Devemos muito
aos artistas Gregos. É graças à sua coragem e à persistência dos gestores
culturais que o pulso cultural do país continua a bater. E por mais difícil que
seja de acreditar, há mais de uma dúzia de exposições de artes visuais a
inaugurar todos os meses, mais espectadores nos teatros do que nos anos
anteriores e mais eventos públicos (e gratuitos) do que nunca. Conferências,
concertos, festivais, espectáculos, happenings, etc. etc. Uma saída à
noite em Atenas prova que há uma intensa vida cultural lá fora e que, no
mínimo, a cultura pode ainda ser um antídoto social à nossa amarga realidade
económica.
Ira – Iliana
Papadopoulou estudou Sociologia, Políticas de Comunicação e Gestão Cultural no
Reino Unido. Desde 2004, ela é Directora de Assuntos Culturais na Hellenic
American Union, uma instituição cultural e de educação ao serviço da sociedade,
com sede em Atenas, Grécia. Antes de chegar à HAU,
trabalhou como Directora de Relações Públicas e Comunicação noutras
organizações culturais e de educação na Grécia, como o British Hellenic College
e o Centro de Estudos Neo-Helénicos (casa oficial do Arquivo Cavafy). Entre
2010 e 2012 foi International Fellow do DeVos Institute of Arts Management no
Kennedy Center em Washington.
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