Há alguns meses, a
minha amiga Caroline Miller reencaminhou-me a mensagem de Natal de Tim Joss,
onde ele partilhava as suas ideias sobre os desafios que o sector cultural
enfrenta hoje em dia na sua relação com as pessoas. Tim é o fundador da Public
Engagement Foundation que procura “abrir novos mercados para as artes na nossa
vida do dia-a-dia”. Neste post explica porque é que acredita que as
artes têm um papel tão poderoso e tanto valor no nosso quotidiano, contribuindo
definitivamente para o nosso bem-estar. mv
. |
5 Soldiers, por Rosie Kay Dance Company (Foto: Brian Slater, em www.rosiekay.co.uk) |
Pouco depois de tomar
posse, o actual governo do Reino Unido anunciou que queria começar a medir a
felicidade das pessoas e ia procurar estar entre os primeiros países a
monitorizar oficialmente o bem-estar psicológico e ambiental, a par de medições
puramente económicas, como o produto interno bruto. O Gabinete de Estatísticas
Nacionais do Reino Unido pôs mãos à obra e, em Setembro passado, publicou a
lista de ‘domínios e medidas’ que serão usados para avaliar o bem-estar da
nação. Foi nessa altura que soubemos que as artes não são importantes para o
bem-estar do Reino Unido. O Gabinete de Estatísticas não tomou em consideração
as representações e decidiu que não iria haver uma medida específica para as
artes.
Devemos estar muito
mais articulados sobre o poderoso papel das artes. Portanto, aqui estão três
sinais e histórias promissores sobre o valor das artes no nosso dia-a-dia.
1. Para os que estão fora do sector das artes e não se envolvem com elas, ‘as artes’ significa frequentemente alta cultura em locais luxuosos para os mais abastados – teatros de ópera, teatros nacionais e grandes galerias de arte.
Através da Rayne Foundation, conheço muitos executivos de organizações de beneficência que trabalham dentro e fora do sector das artes. Steve Wyler dirige Locality, uma rede nacional de mais de 700 organizações comunitárias, cada uma das quais ajuda empreendimentos comunitários a crescer, fortalecendo o sentimento de pertença de activos locais e apoiando a acção social nas próprias comunidades. Em 2011, Locality ganhou um contrato com o governo no valor de 15 milhões de libras para formar 5000 organizadores e criar um Instituto de Organizadores de Comunidades. Steve pensa ‘as artes’ nesta perspectiva específica. Questionei-o sobre os seus planos para a formação de todos esses organizadores: “Trabalhas para a mudança de cultura, não é assim?”. Steve concordou. Perguntei: “Usas a cultura para conseguir a mudança de cultura?”. Steve disse que não. Depois disto, um dia tomámos pequeno-almoço juntos para continuarmos a conversa. Evitei falar das ‘artes’ e falei ao Steve dos papéis que diferentes formas de arte podem desempenhar: música para celebrar; teatro para explorar o conflito; fotografia para documentar… Steve ficou muito entusiasmado com a contagem de histórias e o seu poder na transmissão de experiências e sabedoria entre organizadores de comunidades. Apresentei o Steve a Hugh Lupton, um dos maiores contadores de histórias do Reino Unido (conhecia o Hugh do Bath Literature Festival que criei em meados dos anos 90). A Rayne Foundation deu um pequeno subsídio a três contadores de histórias para participarem no encontro de verão de organizadores de comunidades. Foi um sucesso. Reflectindo sobre isto, Steve destacou não só o valor da contagem de histórias, mas também a importância e a força da qualidade artística. Não precisava de ser um especialista em artes para entender o poder dos contadores de histórias.
2. Os que trabalham no sector das artes falam
frequentemente do seu poder transformativo. Este poder limita-se a experiências
em salas de concertos, teatros, cinemas e galerias de arte, e em casa, ouvindo
música na rádio ou vendo televisão. Nos
locais fora de casa, onde as pessoas passam o seu dia-a-dia – nos locais de
trabalho, nos hospitais, nos centros comunitários e nas escolas – as artes não
são consideradas prioridade, são algo ‘engraçado’ de ter.
Arthur
Koestler é mais conhecido pelo seu romance Darkness
at Noon, um trabalho sobre o
anti-totalitarismo que lhe trouxe reconhecimento a nível internacional. É
também lembrado por ter fundado a Koestler Trust e os prémios atribuídos às
capacidades artísticas de delinquentes, doentes mentais e presos. Foi o
primeiro programa de artes na justiça criminal e celebrou recentemente o seu
50º aniversário. Hoje em dia, 200 organizações pertencem à Arts Alliance, a
entidade nacional para a promoção das artes no sector da justiça criminal. Para
além da Koestler Trust, inclui a Clean Break – companhia de teatro de mulheres
e Music in Prisons (num projecto típico, um grupo do 10-12 participantes é
motivado a experimentar diferentes instrumentos, desenvolver ideias para
canções e escrever a letra, como parte de um processo de criação de música nova
e inovadora). O trabalho depende muito
da angariação de fundos (pouco é pago pelas prisões) e é vulnerável. Por
exemplo, em 2008, o Ministro de Justiça da altura, Jack Straw, cancelou os
workshops de comédia na prisão Whitemoor e deu ordens para que todas as
actividades similares acabassem.
Mas as provas de que
as intervenções são mais que ‘engraçadas’ estão a aumentar. A organização
artística de beneficência Good Vibrations usa gamelões da Indonésia (orquestras
de percussão calmas e bonitas) para trabalhar com os presos mais difíceis:
homens violentos e mulheres auto-destrutivas. Uma avaliação deste trabalho
feita pelo Instituto de Criminologia da Universidade de Cambridge mostrou uma
diminuição a longo prazo das tendências auto-destrutivas dessas mulheres.
3. Muito frequentemente, organizações artísticas mainstream – subsidiadas e comerciais – atribuem pouca ou nenhuma importância a actividades participativas. Apesar do incentivo financeiro dado pelo Arts Council, este trabalho é ainda o parente pobre nas organizações culturais. Alguns artistas adoptam um tom paternalista, falando de ‘devolver à comunidade’. O outreach pode ter conotações paternalistas também.
Falando com artistas e
lendo sobre eles, levou-me a ter uma opinião diferente. Na melhor das
hipóteses, há um diálogo entre artista e contexto, enriquecendo o artista, o
contexto e as criações artísticas.
Criei os Rayne Fellowships para ‘construtores de pontes’ na sociedade. A primeira onda abordou um problema identificado por profissionais seniores da área da dança: os coreógrafos são muitas vezes apanhados na bolha da dança, não suficientemente ligados ao resto do mundo. Uma fellow, Rosie Kay, fez um estágio no 4º Batalhão de Fuzileiros e no Headley Court (um centro de reabilitação de soldados). Criou um trabalho sobre soldados no Afeganistão e eles disseram-lhe: “É isto! É isto! Percebeste como é.” Suspeito que Rosie se tenha tornado na primeira coreógrafa - artista de guerra.
Este ano é o centenário do nascimento de Benjamin Britten. Em 1945, ele e Yehudi Menuhin participaram num concerto para sobreviventes de Bergen Belsen. Mais tarde, Britten revelou que a experiência acabou por influenciar tudo o que escreveu posteriormente.
A Hepworth Wakefield Gallery tem actualmente uma exposição de Barbara Hepworth, uma das maiores escultoras britânicas do século XX. É uma exposição dos desenhos que fez em hospitais, o resultado de muitas horas que Hepwroth passou em salas de operações. A experiência ajudou-a a cristalizar as suas ideias sobre a pintura abstracta: “Trabalhando no realismo ajuda a reforçar o nosso amor pela vida, a humanidade e a terra. Trabalhando na abstracção parece soltar a nossa personalidade e aguçar as nossas percepções.
As experiências dos artistas longe de organizações artísticas e de outros artistas pode ter um profundo efeito no seu trabalho.
Tim Joss
é Director de uma fundação de caridade, a Rayne Foundation.
Em 2008, Tim escreveu
‘New Flow – a better future for artists, citizens and the state’. Foi
Senior Fellow em políticas culturais no City University e criou a Public
Engagement Foundation que procura abrir novos mercados para as artes no
quotidiano (no desenvolvimento de comunidades, escolas, prisões, etc.) O
primeiro foco é na saúde. Antes, Tim
foi Director Artístico e Director Executivo de festivais na cidade de Bath,
onde revitalizou o Bath International Music Festival e fundou a Bath Royal
Academy of Music (piano e composição). O Governo Francês atribui-lhe o grau de
Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras em 2005.
2 comments:
Olá Maria
Adoro estes textos sobre o papel das artes no quotidiano das pessoas e do seu poder transformativo, mostrando quão essencais são para a nossa vida. São os que mais gosto; ler sobre pessoas que pensam, trabalham e sentem que para sermos o que somos e para conseguir viver, necessitamos das artes. Eu considero-me um paladino desta causa que tanto amo.
Obrigado.
Nuno
Obrigada, Nuno. Também gosto de pensar a arte e a cultura em geral fora dos "locais habituais" e acho que a Fundação criada pelo Tim Joss irá mesmo apoiar este género de encontros.
Bjs
Maria
Post a Comment