Soube recentemente da
Chefe de um Serviço Regional de Antiguidades na Grécia, cujo trabalho foi
positivamente avaliado por muitos dos seus colegas e membros do público, mas
que foi ameaçada com processos disciplinares e mais tarde foi ainda transferida,
algo que foi visto como uma espécie de "punição" discreta. Porque é
que se tornou em “persona non grata”? Talvez porque, tendo repetidamente
informado os seus superiores da vigilância inadequada de um dos sítios
arqueológicos mais importantes da sua região, que se tornou realmente num pasto
para rebanhos de ovelhas e cabras, e, não tendo recebido nenhuma resposta,
informou o público em geral da situação e disponibilizou fotografias do sítio.
Talvez porque, tendo também repetidamente informado os seus superiores da falta
de vigilantes num determinado museu, alertando para a possibilidade de
encerramento a partir de uma determinada data se nenhuma solução fosse
encontrada, e tendo os seus relatórios sido recebidos com silêncio, avançou e
fechou o museu, pedindo desculpa ao público e dando a conhecer as razões do
encerramento.
Acredito que esta é
precisamente a atitude que devemos esperar de uma pessoa que tem a
responsabilidade de gerir uma instituição pública (e, neste caso, cultural):
esforçar-se para uma gestão adequada; adoptar medidas necessárias,
responsáveis, a fim de salvaguardar o que é um bem comum, público; manter os
seus superiores informados sobre quaisquer questões que possam pôr em causa o
bom funcionamento da instituição e impedi-la de cumprir a sua missão; e, quando
necessário, partilhar essa responsabilidade, informando todas as partes
interessadas, incluindo o público em geral, os cidadãos.
Não fiquei
surpreendida, porém, ao saber das ameaças de processos disciplinares contra essa pessoa. O
que, de facto, se espera dos gestores de instituições públicas - e isso não é
apenas o caso da Grécia - é mostrarem-se leais aos seus superiores e à tutela.
O que se entende por 'leal', no entanto, é abraçar todas e quaisquer decisões e
práticas que vêm de cima e, em caso de desacordo, não as questionar em público
ou, então, manter a discussão dentro da ‘família’, onde pode ser facilmente
ignorada. Uma partilha mais ampla, com a sociedade, raramente é tolerada e o
‘castigo’ é visto por todos nós, mesmo que não se concorde, como algo esperado,
inevitável, natural de acontecer. Não apoiamos os nossos colegas, não
questionamos abertamente o castigo, não nos juntamos a eles, para nos
tornarmos, juntos, mais fortes. Assim, somos hoje todos testemunhas de uma
gestão das instituições culturais públicas que revela pouca transparência, onde
os planos e acções não são discutidos, onde o diálogo público não é incentivado
e onde os próprios profissionais do sector se mantém em silêncio ou criticam de
forma muito cautelosa e discreta. Neste contexto, de medo e de auto-censura,
não é fácil ser-se crítico, muito menos quando se age sozinho. Não é fácil nem
é muito eficaz.
Quando se vive numa
sociedade democrática, deve-se esperar que a lealdade dos gestores de serviços
públicos esteja em primeiro lugar e acima de tudo com o seu serviço e com os
cidadãos. Eles têm a obrigação de contestar ou opor-se a qualquer decisão ou
omissão que ponha em causa esse serviço. Quando necessário, têm a obrigação de
partilhar a informação e de ajudar a moldar a opinião pública sobre assuntos
que são do interesse público. No Reino Unido, existe o Conselho de Directores de Museus Nacionais, que representa os
directores das colecções nacionais do país e os principais museus regionais. O
Conselho actua em prol dos seus membros; representa-os perante o governo e
outras entidades; é pró-activo na definição e execução da agenda política dos
museus; é um fórum onde os seus membros podem discutir questões de interesse
comum. Embora esses membros sejam museus nacionais – ou seja, financiados pelo
Estado -, o Conselho é uma organização independente. Como é que conseguem fazer isso? Teremos algo a aprender com eles?
Recentemente, David Fleming, Director dos National Museums Liverpool, partilhou no Twitter o desejo que os museus possam encontrar a sua voz em 2015 e alertar o público em relação ao impacto da austeridade sobre o que os museus são capazes hoje de fazer comparando com o passado. Fiquei a pensar: o que é que a sociedade grega ou portuguesa sabe, realmente, da situação vivida por várias instituições culturais públicas? Da falta de dinheiro para a realização de tarefas básicas e essenciais, do “multitasking”, das horas extraordinárias (não pagas), do trabalho aos fins-de-semana, para que o barco possa continuar a andar? E estarão interessadas em saber? Consideram essas instituições como suas? Faria alguma diferença se fechassem amanhã?
Recentemente, David Fleming, Director dos National Museums Liverpool, partilhou no Twitter o desejo que os museus possam encontrar a sua voz em 2015 e alertar o público em relação ao impacto da austeridade sobre o que os museus são capazes hoje de fazer comparando com o passado. Fiquei a pensar: o que é que a sociedade grega ou portuguesa sabe, realmente, da situação vivida por várias instituições culturais públicas? Da falta de dinheiro para a realização de tarefas básicas e essenciais, do “multitasking”, das horas extraordinárias (não pagas), do trabalho aos fins-de-semana, para que o barco possa continuar a andar? E estarão interessadas em saber? Consideram essas instituições como suas? Faria alguma diferença se fechassem amanhã?
Qual é o nosso papel,
como profissionais, neste contexto? Podemos esperar que os cidadãos sejam
críticos e exigentes, se os próprios profissionais do sector não o são
abertamente? De que forma ajudamos a formar cidadãos esclarecidos e
responsáveis? Há democracia sem pensamento crítico e diálogo público? De que
forma defendemos a transparência, a meritocracia, a honestidade intelectual?
Onde está o nosso fórum público? Com quem está a nossa lealdade e porquê?
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