Fotografia retirada do website do jornal Expresso |
Para mim, uma pessoa culta não é alguém com um conhecimento profundo sobre várias matérias, que lê muitos livros, que vai muitas vezes a museus e ao teatro, que viaja e conhece o mundo. Uma pessoa culta para mim é alguém que faz tudo isso e mais coisas ainda e que tenta colocar o seu conhecimento e experiências em prática procurando reconstruir o mundo, um mundo melhor. Ser uma pessoa culta não é algo inato para nós, seres humanos. É um exercício mental e prático diário contra a nossa barbárie interior, contra a nossa ignorância.
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Na noite de 15 de Julho, o parlamento grego votou num novo
pacote de resgate proposto / imposto pela União Europeia. Apenas
dez dias depois do histórico (e, para mim, surpreendentemente forte)
"não" no referendo grego, as coisas tomaram um rumo diferente e a
resistência orgulhosa e desesperada dos cidadãos deu lugar a um golpe de
estado.
Depois de uma discussão decepcionante, quando começou a
votação e os nomes dos deputados foram sendo chamados, não pude conter as
minhas lágrimas. Depois de cada nome, depois de cada "sim" e de cada
"não", parecia que o buraco negro ia ficando maior. O buraco para
enterrar o orgulho de um povo, as esperanças de muitas pessoas, a nossa tormentada democracia, a nossa ideia de uma "união" - de uma União Europeia.
Passei horas e horas nos últimos meses lendo intensamente –
a imprensa europeia, americana, africana e do Médio Oriente; blogs; tweets;
posts no Facebook. Foi esclarecedor e confuso ao mesmo tempo. Poderíamos
deparar-nos com argumentos muito lógicos e bem construídos que defendiam pontos
de vista completamente contraditórios. Houve momentos em que a busca da
"verdade" se tornava desesperante, mas tudo o que se podia obter era
pontos de vista e tudo o que se podia fazer era tentar chegar a algum tipo de
conclusão credível.
Foi entre esses pontos de vista que identifiquei aquela que foi para mim uma das partes mais preocupantes e tristes de toda essa
discussão. Fiquei surprendida com o quão fácil foi para cidadãos de todas as
idades de diferentes países da "União Europeia" adoptarem e
perpetuarem visões estereotipadas sobre as pessoas de um outro país da
"união", generalizando-as e transformando-as em verdades absolutas em
relação a indivíduos com os quais poderiam nunca se ter cruzado na vida. Visões
baseadas em manchetes, em conversa fiada, assumidas sem qualquer
questionamento. Verdades boas o suficiente.
De um momento para o outro ficámos vazios da nossa cultura.
Europeus no nome, mas isso era tudo. Para onde foi a nossa União e tudo o que ela
representa? Os nossos valores comuns? As lições que aprendemos no passado? O
desejo de construirmos juntos algo melhor? O que aconteceu ao nosso pensamento
crítico e à nossa capacidade de procurar mais, de procurar respostas para além
do que se vê na superfície? Como pode ser difícil a prática de nossa
cultura...
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A reacção do Papa Francisco ao mais recente capítulo da crise
grega apanhou-me de surpresa. Ele encorajou os fiéis antes do referendo a rezar
pela Grécia e disse que "A dignidade da pessoa humana deve permanecer no
centro de qualquer debate político e técnico, bem como na tomada de decisões
responsáveis."
Poucos meses antes, na conferência O Lugar da Cultura, Álvaro Laborinho Lúcio, no seu brilhante comentário
da sessão "Cultura, para além da religião", questionou se "(...)
esta dimensão do Papa Francisco vem de sua compreensão teológica do mundo e da
vida ou se vem da sua origem, da América Latina". Laborinho Lúcio
continuou e perguntou: "Não estaremos a criar uma figura nova, para
colocar ao lado da velha e desconceptualizada figura do 'católico, não
praticante'? Não será que nós estamos hoje a ter que ser confrontados com
uma figura nova do 'praticante, não-católico' ?".
Estamos? Que mundo maravilhoso este seria...
Agradecimento:
Mike Santos
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